15 agosto 2017

Semana alienada




Eu me perdi de mim mesmo. Vaguei sem rumo durante uma semana.

O espelho não me informava o nome. Não dizia se eu era macho reprodutor, fêmea aposentada ou criança curiosa. Não havia indícios de cabelos brancos, sobrancelhas desenhadas, furos nas orelhas ou dentes de leite.

Não chorei porque esqueci como se chora.

Não reclamei porque não sabia se deveria reclamar em português, chinês, russo ou na língua do pê.

Se eu soubesse quem eram meus pais eu gritaria:

— Socorro mamãe. — Socorro papai.

A minha memória não foi afetada. Guardava fatos fundamentais como os nomes das luas de Marte: Fobos e Deimos. Que Marilyn Monroe era canhota. E que aquele dia, em que uma alma caridosa me ajudou, era uma quinta-feira.

Ela se disse casada comigo. Sugeriu que eu fizesse exercícios. Que fosse caminhar como sempre. Que o sol produziria milagres.

Minha mulher é sábia.


O milagre aconteceu quando coloquei o meu calção caminhante e encontrei a minha RG no bolso. 

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