
José Rubens trabalha há dois anos numa empresa que desenvolve sistemas de aproveitamento de energia solar. A estabilidade conquistada permitiu mais um passo no planejamento familiar. A esposa está grávida do primeiro filho. Apesar da segurança, o salário é insuficiente para devaneios. Na busca de fontes alternativas, bem ao estilo de quem trabalha com energia, descolou aulas noturnas de física em um colégio da redondeza.
A fama do colégio não é exatamente exemplar. Muitos dos alunos foram repetentes em outras escolas e agora, nesta, buscam o certificado de conclusão do segundo grau sem muito esforço. A realidade do mercado de trabalho sugere que o conhecimento não é tão importante quanto o diploma. O diretor da escola ofereceu uma turma para o professor estreante com promessa de mais turmas e, consequentemente, melhor remuneração no segundo semestre, conforme o desempenho no ofício.
No primeiro dia de aula, digo na primeira noite, o professor estreou um jaleco branco com as iniciais JRO bordadas sobre o bolso e, de acordo com o programa, lecionou termologia.
O número de presentes correspondia a aproximadamente 25% daqueles da relação de matriculados. Começo de ano letivo é frio, depois esquenta, julgou. Iniciou morno sobre os estados físicos dos elementos e revisou conceitos de solidificação, liquefação, fusão, vaporização e sublimação.
Na aula seguinte a presença de alunos cresceu vertiginosamente para 40%. Destes, apenas quatro trouxeram o livro recomendado.
José Rubens trabalhou duro no fim de semana a tempo de elaborar e digitar, por sua conta, um resumo do tópico. Levou exatas 50 cópias. Apesar de dispor da relação de nomes, ainda não dispunha da lista de presença. Estranhou que somente 19 cópias foram pegas, apesar dos 23 presentes.
Ao perceber a dificuldade da rapaziada em transformar graus centígrados em graus Fahrenheit ou Kelvin, não mediu esforços para ensinar a base matemática, a conhecida e manjada regra de três.
A minoria trabalhava durante o dia, entretanto todos alegavam a mesma desculpa para não fazerem os deveres de casa.
O resultado da primeira prova foi insatisfatório, só dois estudantes obtiveram notas acima de cinco.
O tempo era curto e o programa longo. Mesmo com a termologia não aprendida, foi necessário seguir para a cinemática com as inevitáveis equações do segundo grau, aquelas que têm um dois sobre um xis. O professor preocupou-se porque os aprendizes continuavam com a mesma dificuldade, agora para transformar quilômetros por hora em metros por segundo.
Quando falou em movimento retilíneo uniformemente variado e escreveu a fórmula S = S0 + v0t + ½ at2 no quadro-negro recebeu uma vaia do tamanho da equação.
Foi acusado formalmente de exigir conhecimentos de física quântica dos pupilos. Coisa que nem a sapiência do diretor ouvira falar.
José Rubens sentiu a pressão. Sonhou com as três ou quatro turmas prometidas pelo mandante supremo e preveniu a turma que a aula seguinte seria importantíssima pois daria o bizu para a prova.
Escreveu cinco questões na lousa, resolveu-as paciente e didaticamente. Ninguém externou qualquer dúvida. Encheu-se de satisfação e segurança para elaborar a prova com as mesmas cinco questões onde alterara apenas os números.
Para sua surpresa e desespero, o resultado foi tão devastador quanto da primeira prova.
Indignado com o desinteresse, levou o assunto à diretoria. Foi surpreendido com uma reprimenda. Conforme o diretor, os pais dos alunos pagam o colégio e, portanto devem ser oferecidas aos alunos oportunidades reais de lograr boas notas e passar de ano. Para mostrar generosidade, deu-lhe mais uma chance de se redimir com as crianças, afinal bom mestre que era, deveria ser capaz de aplicar outra prova, esta sim, com resultados satisfatórios.
A noite foi longa. Muito longa. José Rubens questionou valores e juízos. Pensou na escola, nos estudantes e nos pais deles. Remoeu significados de ética e moral. Vivenciou a educação do filho ainda não nascido. Pesou o significado de três ou quatro turmas no semestre seguinte.
De manhã, antes do sol raiar, sentou-se à frente do computador, com o modelo nas mãos, digitou a mesma prova, igualzinha, desta vez para ser respondida por meio de múltipla escolha. O trabalho foi rápido e terminado com um sorriso de orgulho. Tanto orgulho serviu para escrever uma cartinha pensando no filho.
Chegada a hora da aula, observou que pela primeira vez a sala estava cheia, abarrotada. A secretaria telefonou aos alunos, um a um, avisando que naquela quinta-feira haveria uma nova prova, pois a anterior tinha sido anulada por uma falha conceitual em uma das questões.
O professor, em seu jaleco impecavelmente branco distribuiu as provas e solicitou que esperassem um pouco antes de iniciar. Foi ao quadro-negro, enumerou de 1 a 5 e anotou uma letra ao lado. Virou-se para o grupo, comunicou que aquele era o gabarito da prova, desejou boa sorte e solicitou o início da prova, porém que aguardassem o resultado da correção antes de saírem da sala.
O zum-zum-zum foi enorme e não levou 10 minutos para os alunos devolverem as provas respondidas. Após a correção – ainda houve três avoados que não obtiveram a nota máxima – anunciou que entregaria a sua demissão e que aquele tinha sido seu último dia na escola porque breve teria a quem educar.