
Acordamos sem pressa e após uma gostosa espreguiçada ouvi a pergunta:
- Vamos a Pirenópolis?
- Só se for agora!
O relógio da cabeceira, com seus números vermelhos, indicava nove horas.
Brasília e Pirenópolis são tão próximos que a música do rádio só foi interrompida na altura do majestoso Salto Corumbá. Do acostamento, registramos o momento com a máquina digital. Percorremos mais algumas curvas da Serra dos Pirineus até chegarmos ao pavimento de pedras da cidade.
Encostamos o carro à beira do antigo presídio, bem junto à ponte cor de sangue do Rio das Almas. Trocamos as blusas por camisetas ecológicas, tomamos refrigerante e recebemos as informações para o passeio. Coisa leve, para abrir o apetite.
Sob o sol, caminhamos pela Estrada do Norte construída no século XVIII pelos negros escravos. A nos espiar estavam os troncos amarelos dos paus mulatos, árvores cujos troncos amarelos são tão lisos que não permitem a escalada pelos micos abundantes na região. A água gelada das cachoeiras acalmou nossos pés cansados e gargantas secas.
O retorno tranqüilo nos levou para a cidade acolhedora. Mil opções de culinárias variadas nos aguardavam. Forno à lenha, comida goiana, cozinha mineira, pizza do alemão, cozinha mediterrânea, crepe francês, sushi e sashimi, esculturas criativas nas frutas do self service.
A cada passo tínhamos que engolir a saliva que teimava em se manifestar a cada cheiro e a cada olhar.
A tradição, o regionalismo, o aconchego e a simplicidade nos conquistaram.
A leitura do cardápio foi saborosa com um dedal de água de alambique combinada com tiras de torresmo.
Peixe na telha, galinha à cabidela, frango com quiabo, arroz com pequi, feijão tropeiro, guariroba refogada, leitão à pururuca.
Na espera, a cerveja com véu de noiva fez companhia. O olho gordo comeu e se lambuzou todo. A ambulante adivinhou nossa hora e ofereceu opções biscoitos caseiros e frutas desidratadas como sobremesa. Pensamos em terminar com café passado na hora. Não acabou. O licor de pequi vai deixar saudades.
Não esperamos baixar a lombeira e a preguiça de uma refeição desapressada.
Tínhamos que retornar a Brasília para um compromisso noturno. Entramos no carro passamos em frente à Matriz de Nossa Senhora do Rosário, maltratada pelo pavoroso incêndio em 2002, apreciamos o azul do Theatro. Demos mais uma voltinha e... prevaleceu o prazer e o bom senso. Visitamos o orquidário, passeamos na praça do coreto, compramos uma lembrança. A Rua do Rosário esperava por nós. Aceitamos o convite e amamos loja por loja.
Vimos muito artesanato, cultura e criatividade. Cabeças de touro em papel machê, semente de baru torrada, cristais e prismas esotéricos, passadeiras de mesa feitos em teares manuais, ferro de passar esquentado a carvão, móveis rústicos de madeira retorcida do cerrado, colheres de pau-brasil, camisetas com flores do cerrado, tachos de cobre, porcelana portuguesa ao som de disco 78 rotações tocadas num gramofone dourado, quadros de pedigree com bacalhau. Ainda bem que reservamos um dinheirinho! Impossível retornar de mãos vazias.
O sol começou a se despedir. As mesas na rua começaram a ser freqüentadas pela juventude bronzeada. A música preencheu espaços.
A responsabilidade do retorno nos convocou. Deixamos para trás a certeza de breve retorno. Agora mais longo. Há inúmeras opções maravilhosas para dormir e sonhar. Ou sonhar e dormir.
Pirenópolis, até breve!
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A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário é a mais antiga do Estado de Goiás, foi construída por escravos no arraial de Meia Ponte, entre 1727 e 1738. Um grande incêndio destruiu a maior parte da igreja na noite de 5 de setembro de 2002. Com isso, imagens, paredes, pinturas do forro e parte do mobiliário foram seriamente comprometidos pelo fogo. Todo o telhado e uma das torres e todo telhado desabaram.
A igreja foi restaurada e entregue ao público em 30 de março de 2006.