18 julho 2017
Grande circular
Meus
pensamentos estão envoltos em neblina. Uma cerração de fim de tarde esconde
tudo à esquerda e à direita. Impossível saber se estou no campo ou na cidade. Nenhuma
música, buzina ou latido para me orientar nas brumas do silêncio. Não sei se
estou parado aqui, sozinho, no vazio, há um minuto ou há um dia.
Um
ônibus, sem emitir um único ruído, para à minha frente. A porta dianteira se
abre num convite para a luz e o calor. Subo lentamente os três degraus.
Parece-me mais frio do que do lado de fora. A luz púrpura e o cheiro de éter se
espalham no ônibus. Estranho a poltrona desocupada do motorista.
Na
primeira cadeira um homem pálido, ereto, estático, de pupilas dilatadas, não se
move com a minha presença. A vizinha de cadeira é uma mulher de rosto coberto
com véu rendado. Suas mãos alvas e enrijecidas seguram um terço. Ela também não
se mexe.
Do outro lado
do corredor, também na primeira fila, um sujeito horripilante. Apenas em calças
de pijama expõe as próprias vísceras num enorme corte na barriga. Ao lado dele
há um lugar vazio, como que reservado para mim.
Não quero
sentar ali. Nem mais para trás onde só vislumbro silêncio e rostos cadavéricos.
Pensando em
sair, recuo um passo quando a porta se fecha. Desesperado, procuro outra saída.
O ônibus se coloca em movimento. A cadeira do motorista continua vazia.
— Quero
descer! Grito numa voz muda.
Não há
cordinha para sinalizar minha necessidade de parar.
Preciso frear
o ônibus.
Jogo-me atrás
do volante do motorista, piso o freio com violência. Instintivamente olho no
espelho retrovisor.
Vejo uma
imagem terrível. Meu rosto está rasgado, disforme, ensanguentado.
Compreendi
tudo.
Sou um deles.
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Um comentário:
Conto impactante. Visualmente perfeito. Adorei. Parabéns.
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