06 março 2008

Quando pintei o urubu


Hoje acordei atleta e artista plástico. Acordei, mas não levantei. Apenas fiquei pensando em como é louca a nossa mente. Considerar atleta alguém que caminha quarenta minutos diários por recomendação do cardiologista jamais pode ser considerado atleta. Mas na poderosa e imaginativa mente ainda sou capaz de escalar montanhas e chegar ao outro continente com meia dúzia de braçadas. Para não me chamarem mentiroso eu diria que, tudo bem, uma dúzia de braçadas e chego à África. O mais engraçado é me achar artista plástico. Logo eu, que de artista, sei apenas que Miguelângelo pintou a Mona Lisa.
Enquanto escovo os dentes vou à janela ver como está o tempo.
– Decepcionante.
Aquela deliciosa moça do tempo diria com um sorriso que o tempo está encoberto com nuvens carregadas com o dia sujeito a trovoadas e temporais. Não acho nada sensual um dia carregado de tempestades.
Tenho que fazer alguma coisa, além de guardar a escova de dentes e tirar a espuma da boca. Vão me confundir com algum louco babando pela moça do tempo.
Minha primeira providência é procurar os meus baldes de tinta aquarela que guardo no armário da garagem junto com a árvore de Natal e junto com os meus esquis para neve.
Levo as tintas, a palheta e o pincel para a minha varanda. E abro a minha escada expansível.
Começo da esquerda para a direita. Ou do norte para leste, como preferirem. Pinto o céu de azul e as nuvens de branco. Como há nuvens demais, pinto várias de azul para se transformarem em céu. Mudo a escada de lugar girando para o leste. Apago as nuvens pretas e faço um círculo amarelo com um sol brilhante. Do meio das nuvens surge um avião cujo piloto acena um agradecimento pela melhoria das condições de vôo.
Com a minha rapidez de atleta rapidamente deixo todo o céu azul e várias nuvens branquinhas. Eu fui tão rápido e ágil que agora tenho que me desculpar com o urubu que pintei de branco. O urubu, para minha alegria, não ficou ofendido, ao contrário, disse que esse era o grande sonho dele e que não adiantava ficar apenas alisando o cabelo. Agora sentia-se uma verdadeira garça.
Eu, hem!
Guardo a escada e troco meu jaleco de artista por um calção de atleta. Lambuzo pernas, braços e rosto com protetor solar. Afinal, somente malucos caminham sob um sol abrasador como o de hoje.
Na rua, além do sol quente, percebo poeira, árvores secas e plantas sedentas. Minha consciência dói. Meu egoísmo se retrai e volto para casa como um atleta legítimo: correndo.
Como desfazer? Não tenho tinta preta? Nem sei desenhar raios e trovões.
Sento na frente do micro e aponto o mouse para aquele xizinho do canto superior direito.
– Deseja salvar as alterações em “hoje acordei atleta e artista plástico? Sim? Não? Ou Cancelar?
Apontei o mouse para não e cliquei.
Ah, como é bom poder dormir mais um pouco nos dias chuvosos.

2 comentários:

Anônimo disse...

adorei - HIS

Klotz disse...

É lamentável quando grupos invadem blogues para lançar espans. Mesmo que exibam peles de ovelha, continuam sendo lobos.

 
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