23 outubro 2020

VIAJANDO COM OS LIVROS


Curiosamente, sempre pensei na minha estante de livros como um comboio de trens.

Tem o vagão dos romances, o vagão dos contos, o vagão da poesia, o vagão das artes, o vagão dos dicionários e enciclopédias.

Cada março... agosto... setembro... é como uma estação onde a locomotiva para e novos livros sobem para ocupar os lugares marcados.

O meu trem segue pelos trilhos há bastante tempo com poucos passageiros deixando a viagem.
Durante a pandemia me mudei para o apartamento da minha mulher deixando o trem descansando no meu apartamento.

Por amor, sensatez e economia, decidimos morar juntos todos os dias e não apenas nas noites.

Mas o aclive para o apartamento dela é muito íngreme e o trem não conseguiu subir.
Precisei conversar com os dois mil passageiros e reacomodar apenas seiscentos para que a locomotiva desse conta do recado.

Bifurcações levaram passageiros para novas paisagens.

Foi uma semana dolorosa, de despedidas. De choro contido.

Para a minha surpresa apareceu uma estação Paranavaí, onde uma Barriguda foi ocupar um espaço especial no vagão dos troféus. Chorei de alegria.


PARANAVAÍ DIVULGOU OS TRABALHOS ESCOLHIDOS
Um dos mais tradicionais festivais de música e poesia do país, o FEMUP - Festival de Música e Poesia de Paranavaí conjuntamente e o 52º Concurso Literário de Contos receberam 1132 inscrições (382 de contos) de 25 estados brasileiros e de outros quatro países.

O troféu Natividade, mais conhecido por Barriguda, é dos mais cobiçados por poetas, contistas e músicos. Estou felicíssimo e honrado por ter o meu nome entre os grandes da literatura.
Sou um raro homem que quer uma Barriguda mesmo sem saber se o filho é meu.

Por causa da pandemia, o festival em vez de presencial será virtual com a interpretação de todas as músicas, poemas e contos selecionados.


Parabéns a Paranavaí por incentivar a arte.

Eis a barriguda na entrada do auditório:








