— A idiota da faxineira esqueceu a garrafa de álcool. Oh mulherzinha avoada!
Pedro, vizinho de mesa, suavizou.
— Bom-dia! Ainda é bom costume cumprimentar. Em vez de ofender a dona Antônia deveria ligar para ela, agradecer por ela ter limpado seu espaço e informar que guardou o produto de limpeza.
— Tá de caso com ela?
— É impressionante como você começa o dia de forma grosseira, desrespeitosa, mal humorada e sem educação.
Ignorando a observação — Já leu o jornal?
— Não, ainda não terminei de ler.
José Geraldo, sem nenhum constrangimento, enfia a mão no meio da leitura de Pedro e puxa o caderno de esportes.
— Peraí! Eu ainda não li este caderno!
— Que egoísmo, você não tem capacidade para ler tudo ao mesmo tempo. Cadê sua generosidade?
— Aposto que sua namorada dormiu de calça jeans.
— Seja criativo. Pare com suas piadinhas repetitivas.
Evitando constrangimentos, Pedro silenciou.
Na ante-sala, a secretária, responsável pelo jornal, murmurou palavrões imaginando a bronca do chefe ao descobrir o jornal bagunçado.
Passados dez minutos, Pedro comenta a nota policial.
— Viu só? O ladrão entrou na casa durante a madrugada, separou a televisão e o micro, depois se encheu de comida da geladeira, esvaziou uma garrafa de uísque e adormeceu no sofá.
— Como é que eu veria? A notícia está na sua mão. Você não quis me dar todo o jornal.
— Apenas comentei, tentando um diálogo.
— Diálogo? Monólogo, isso sim. Como posso dialogar com alguém que não me permite ler o jornal.
Como só acontece em historinhas, o moço do cafezinho surge na hora certa para amenizar o clima de hostilidades.
— Bom-dia.— enquanto distribui os copos descartáveis — O que vai ser hoje? Ovos estrelados, sucrilhos ou omelete com beicon?
— Obrigado Zezinho. Tem antiácido para o Jotagê?
José Geraldo, sem tirar os olhos do caderno de esportes.
— Sirva um copinho de raticida para meu vizinho.
Zezinho caminhou em direção ao ventilador.
— Eitcha ambiente carregado... Vou aumentar a velocidade para o vento levar o mau humor.
José Geraldo olhou com reprovação.
— Aumente não. Já basta o barulho insuportável das cigarras gritando nas árvores.
Como que fugindo de uma nuvem pesada, Zezinho empurrou seu carrinho para a saída ameaçando fechar a porta enquanto Pedro faz cara de quem está curtindo violinos da orquestra sinfônica.
— Isso que você chama de barulho é o canto das cigarras. É a perpetuação da espécie. É o anúncio das chuvas. É a mudança de estação. Já viu como os flamboyants estão floridos?
— Vai se tratar, Pedrinho! – colocando o queixo sobre o ombro e piscando rapidamente os olhos — Isso de gostar de florzinha vermelhinha é pra flamboiólas. Acho que você escorregou nalguma flor cor-de-rosa e caiu na bichice.
— É Jotagê, se você fosse mulher, eu diria que foi mal comida.
— Outra vez você vem com piadinha manjada ansiando gargalhadas. Invente! Só teletube repete a mesma coisa vinte mil vezes e, mesmo assim, para inocentes bebês.
Pedro, mais uma vez bombardeado por José Geraldo, procura por um aliado na conversa e olha na direção do outro colega de trabalho em leitura concentrada.
— E aí Barbosa, o que você me diz? Concorda que está faltando mulher na vida do Jotagê?
— Não sei e não estou preocupado com os problemas dos outros. Sei apenas que daqui a pouco o chefe vai entrar por aquela porta e perguntar o que a gente tá fazendo.
— E o que você, Barbosa, está fazendo de tão importante?
— Estou cuidando do meu humor. Lendo e apreciando as imagens de um tratado sobre a saúde, manutenção e desenvolvimento do bom humor.
— Tudo o que o carrancudo Jotagê precisa na vida. O que é?
