26 fevereiro 2015

Ginástica


Tééééééé. Odioso despertador. Antigamente, os abomináveis despertadores faziam triiiiim. E com apenas uma pancada paravam de tocar. Os atuais são espertos, aceitam parar de tocar após um toque delicado, mas voltam a incomodar dez minutos depois.

Mentalmente abro meu surrado livro da Real Força Aérea Canadense e inicio meus sagrados exercícios físicos. Nãonada mais sagrado do que cuidar do físico. Começo com os abdominais. É da barriga que tenho de cuidar. Ontem mesmo foram oito chopes e ainda dúzia e meia de quibes.

Um, dois, três... Jamais gastaria dinheiro numa academia. Se bem que tem umas popozudas... oito, nove, dez... Onde será a academia da Lili?  Dezesseis, dezessete, dezoito...  A Lili naquela malha colada... vintetrês, vintequatro... Flexões, sou bom nas flexões.

A Lili é ótima pulando na aeróbica. Seis, sete, oito... Os cabelos da Lili estão sempre atrasados no ritmo. Quando Lili está no alto, os cabelos estão em baixo, quando ela está em baixo seus cabelos estão em cima; é uma dança dentro da outra dança. Trintaedois, trintaetrês... Malditos médicos. Sempre dizem que devemos checar o colesterol, que estamos proibidos de comer pastel, que não devemos fumar; e eu parei de fumar... quarentaecinco, quarentaeseis... ridículos desenhos antiquados do meu real livro.

Eu deveria fazer exercícios de alongamento. Os desenhos são muito mais prazerosos. Se fossem coloridos e tivessem uma parceira, seriam o Kama Sutra. Polichinelo! Como seria o polichinelo no Kama Sutra? Onze, doze, treze... Lili sobe, eu desço, os cabelos descem, Lili desce, os cabelos sobem, eu subo... vintenove, trinta, trintaeum... Sobe. Será que arrumaram o elevador? Quarenteoito, quarentenove... Será que terei de subir todos aqueles três andares de escada? Sessentaesete, sessentaeoito, seesentaenove... Lili, Kama Sutra, sobe...

Tééééééééééé. Odioso despertador.


Preciso urgente pensar mais vezes em cuidar do meu físico.

09 fevereiro 2015

A sonata a Kreutzer

A SONATA
A KREUTZER
Lev Tolstói
Editora 34
Reimpressão de 2013
R$ 32,00
120 páginas

2 dias de leitura

Sensacional ensaio à loucura! Lev Tolstói, autor de Guerra e paz e Ana Karenina,  exemplificou os transtornos dos ciúmes como nenhum dicionário, enciclopédia ou tratado de Freud foram capazes. Melhor que descrever foi contextualizar os ciúmes a partir da ótica de um homem, em uma história de tensão crescente.

Toda a história é contada em primeira pessoa o que dá força e credibilidade ao protagonista.
Numa viagem de trem iniciada ao anoitecer, Pózdnichev narra a um passageiro como era o relacionamento tumultuado dele com a esposa e que, assumidamente, devido aos preconceitos, às convenções sociais, a falta de diálogo, também por amor e ódio, viveu sentimentos crescentes de posse e principalmente ciúme. No escuro do vagão, ao leitor só é mostrada uma face do envolvimento, a do homem, que apesar de nenhuma prova ou de circunstância conclusiva contra a esposa, confidencia os motivos para assassiná-la num momento de crise. As motivações são tão íntimas só poderiam ser segredadas a um confidente ou a um estranho sob o escudo da escuridão.          
Ainda no começo do relato o viajante assume o assassinato, entretanto o autor provoca a nossa curiosidade instigando-nos a descobrir as circunstâncias do crime e a posterior absolvição no julgamento.