04 julho 2020

Sem perdão Frederick Forsyth




Sem Perdão

Frederick Forsyth

Editora Record
242 páginas






Houve um tempo em que eu lia pouco, mas me sentia confortável por saber que havia algum Forsyth me aguardando na prateleira.
Assim li “Quarto protocolo”, “O dossiê Odessa”, o insuperável “O dia do Chacal”, ”Cães de guerra”, “O negociador”, “O punho de Deus” (o mais fraco de todos), “Alternativa do diabo”.
Também li “Sem perdão”, mas eu não me lembrava disso quando comprei esse exemplar num sebo virtual após o escritor Chico Lopes (ou terá sido o Claudio França?) apontar, no Facebook, o livro como um dos seus preferidos. Dizia no comentário que era um livro ótimo livro de contos.
Contos são a minha praia e Frederick Forsyth é a praia onde gosto de nadar.
Desde que resolvi me reinventar e ser escritor, em 2003, larguei os best-sellers e passei a ler os clássicos ou livros escritos por conhecidos. Nunca mais li Forsyth, Ken Follett, Dan Brawn ou thrillers do gênero.
O comentário aguçou os meus sentidos de prosador de contos e crônicas e, de imediato, fiz a minha encomenda virtual.
Quando o meu exemplar chegou eu me preparei para ler com o mesmo apetite do glutão que amarra um guardanapo no pescoço antes de encarar a macarronada.
Pela primeira vez leria um Forsyth como escritor e não apenas como um leitor.
O primeiro conto, que dá nome ao livro, começa com “Mark Sanderson gostava das mulheres. Da mesma forma como gostava dos steaks do gado de corte Aberdeen Angus, sempre ao ponto, acompanhados por uma salada de alface. Consumia a ambos com igual prazer, se bem que passageiro. E cada vez que se sentia um pouco esfomeado, por uma coisa ou outra, telefonava para o fornecedor apropriado e encomendava o que precisava no momento.”
Interrompi para sublinhar a magnífica abertura.
Em seguida lança um conflito: Mark Sanderson tinha três vidas: a vida pública, a vida particular e a vida secreta. Impossível ficar imune à curiosidade.
Do protagonista informa que “Aprendera as regras do jogo em dois anos. E, o que era ainda mais importante, aprendera também a violá-las legalmente.”
A partir destas informações lança uma história fascinante de um homem poderoso que alcança tudo o que deseja até se apaixonar. Tudo perfeitamente verossímil com um fechamento arrebatador.
O final é tão impactante e original que naquele instante tive a certeza de ter lido o conto e o livro antes. Que delícia voltar a comer um prato de que se gosta!
O título do conto seguinte “Não há cobras na Irlanda” me chamou a atenção porque eu gravei mentalmente essa “informação inútil” sem saber de onde ou por quê. No conto, o autor em vez de apenas mencionar uma cobra indiana, a descreve fisicamente, detalha hábitos alimentares e a letalidade do veneno. Nada é excessivo ou cansativo. Pelo contrário, nos convence que a cobra existe e é daquela forma. Muito provavelmente um autor comum apenas mencionaria um nome conhecido de cobra o que por si só seria o suficiente para provocar medo. Aqui as informações não são inúteis. Todas têm devida importância para a sequência e consequência da história. Forsyth, preza os detalhes minuciosos, resultado de pesquisa profunda. Assim são as descrições de ações, lugares ou até objetos, dependendo da importância de cada um para cada conto. O autor, pelas descrições insere o leitor com uma verossimilhança absoluta e contagia com uma escrita ágil e envolvente.
Tanto que no conto seguinte, “O imperador”, somos levados para uma pescaria em alto mar numa traineira. Os relatos e emoções da pescaria são próximos da proeza em que Hemingway conseguiu ao pescar um Nobel com “O velho e o mar”.
Esqueci de dizer que o conto começa com um conflito que fisga o leitor:
 “– E tem mais uma coisa – disse a Sra. Murgatroyd.
Ao lado dela, no táxi, o marido disfarçou um pequeno suspiro. Com a Sra. Murgatroyd, sempre havia mais uma coisa. Não importava o quanto tudo estivesse correndo bem. Edna Murgatroyd passava pela vida sob o acompanhamento de um rosário de queixas, uma litania interminável de insatisfação. Em suma, ela importunava o marido incessantemente, sem lhe dar um minuto de descanso.”
“Usado como prova” é um conto que nunca saiu da minha cabeça. Simplesmente genial. Trata-se de uma investigação policial em que somos instigados o desde a primeira linha e ficamos em suspense até o ponto final. Fiquei muito feliz de reencontrar esse conto.
Apesar dos contos serem longos não há excessos. Os personagens são bem construídos e muito bem credenciados. Narrativas com reviravoltas e fechamentos surpreendentes, sem o posicionamento emocional, tanto que inexistem lados bons ou ruins, apenas ações e reações.
Não é à toa que Frederick Forsyth tem tantos fãs mundo afora.
Hoje mesmo vou procurar outros títulos do mestre.

30 junho 2020

Loira de farmácia




           

O que foi isso no seu olho?

— Foi uma ironia.

Essas foram as duas primeiras frases, na vídeo conversa, com meu amigo Joca, cronista de um grande jornal.

— Aposto que esse olho roxo é resultado de briga com a mulher.

— Pois é, detesto clichês. Se eu dissesse que era olho roxo você e o resto do mundo  comentariam padronizadamente que foi briga com a mulher.

— Brigar com ela virou clichê?

— Clichê é o lugar comum. Uma coisa repetitiva que faz feliz quem diz ou faz.

— Entrou um clichê no olho?

— Não. Vou contar. Ela chegou em casa loiríssima vindo do cabeleireiro e perguntou se gostei. Respondi: “Clichê”. Quando deveria ter juntado as mãos, feito um coraçãozinho e dito “Amei”.

— Ainda não entendi.

— Ela, de imediato, também não entendeu a ironia. Expliquei que clichê era lugar-comum, ideia ou ato tão repetido que já perdeu a graça.

— Mas isso não seria motivo para um soco no olho.

