09 julho 2015
Estreia na calçada
Puxa, como está frio nesta esquina. Eu poderia ter colocado a
minha calça azul. Esta saia chama mais a atenção dos homens. Ou devo chamá-los
de clientes? Sinto falta do cachecol. Preciso destacar meus peitos e um
cachecol poderia servir para me estrangular. Xô, pensamento ruim! Será que
algum carro vai parar? Será que vai demorar? Será que meu primeiro cliente vai
ser gostoso ou velho e barrigudo? Lá vem um carro devagarinho. Botou farol alto
para me examinar. Fiquei cega, seu filho da puta.
Será que eles queriam um programa ou só olhar? Bem que a Zeca
disse que muitos caras só querem olhar. Nem sei se quero ser olhada. Nem sei se
quero programa. Preciso de grana. Tô com fome. Um mês de gororoba. A Zeca
quebrou a minha essa semana. Maçã e chocolate. Vidão. Disse que podia passar
fome, mas jamais sem tomar a pílula. Meu Deus, obrigado pela cartelinha. Outro
carro. É melhor ficar debaixo da luz. Detesto farol alto.
Babaca, nem olhou.
E se me reconhecerem? Hahaha, sem chance. Isso aqui é bairro
de rico. Minha turma fica a duas horas de ônibus daqui. Só o Rubão tem carro.
Mato esse filho da puta se ele passar por aqui.
Os carros passam rápidos. Fingem que não me veem, que não
existo. Que não sou gente. Que não valho nada. Que sou lixo. Que sou puta. Sou
não. Meu baixinho vai comer hoje. Os rapidinhos me desprezam. Os devagarinho
querem me comer. Tô sabendo. Neguim passa devagarinho junto do meio fio e me
come com os olhos.
Vem aqui, gostoso. Para o carro. Pergunta quanto é o michê,
safado!
Quanto eu cobro? 100? 200? E se ele disser que só tem 50?
Passou reto. Desgraçado!
E se parasse? E aí gatinha? Qual seu nome? Que vou dizer?
Shirleide? Nunca. Leide nem pensar. Se papai fosse vivo ia me encher de
porrada. Preciso inventar um rápido. Keila? Charlene? Chaiane? Diabos. Será que
preciso ser outra pessoa? Gosto de Leide, que nem a princesa. Papai sempre me
chamou de princesinha. Minha Cinderela.
Porra, meus pés estão doendo. Merda de salto alto. Eu devia
saber. Melhor colocar um tênis e voltar pro balcão da papelaria. Salário de
merda. Chefe de merda. Mas meu baixinho comia.
Vem mais um. De mansinho.
E se esse carro preto parar e abrir a porta? Entro
nessa vida?
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