Exemplificando os costumes machistas relata: “todos esses senhores e eu, uns devassos de trinta anos, tendo a seu crédito centenas dos mais terríveis crimes contra as mulheres, entrávamos, bem-lavados, barbeados, perfumados, de roupas limpas, de fraque ou uniforme de gala, numa sala de visitas ou num baile, éramos um símbolo de pureza, um verdadeiro encanto.” (pág. 26)

E ainda: “não abandonando por um instante sequer a intenção de me casar e de estabelecer para mim a mais elevada e pura vida familiar, e procurava uma jovem adequada a esse objetivo – prosseguiu ele – Eu chafurdava no pus da devassidão e, ao mesmo tempo, examinava moças, procurando as que fossem dignas de mim, pela sua pureza.” (pág. 27)

Por outro lado, afirmava “que as moças estão ocupadas unicamente com a caça ao noivo.” Mal comparando também disse que procediam como os judeus: “Ah, vocês querem que nós sejamos apenas comerciantes. Está bem, nós comerciantes, havemos de dominar vocês” – dizem os judeus. “Ah, vocês querem que nós sejamos apenas objeto de sensualidade, está bem, nós, justamente na qualidade de objeto de sensualidade, havemos de dominar vocês” – dizem as mulheres. (pág. 34) E ainda apontando a força feminina:

“– Onde está o poderio? Mas por toda a parte, em tudo. Percorra as lojas de qualquer cidade grande. Ali há milhões de rublos, não se consegue avaliar o trabalho humano assim empregado, mas veja: existe em nove décimos dessas lojas pelo menos algo para uso masculino? São as mulheres que exigem e sustentam todo o luxo da existência. Faça um cômputo de todas as fábricas. Uma parte imensa produz enfeites inúteis, carruagens, móveis, brinquedos de mulher. Milhões de pessoas, gerações inteiras de escravos, aniquilam-se nesses trabalhos forçados nas fábricas, unicamente para satisfazer os caprichos femininos. As mulheres, qual rainhas, mantêm na prisão do trabalho penosos e escravo nove décimos da espécie humana. E tudo isso porque foram humilhadas, privadas de direitos iguais aos do homem. E ei-las que se vingam atuando sobre a nossa sensualidade, prendendo-nos em suas redes. (pág. 35)

Quanto ao casamento foi pragmático: “Eu então não sabia ainda que 99% dos esposos vivem no mesmo inferno em que eu vivia, e que isso não pode ser diferente.” (pág. 61)

Em relação à música – Sonata a Kreutzer – parece que provoca o delírio coletivo – “todos sabem que justamente por meio dessas mesmas ocupações, e em particular da música, é que se dá o maior número de adultérios em nossa sociedade.” (pág. 77); “Ela não eleva nem rebaixa a alma, ela a excita.” (pág. 82). E, finalmente, sobre o ciúme provocado pelas elucubrações: “Não pude mais dominar a imaginação, e ela começou a desenhar para mim, incessantemente, com uma nitidez extraordinária, quadros que me excitavam o ciúme, cada qual mais cínico, e todos sobre o esmo tema, sobre o que sucedia lá, na minha ausência, como ela me traía.” (pág. 89)

No posfácio o tradutor tece elogios – insuperável – à obra e acerta em cheio ao afirmar que nos dias de hoje não dá mais para aceitar o que Tolstói disse sobre a relação entre os sexos e opina que a exasperação que aparece no romance parece adiantar em alguns anos a famosa crise existencial do autor.

Para finalizar, repito o início da resenha: – sensacional ensaio à loucura.

03 fevereiro 2015

Dez formas de fugir de casa



1 – Humilhar-se em pó. Ser varrido para fora pela empregada.

2 – Esperar o amanhecer e escalar o raio de sol.

3 – Pular na lareira, misturar-se com o carvão e esfumaçar-se pela chaminé.

4 – Ajoelhar-se perdoando. Aguardar a santificação.

5 – Esconder-se na saboneteira do box. Esperar a mulher entrar no banho, percorrer suas intimidades e sair espumando pelo ralo.

6 – Contrair-se ao máximo até formar o desenho de uma arroba. Deitar no e-mail e enviar-se num e-mail em cópia oculta.

7 – Vestir-se com a roupa da babá e escafeder-se pelos fundos.

8 – Selar uma mosca e cavalgar janela afora.

9 – Esconder a mágoa no bolso. Jurar que não foi você e bater a porta da frente.


10 – Limpar o sangue da faca e entrar no camburão.
 
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