07 janeiro 2020

Ressaca do réveillon



O ano recém começara e nos encontramos num barzinho para reabastecer o tanque que já estava na reserva.
Nós éramos em cinco embora Lúcio afirmasse sermos nove e Toninha apostar no número sete.
— Então vamos contar de novo.  — sugeri.   — Neco, Paulinha, Lúcio, eu, Zé e Toninha.
Lúcio bateu a mão na mesa. — Eu num falei! Somos sete!
— Peraí! Pediu a Toninha. — Exijo recontagem.  A gente começa com a Paulinha para não contar duas vezes.
O Lúcio apontou para a Paulinha e depois foi seguindo o dedo para o lado e todos, em coro, contaram.
— Um , dois, três , quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze...
Neco interrompeu a contagem.
— Para. Para. Para.  —Tu seguiu — e apontou para o pessoal da outra mesa.
— Só tão sentados na outra mesa. Mas quem é que não conhece a Lili, o Paulão, a Fê e os outros quatro que estão com eles?
 Interrompi com autoridade: — Aquela não é a Fê. A Fê tem uma boquinha carnuda deliciosa. Essa á a irmã dela. Ainda não sei se a boca carnuda é deliciosa. E tem mais, além da Lili, do Paulão e da irmã da Fê são só mais dois e não mais quatro.
— Bora contá de novo — sugeriu Neco.
Vamos não, — cortou Toninha. — hoje é dia de prometer, comprometer, de se engajar nas promessas. Assumir responsabilidades. Esquecer medos. Anunciar um projeto para melhorar o mundo.
Lúcio ergueu o copo num brinde às palavras da Toninha e perguntou qual era a sua resolução salvadora para o ano nascente.
— Vou pintar meu cabelo. Serei loira. Serei a loira mais gostosa do planeta.
Lúcio sem desmentir a gostosura da Toninha: — Mas o seu cabelo já é loiro.
— É que eu prometo retocar de 15 em 15 dias. E tu Lúcio, o que vai ser?
— Caraca, nem pensei. Acho que eu tenho que terminar a faculdade.
O garçom, de passagem, pensou que deveria cobrar os dez por cento antes de o pessoal começar a beber.
A Lili, sem ser perguntada, ajeitou os peitões no decote e disse que a sua resolução era não mais usar calcinha mesmo de vestido.
Paulão, lá da outra mesa, levantou-se com olhar vermelho e sedento:
— Eu prometo solenemente, para quem quiser registrar em cartório, que neste ano, semana a semana comprarei uma saia para a nossa querida Lili.
A irmã da Fê beliscou o Paulão na barriga.
Paulinha cutucou o Neco que já estava com o tanque cheio.
— Eu prometo que vou começá a procurá emprego.
— Essa é velha. Não pode. Mande outra.
— Tá bem. Prometo bebê menos.
 O garçom palpitou que o Neco poderia ao menos prometê pagar suas contas.
Olhei em volta. Todos os cinco, ou sete ou nove já haviam externado decisões para o novo ano. Era a minha vez.
Eu já estava tomando água fazia duas horas.  Disse que tomara a resolução firme e forte, encantava a vida ou desencantava a morte: vou acabar com meus cabelos brancos, extinguir a barriga, eliminar as rugas da face. É irreversível: vou rejuvenescer.

26 novembro 2019

Finais diferentes






FINAL FELIZ
João foi traído e abandonado pela mulher.
Queria se suicidar.
Procurava desesperadamente o revolver no armário.
Fuçou gavetas, prateleiras, cofres, escaninhos.
No canto escuro encontrou a munição.
A arma estava no bolso de um paletó.


FINAL INFELIZ
João foi traído e abandonado pela mulher.
Queria se suicidar.
Procurava desesperadamente o revolver no armário.
Fuçou gavetas, prateleiras, cofres, escaninhos.
No canto escuro encontrou a munição para a arma.
Era um versículo sobre o perdão.

FINAL CONTINUADO
João foi traído e abandonado pela mulher.
Queria se suicidar.
Procurava desesperadamente o revolver no armário.
Fuçou gavetas, prateleiras, cofres, escaninhos.
No canto escuro encontrou mais uma traição.
A arma também foi levada pela mulher.



Dia 9 de dezembro lançamento do meu livro Agora pisei – Carpe Diem da 104 Sul – Brasília
Venda antecipada R$ 40 – peça inbox, frete incluso


25 novembro 2019

Agora pisei - lançamento





Agora pisei

Publiquei Quase pisei! há dez anos. Naquelas cônicas, vi lâmpada mágica, conversei com um cara que vendia o Brasil, enxerguei pegadas de onça, conferi uma taturana atravessando a rua na faixa de pedestres e quase fui atropelado por um saxofone.
Pediram mais histórias, então Agora pisei.
Calcei os tênis e saí para caminhar. O planeta pulsou mais forte e as crônicas incríveis aconteceram:

Tubarões ameaçaram na calçada.
Peixes pularam do céu.
Janelas discutiram entre si.
Pedras filosofaram.
A caneta se recusou a anotar as histórias,
Mas eu publiquei para divertir o leitor.



13 setembro 2019

Folha triste



 
Neste outono, me deparei com uma folha solitária no alto de uma árvore.

Ela me olhou seca e deprimida.

Lembrando-me de como eu era ótimo para pegar as mangas mais altas, subi na arvorezinha.

Peguei a folhinha. Desci da árvore e gentilmente a depositei no chão com as colegas e familiares.

Ela, agradecida, confessou que estava com medo de saltar.

 
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