Barbosa levantou a Playboy aberta na página central exatamente na hora em que o chefe pisou na sala.
4 comentários:
Comentários na Comunidade orkutiana Bar do Escritor em 08/11/08
Ana Marques : Klotz!!! A-D-O-R-E-I!!!
Eu ia lendo e rindo, lendo e rindo... Está muito bem escrito, bem sacado e mais ainda... bem engraçado!
Beijos de gostei muitão!!! :)
Lanoia : eh msm mt divertido ^^
Jarbgas Siebiger : É possível materializar as personagens de tão bem estruturada a narrativa. Excelente, o climax, ao final.
Em 09/11/2008
Klotz : Sexo sempre alegra as pessoas. Muito mais que letras, palavras e parágrafos, não é mesmo Ana, Lanóia e Jarbas?
Robertón Hefler :Além de ser uma baita conista, esse fiadamãe é adivinho! Li ontem à noite, mas o clima aqui em casa tava bom demais pra desperdiçar uma noite daquelas...
Ana Marques :Já dizia um amigo: sexo quando é ruim, ainda é bom! :) hehehehehe
Larissa Marques : desafio que me tira o sono!!!!
Klotz : Qual é o desafio que tira seu sono?
Ler a crônica ou sexuar?
Paulinho Di Andrade : Nossa, nossa, nossa... que coisa mais bonita. Faz tempão que não leio um texto com diálogo assim tão bem construído. ADOREI!
Parabéns!
Klaus Merschbacher: Bem estruturado... Um pouco mais de sofisticação nas tiradas e esse poderia ser um texto à la Fernanda Young...
Larissa Marques : os desafios semanais, bobinho!!!
este texto participou do desafio!
kkkkk!
Em 10/11/2008
Klotz : À la Fernanda Young? Caraca! Isso é um elogio ou crítica?
Nada li da Fernanda que me agradasse. Pudera, jamais li FY. Porém considero sensacional o trabalho dela como roteirista em” Os normais”, “Comédia da vida privada”, “Minha nada mole vida”.
Thank’s cabeça.
Larissa, você sabe que adoro provocar você. É que eu precisava de uns elogios (verdadeiros ou não) para este texto tão desmerecido pelos jurados do desafio semanal.
Paulinho, obrigado pelo elogio. É muito difícil, em uma crônica como essa, inserir tantos personagens sem confundir o leitor. O desafio era criar um texto de humor.
Klaus Merschbacher : Evidente que foi um elogio, né, Klotz!
Larissa Marques : Menino, quando é que essas pessoas que julgam em concurso passarão a mão em nossas cabeças?
Nunca, poderemos ser taxados de mal escritores, mas pode-se encarar como revolução literária. Tudo é questão de referencial e você sabe o que eu penso da sua prosa!
Sua prosa é MARAVILHOSA!
Faz rir e já te disse o que penso a respeito dos que me fazem rir.
Zulmar Lopes : Gostei muito, Klotz. Irônico do início ao fim, desde o otimismo exacerbado de Pedro, a crítica, creio eu, a determinados funcionários públicos ociosos, culminando com a "Pílula de saúde" em forma de mulher pelada, ainda que de papel.
Klotz é um biscoito fino de ironia e mordacidade. Cronista de pena, ops!, teclado afiado.
Muryel di Zoppa : rs, muito bom. sinto-me gratificado em desfrutar do mesmo espaço cibernético contigo, Klotz.
'Vou aumentar a velocidade para o vento levar o mau humor.'
é um escritor carimbado.
Giovani Iemini : klotz, é importante ler os outros escritores da nossa geração, para saber como estão tratando as coisas. a fernanda escreve bem, mas tem um texto bem cheio de referências e comparações, diferente da sua prosa direta. não achei justa a relação.
a crônica tá no seu estilo!
[]s
Em 15/01/09
Giovani Iemini : cena engraçadinha do cotidiano. ok.
Klotz : Obrigado pelo resgate, presidente!
Klotz é um biscoito fino de ironia e mordacidade. Cronista de pena, ops!, teclado afiado.
Agradeço, mestre Zulmar. Vou recortar e mandar emoldurar.
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