16 novembro 2018
A LOUCA
DA CASA
Rosa Montero
Editora Harper Collins
176 páginas
R$ 30,00
Quando o livro
foi sugerido no Clube de Leitura eu não estava prestando atenção.
Intuí, erradamente, tratar-se de
uma autora brasileira no topo de best
sellers.
Santa ignorância!!!
Em vez de
Monteiro é Rosa Montero, autora espanhola. O livro é de 2013, publicado no
Brasil em 2016 e a temática é o ofício do escritor.
Na ficha
catalográfica o livro é rotulado como romance, mas no meu entender é um
delicioso bate-papo com uma escritora que tem o que dizer e contar e ensinar e
fazer pensar com originalidade sobre o próprio ofício.
É como se
fosse um programa de televisão com uma entrevistada envolvente e inteligente. As
conversas não são lineares como numa narrativa, então em vez de opinar como
seria de se esperar sobre uma resenha, resolvi recortar e colar trechos que me
pareceram construtivos ou marcantes.
Pág 62 – “Vale
a pena ser continuar sendo criança em alguma região de si mesmo. Vale a pena
não crescer demais.”.
Pág 63 – “A
qualidade literária é um dos valores mais subjetivos e mais dificilmente
mensuráveis que conheço; ”. “A história demonstra que nem o sucesso em vida nem
os prêmios, nem, ao contrário, o fracasso e a contrariedade dos críticos foram
alguma vez a prova confiável da qualidade de uma obra. E nem sequer o tempo põe
as coisas em seu lugar, como gostaríamos de acreditar por precisarmos de
certezas; algumas vezes, caíram por puro acaso em minhas mãos romances de autores antigos totalmente
esquecidos e fora de catálogo, que, no entanto, achei ótimos, e previsivelmente
eles nunca mais regressarão do cemitério.”
Pág 75 –
“Escrever ficção é expor à luz um fragmento muito profundo do inconsciente.”.
Pág 80 – “Para
ser um bom escritor, é preciso desejar sê-lo, e desejar, aliás, de maneira
febril. Sem a disparatada e soberba ambição de criar uma grande obra não se
consegue escrever sequer um romance médio.”.
Pág 100 – “O
romance é o único gênero literário em que reinam a mesma imprecisão e falta de
limites que reinam na existência humana. É um gênero sujo, híbrido, agitado. Escrever
romances é um ofício sem glamour;
somos os operários da literatura e precisamos colocar tijolo por tijolo,
manchar as mãos e exaurir nossas costas no esforço de construir uma humilde
parede de palavras que, quem sabe, vai acabar desmoronando.”.
Pág 101 –
“Mesmo os melhores romances da história, os grandes romanções maravilhosos, têm
páginas fracas, perdas de tensão, carências óbvias. Eu gosto disso. E me
reconheço nisso; isto é, reconheço o fôlego hesitante das coisas.”.
E é lógico que
uma autora mulher sempre é questionada sobre a escrita feminina.
Pág 108 –
“Quando uma mulher escreve um romance protagonizado por uma mulher, todo mundo
considera que está falando das mulheres; mas se um homem escreve sobre um
romance protagonizado por um homem, todo mundo considera que está falando do
gênero humano?
Não tenho
nenhum interesse, absolutamente nenhum, de escrever sobre mulheres. Quero
escrever sobre o gênero humano, mas por acaso 51 por cento da Humanidade é do
sexo feminino; e como eu pertenço a esse grupo, a maioria dos meus protagonistas
absolutos são mulheres, da mesma maneira que os romancistas geralmente criam
personagens principais masculinos. E já é hora de os leitores homens se
identificarem com as protagonistas mulheres, da mesma maneira que durante
séculos nós nos identificamos com os protagonistas masculinos, que eram nossos únicos modelos literários; porque
essa permeabilidade, essa flexibilidade do olhar nos tornará a todos mais
sábios e mais livres.”.
Pág 112 – “Se
os homens tivessem regras, a literatura universal estaria cheia de metáforas do
sangue.”
A autora
aborda outro tema tão caro aos brasileiros: a escrita politizada.
Pág 109 –
“Detesto a literatura utilitária e militante, os romances feministas,
ecológicos pacifistas ou qualquer ista
que se possa pensar, porque escrever para passar uma mensagem trai a função
primordial da narrativa, seu sentido essencial, que é o da busca do sentido.
Escreve-se, então para aprender, para saber; e não é possível empreender essa
viagem de conhecimento levando previamente as respostas.”.
Pág 39 – “Para
mim, o famoso compromisso do escritor não consiste em engajar suas obras a
favor de uma causa (o utilitarismo panfletário é a traição máxima ao ofício; a
literatura é um caminho do conhecimento que precisamos percorrer carregados de
perguntas, não de respostas), e sim em permanecer sempre alerta contra o senso
comum, contra o preconceito próprio, contra todas as ideias herdadas e não questionadas
que se infiltram insidiosamente em nossa cabeça, venenosas como o cianeto,
inertes como o chumbo, más ideias que induzem à preguiça intelectual. Para mim,
escrever é uma maneira de pensar; e deve ser o pensamento mais limpo, mais
livre e mais vigoroso possível.”.
Pág 113 – “É
raríssimo um escritor que cultive um único gênero”.
Pág 127 – “A
morte também é leitora, por isso, recomendo ter sempre algum livro na mão,
porque assim, quando a morte chega e vê o livro, se espicha toda para ver o que
você está lendo, como eu faço no ônibus, e então se distrai. “.
Pág 167 – “O
que o romancista faz é desenvolver múltiplas alterações, essas irisações da
realidade.”. “O escritor pega um grumo autêntico da existência, um nome, uma
cara, um pequeno episódio, e começa a modificá-lo mil e uma vezes, substituindo
os ingredientes ou dando-lhes outra forma, como se estivesse rodando
indefinidamente os mesmos fragmentos para construir mil figuras diferentes.”.
Esse fragmento
é importante porque traduz o que Rosa Montero fez como fio condutor do livro ao
contar três vezes a mesma história com mesmos cenários e personagens, porém ingredientes
variados levaram a fechamentos verossímeis, mas absurdamente diferentes.
Eu questionei
se o romance era um bate-papo descontraído, agora deixo para você questionar se
esta resenha é um resumo.
Além de
delicioso, o livro passa a ser um livro de consultas.
Recomendo para você que escreve e para você que
tem prazer em ler.
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