09 fevereiro 2015
A sonata a Kreutzer
A KREUTZER
Lev Tolstói
Editora 34
Reimpressão de 2013
R$ 32,00
120 páginas
2 dias de leitura
Sensacional
ensaio à loucura! Lev Tolstói, autor de Guerra
e paz e Ana Karenina, exemplificou os transtornos dos ciúmes como
nenhum dicionário, enciclopédia ou tratado de Freud foram capazes. Melhor que
descrever foi contextualizar os ciúmes a partir da ótica de um homem, em uma
história de tensão crescente.
Toda a
história é contada em primeira pessoa o que dá força e credibilidade ao protagonista.
Numa viagem de
trem iniciada ao anoitecer, Pózdnichev narra a um passageiro como era o
relacionamento tumultuado dele com a esposa e que, assumidamente, devido aos
preconceitos, às convenções sociais, a falta de diálogo, também por amor e ódio,
viveu sentimentos crescentes de posse e principalmente ciúme. No escuro do
vagão, ao leitor só é mostrada uma face do envolvimento, a do homem, que apesar
de nenhuma prova ou de circunstância conclusiva contra a esposa, confidencia os
motivos para assassiná-la num momento de crise. As motivações são tão íntimas só
poderiam ser segredadas a um confidente ou a um estranho sob o escudo da
escuridão.
Ainda
no começo do relato o viajante assume o assassinato, entretanto o autor provoca
a nossa curiosidade instigando-nos a descobrir as circunstâncias do crime e a posterior
absolvição no julgamento.
Exemplificando
os costumes machistas relata: “todos esses senhores e eu, uns devassos de
trinta anos, tendo a seu crédito centenas dos mais terríveis crimes contra as
mulheres, entrávamos, bem-lavados, barbeados, perfumados, de roupas limpas, de
fraque ou uniforme de gala, numa sala de visitas ou num baile, éramos um
símbolo de pureza, um verdadeiro encanto.” (pág. 26)
E ainda: “não
abandonando por um instante sequer a intenção de me casar e de estabelecer para
mim a mais elevada e pura vida familiar, e procurava uma jovem adequada a esse
objetivo – prosseguiu ele – Eu chafurdava no pus da devassidão e, ao mesmo
tempo, examinava moças, procurando as que fossem dignas de mim, pela sua
pureza.” (pág. 27)
Por outro
lado, afirmava “que as moças estão ocupadas unicamente com a caça ao noivo.”
Mal comparando também disse que procediam como os judeus: “Ah, vocês querem que
nós sejamos apenas comerciantes. Está bem, nós comerciantes, havemos de dominar
vocês” – dizem os judeus. “Ah, vocês querem que nós sejamos apenas objeto de
sensualidade, está bem, nós, justamente na qualidade de objeto de sensualidade,
havemos de dominar vocês” – dizem as mulheres. (pág. 34) E ainda apontando a
força feminina:
“– Onde está o
poderio? Mas por toda a parte, em tudo. Percorra as lojas de qualquer cidade
grande. Ali há milhões de rublos, não se consegue avaliar o trabalho humano
assim empregado, mas veja: existe em nove décimos dessas lojas pelo menos algo
para uso masculino? São as mulheres que exigem e sustentam todo o luxo da
existência. Faça um cômputo de todas as fábricas. Uma parte imensa produz
enfeites inúteis, carruagens, móveis, brinquedos de mulher. Milhões de pessoas,
gerações inteiras de escravos, aniquilam-se nesses trabalhos forçados nas
fábricas, unicamente para satisfazer os caprichos femininos. As mulheres, qual
rainhas, mantêm na prisão do trabalho penosos e escravo nove décimos da espécie
humana. E tudo isso porque foram humilhadas, privadas de direitos iguais aos do
homem. E ei-las que se vingam atuando sobre a nossa sensualidade, prendendo-nos
em suas redes. (pág. 35)
Quanto ao
casamento foi pragmático: “Eu então não sabia ainda que 99% dos esposos vivem
no mesmo inferno em que eu vivia, e que isso não pode ser diferente.” (pág. 61)
Em relação à
música – Sonata a Kreutzer – parece que provoca o delírio coletivo – “todos
sabem que justamente por meio dessas mesmas ocupações, e em particular da
música, é que se dá o maior número de adultérios em nossa sociedade.” (pág.
77); “Ela não eleva nem rebaixa a alma, ela a excita.” (pág. 82). E,
finalmente, sobre o ciúme provocado pelas elucubrações: “Não pude mais dominar
a imaginação, e ela começou a desenhar para mim, incessantemente, com uma
nitidez extraordinária, quadros que me excitavam o ciúme, cada qual mais
cínico, e todos sobre o esmo tema, sobre o que sucedia lá, na minha ausência,
como ela me traía.” (pág. 89)
No posfácio o tradutor
tece elogios – insuperável – à obra e acerta em cheio ao afirmar que nos dias
de hoje não dá mais para aceitar o que Tolstói disse sobre a relação entre os
sexos e opina que a exasperação que aparece no romance parece adiantar em
alguns anos a famosa crise existencial do autor.
Para finalizar, repito o início da resenha: –
sensacional ensaio à loucura.
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2 comentários:
Olá, Roberto. Ótima resenha!
Fiquei curioso quanto a obra. Só não estou acostumado com os nomes dos personagens rsrsrsr...
Sucesso!
Fique tranquilo Valdir, são pouquíssimos personagens.
Também tenho dificuldades com os nomes russos e seus apelidos e abreviações: cada nome acaba tendo umas dez variações além dos sobrenomes.
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