21 setembro 2017

A RESISTÊNCIA







A RESISTÊNCIA
 Julián Fuks
144 páginas
Companhia das Letras
R$ 30,00






Poucos foram os livros que li duas vezes. Este, li uma quase seguida da outra.
O romance é ótimo. Tanto que recebeu merecidamente o Jabuti de melhor romance e segundo colocado no Prêmio Oceanos de Literatura. Fuks também foi eleito um dos melhores jovens escritores em 2012 além de ter sido finalista do Jabuti e do Brasil Telecom em outras duas ocasiões. Tive a oportunidade de conhecê-lo num bate-papo promovido pelo CCBB em Brasília. O cara é fera.
A mim, além da história interessou-me a forma de contar. O livro é uma aula. É uma oficina para quem se dispuser a ler como um escritor.
Narrado em primeira pessoa, é autoficcional, inicia impactante na primeira frase: “Meu irmão é adotado, mas não posso e não quero dizer que meu irmão é adotado.“.
Fala sobre a desimportância da necessidade dos laços sanguíneos para haver fraternidade. Relata inúmeros casos que poderiam ter acontecido com qualquer filho de qualquer família, adotado ou não. Só que o irmão adotado se descobre neto das Avós da Praça de Maio.
Em vez de tentar fazer uma sinopse, passo a palavra ao autor no Capítulo 18.
O narrador em busca do apartamento em que os pais moraram em Buenos Aires, ainda nos anos de chumbo, sem discurso prévio, cria um interlocutor porteiro. “Procuro um casal que morou aqui há muito tempo”. “Tiveram que partir de súbito”.  Percebo a incompreensão. “Pero usted no sabe sus nombres?” “ Sim, eu sei, eles são meus pais, o bebê é meu irmão, eu sei onde estão, eles não desapareceram”. “Só queria conhecer o apartamento onde viveram porque estou escrevendo um livro a respeito” e segue adiante “Um livro sobre meu irmão, sobre dores e vivências de infância, mas também sobre perseguição e resistência, sobre terror, tortura e desaparecimentos.”.
Fuks toca a sensibilidade do leitor sem ser piegas.
Há inúmeras resenhas e aplausos na Internet. O meu foco vai para a escrita.
Fuks é mestre nas aberturas de capítulos. O sétimo se inicia com “Isto não é uma história. Isto é história.”. No vigésimo terceiro, assusta: “Hoje sonhei com a morte do meu irmão.”.
No terceiro capítulo, o narrador sabe da importância de um episódio, mas tem ciência da impossibilidade de recordar os fatos exatamente como aconteceram. Então constrói o cenário.
“Ele é adotado disse a uma prima”. ... “eu devia ter uns cinco anos” ... “Estávamos num carro” ... “Fez-se um silêncio imediato” ... “Posso ter levado um cutucão discreto da minha irmã” ... “Tão contundente foi aquele silêncio que dele me lembro até hoje.”.
“Na minha lembrança os olhos do meu irmão estavam lacrimosos, mas desconfio que essa seja uma nuance inventada, acrescida nas primeiras vezes que rememorei o episódio, turvado já por algum remorso. Ele estava sentado no banco da frente. Se chorava, decerto continha qualquer soluço e escondia as lágrimas com as mãos ou; ou voltava o rosto para a janela, extraviava a vista em presumíveis pedestres. O caso é que não me olharia, não viraria para trás. Talvez fossem os meus, os olhos lacrimosos.”
Da mesma forma, confira as cenas do jantar em que os convidados não apareceram ou quando os pais participaram de uma convocação da resistência portenha em São Paulo.
                Gosto das reflexões e pensamentos do narrador, sobretudo porque não diz, não narra. Mostra ou apresenta os fluxos de consciência nas cenas.
                Ao contrário de tantas biografias, este autor, sem constrangimentos, mostra as ferramentas de escritor ao externar “vejo ou invento meu irmão” (capítulo 8) ou outras como “especulo como meus avós reagiram”, “transito na imaginação”, “visito o museu da memória”(pág 93), “um truque alternativo, a vontade de forjar sentidos que a vida se recusa a dar.” (pág 95).  
Na penúltima linha do penúltimo capítulo, o narrador apresenta o seu nome: Sebastián. Com acento no último “a” como Julián. Confessadamente um alterego do autor ou heterônimo como preferem alguns poetas.
                Finalizo os comentários dizendo que recomendo a leitura com entusiasmo. Tanto que indiquei ao grupo de leitura a que pertenço proporcionando-me a releitura.

Roberto Klotz

21 de setembro de 2017

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