Construa a cena de um domingo numa praça de cidade do interior. O sino chamando para a missa. Um casal de velhinhos, silenciosos, de mãos dadas, sentados no banco, de frente para o coreto. Na sombra de uma jaqueira, um balão de gás, vermelho, amarrado no carrinho empurrado pela mamãe. Uma menininha de vestidinho branco, com a boca lambuzada de sorvete, brincando com uma formiga no chão. Um cachorro deitado na grama com a cabeça entre as patas. Uma abelha escolhendo uma flor. Os vendedores de balão, sorvete e bolas agrupados na esquina da avenida. A cidade deve ter uns 30 mil habitantes. Tudo muito calmo e sereno como as nuvens brancas estacionadas no céu azul.
Pois a história em questão aconteceu na China e não aqui. Lá é tudo muito semelhante. Ou quase. A cidadezinha do interior deve ter uns 30 milhões de moradores, todos com os olhinhos semicerrados e falando uma língua que nós não entendemos. Provavelmente a plaça tenha uma igleja, um coleto e gente em plofusão. – isso é brincadeira de contador de histórias provocando leitores.
A praça de Chan Ti Li fica no topo da cidadezinha de Mo lan Go e está sempre lotada de gente. Precisaram colocar um placar luminoso limitando o número de pessoas.
HÁ VAGAS PARA DOIS ADULTOS E UMA CRIANÇA OU UM GORDO E UMA CRIANÇA.
A situação beirava o caos. Para aumentar a área útil aos cidadãos, o administrador do parque eliminou todos os espaços onde havia grama, substituiu-os por um cimentado verde. Quase todas as árvores foram retiradas. Em compensação plantou postes para que a população pudesse se revezar e praticar passeios noturnos.
Os recursos para a manutenção da praça provinham de máquinas de refrigerante adaptadas para grãos de milho. Por algumas moedas, se recebia um copo para alimentar pombas. Com o passar do tempo as aves sumiram, porque deixou de haver pista suficiente para pousos e decolagens.
Necessitando de caixa, o criativo administrador readaptou os caça-níqueis aos banheiros públicos. Logicamente a queixa dos usuários era esperada. Surpreendeu-se, porém, ao descobrir que a população, por falta de outro lugar para sentar, usava os banheiros para descansar as pernas.
Empreendedor, rapidamente inventou bancos com limitadores de tempo. Da forma descrita no jornal. Mesmo contrariados, os habitantes da Shangdon sentaram-se. A novidade, entretanto, mudou hábitos de tal sorte que o ganancioso administrador despertou para mais uma forma de arrecadar dinheiro fácil: alugava pequenos fones de ouvido que emitiam sinais sonoros 30 segundos antes dos bancos cutucarem as bundas distraídas. Lucrou mais ainda no aluguel dos fones para a garotada que pagava mais e adorava saber, com antecedência, qual velhinho iria pular com pontudas cutucadas.
Texto não publicado no Correio Braziliense. Nem na Folha, no Globo, no Estado ou Zero Hora.
Outra notícia do Correio Braziliense provocou o terceiro conto semanal. Logo logo vários editores receberão os links para avaliar meu início remunerado no quadro dos colunistas. Sei que texto entregue após a hora é o mesmo que texto não escrito por isso sempre estará disponível antes das 18h das quartas-feiras.