05 dezembro 2011

CARA DE CRACHÁ



CARA DE CRACHÁ


Autor: Roberto Klotz


Número de páginas: 160


Assunto: Contos


Preço: 28,00








Leitura prévia por Betty Vidigal

Roberto Klotz se destaca constantemente pelo humor dos seus textos. Não é um humor de escracho nem daquele tipo que se dedica a ridicularizar os personagens e assuntos que enfoca. A graça desses escritos é por vezes sutil, por vezes escancarada, mas sempre afetuosa com seus temas. E nunca óbvia: o Klotz surpreende quem o lê.

Este Cara de Crachá, terceiro livro do autor, escrito na primeira pessoa, tem um narrador fictício. O von Silva é descendente de alemães, como o Klotz. Logo no início do livro, constatamos que a família “von” está espalhada por todo o mundo... Mas o personagem não é um alter ego do seu criador. Enquanto Klotz se descreve como “um engenheiro que se estilhaçou em parágrafos”, von Silva é funcionário público. Em alguns momentos, tem o comportamento que se espera do estereótipo do FP: “Sou sempre o primeiro. Sou um funcionário exemplar. Agora mesmo vou embora. Como sempre, sou o primeiro e tenho muito orgulho disso”. Noutros, von Silva é mais arguto ou mais simplório do que os brasileiros imaginam os típicos funcionários públicos.

Morador de Brasília há muitos anos, Klotz tem proximidade maior com esses espécimes do que os brasileiros residentes noutras plagas. A visão que um brasiliense – mesmo que seja por adoção – tem do funcionalismo é sempre instrutiva. Se essa visão é equilibradamente crítica, melhor. Se a crítica é apresentada com humor – mais doce que ferino –, como acontece aqui, melhor ainda.

Outros personagens povoam as páginas do livro: o Zezinho, que serve o café; a Paulinha, colega de trabalho que usa decotes generosos; a madame von Silva; o chefe; o Everaldo, vendedor de laranjas e de jogos do bicho... Cada um deles tem presença convincente. Roberto Klotz não precisa se perder em descrições detalhadas: a gente percebe logo que conhece essas pessoas. Mas, quando descreve alguém, ele o faz com precisão e ternura: “era elegante e ingênua e determinada e inflexível”, diz von Silva, falando de sua tia Valtraut.

Coisas da cidade também aparecem de forma pungente, como na cena em que um garoto conduz uma carroça puxada por um cavalo: “A cada passo a perna tira uma lasca da carroça. A cada passo a carroça tira uma lasca da perna. Com o coração partido, atiro um maçã pro menino. O destino vai dividir a fruta entre os dois miseráveis”.

Pequenas maracutaias não ficam de fora: num evento no Rio, von Silva tem de freqüentar reuniões e escrever relatórios que façam com que seu chefe – que deveria participar desses encontros, mas estava com “sua acompanhante” – fique bem na fita. Nada disso é contado de forma óbvia. O diálogo entre von Silva e o chefe mostra tudo sem dizer nada diretamente.

Na repartição, além do cafezinho e dos carimbos, o jogo de paciência tem um papel muito importante. Von Silva tem saudade do tempo em que discutiam a importância do sal marinho na dieta dos esquimós, o desperdício de espaço nas caixas de fósforos, a idade em que as crianças deveriam ser ensinadas a dar nó no cadarço do tênis, a influência da escultura barroca no formato do pão francês ou o número de notas musicais do canto do uirapuru logo após o acasalamento. Agora, lamenta que “o único questionamento que faz sentido é de um colega do quarto andar que está circulando um abaixo-assinado exigindo adicional de insalubridade devido ao alto grau de adrenalina liberada pelos praticantes de paciência, ou seja, todos aqueles que têm um micro à sua disposição”. Entre indignado e angustiado, von Silva pergunta: “o que será que vai acontecer com a cultura dos servidores públicos? Aonde esse país vai chegar sem diálogo?”.

Roberto Klotz criou um universo burocrático encantador, viciando o leitor a querer mais.

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