O livro veio parar na minha estante porque, sendo escritor, vez por outra procuro ler um pouco de “teoria” literária. A atraente proposta da capa é um escritor entrevistando outros escritores sobre o ofício da escrita.
21 agosto 2014
Philip Roth
Companhia das Letras
172 páginas
R$ 35,00
O livro veio parar na minha estante porque, sendo escritor, vez por outra procuro ler um pouco de “teoria” literária. A atraente proposta da capa é um escritor entrevistando outros escritores sobre o ofício da escrita.
Já havia lido
dois outros livros de Roth: A humilhação
e A marca humana. Sei que ele conquistou
o Pulitzer Prize e um monte de outros prêmios de prestígio. É o único escritor
vivo cuja obra está sendo publicada pela Liberary of America. Este exemplar
mostra uma outra face do autor a de entrevistador e crítico literário.
Já na orelha
li, para a minha surpresa, que os temas predominantes em vez de serem técnicas
literárias ou a literatura propriamente dita, o autor questiona a relação entre
a vida e a literatura. Um tema muito mais abrangente do que aquele que eu
esperava. Para a minha surpresa sete dos dez autores tem origem judia.
Para mim, o
judaísmo é uma questão mal resolvida internamente. Tenho um problema de identificação
pessoal. Fui criado numa comunidade alemã – onde o assunto era tratado de forma
velada ou sublimado. Falavam mal dos judeus pelas costas como se pertencessem a
uma seita ultrassecreta e guardavam um misterioso segredo. Desde sempre
questionei essa postura. E entrando na maturidade descobri que o meu sobrenome
tinha grandes probabilidades de ter origem judaica. Obviamente jamais
resolverei a questão, entretanto quanto mais informações eu tiver melhor
saberei lidar com as minhas contradições.
O livro tem
como base o cenário em que cada autor cresce e vive e como essas circunstâncias
influenciam a obra. É certo que é muito mais fácil e verossímil escrever sobre
aquilo que se conhece ou vivencia do que optar a escrever sobre cenários e
épocas estranhas. É preciso ser Júlio Verne para embarcar no Nautilus e
mergulhar em fantásticas viagens ao fundo do mar a vinte mil léguas submarinas.
Grifei o
comentário “A realidade é sempre mais forte do que a imaginação humana, Além
disso, a realidade pode se dar ao luxo de ser inacreditável, inexplicável,
desproporcional. A obra criada infelizmente, não tem esse direito.” – Seria
louco o autor que criasse uma história baseada em Nova Iorque onde dois aviões
se chocassem com dois prédios quase simultaneamente. Seria insano o autor que tivesse
descrito em detalhes um robô pousando e tirando fotografias “selfie” na
superfície de um cometa. Evento previsto para novembro de 2014. Mas o assunto
não são torres gêmeas nem robôs cavalgando um asteroide. Trata-se da realidade
do Holocausto que transcendeu qualquer imaginação.
Mais adiante
um dos entrevistados afirma que “O que me preocupava, e até hoje me perturba, é
esse antissemitismo do próprio judeu, um velho mal judaico que em tempos
modernos vem assumindo manifestações diversas. Fui criado num lar judaico
assimilado em que o alemão era valorizado. O alemão era considerado não apenas
uma língua, mas também uma cultura, e a atitude em relação à cultura alemã era
quase religiosa. Vivíamos cercados de judeus que falavam iídiche, mas na nossa
casa o iídiche era terminantemente proibido. Cresci sentindo que tudo que era
judeu era estigmatizado. Desde a minha primeira infância, meu olhar se voltava
para a beleza dos não-judeus. Eles eram altos e louros e se comportavam de modo
natural. Eram cultos e, quando não se comportavam como pessoas cultas, pelo
menos agiam com naturalidade.”
Essa situação
foi acentuada, imagino, pelo ministro da propaganda Joseph Goebbels que
enaltecia as qualidades germânicas e provocava
bullying oficialmente contra a
comunidade judia.
O entrevistado
continua “os judeus também me pareciam estranhos. Levei anos para compreender
até que ponto meus pais haviam internalizado todo mal que atribuíam aos judeus,
e que, através deles, eu também internalizava. Havia uma repulsa implacável
dento de cada um de nós.”
Ainda grifei
muitas outras respostas dos escritores sempre sob o mesmo foco.
Posso afirmar
que Philip Roth foi um ótimo entrevistador. Um perguntador profissional.
Conseguiu extrair depoimentos fortíssimos dos seus entrevistados.
O livro, sob a
ótica da aquisição – imaginei literatura ou técnicas literárias – foi uma
decepção. Entretanto sob o prisma proposto pelo autor – reflexão sobre as
origens – foi absolutamente prefeito. Senti
uma vontade enorme de colocar no papel todos os meus dilemas, questionamentos,
respostas e dilemas pessoais á respeito do tema proposto por Philip Roth.
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