10 maio 2014
Carência de mãe
Eu estava em uma roda de amigos quando o tema
da comida dos naturalistas e vegetarianos surgiu. Houve um
ataque violento
desferido contra as carnes
vermelhas. Elevam a pressão arterial, aumentam a taxa de ácido úrico e engrandecem a taxa
de colesterol , além
de representar o sacrifício
de milhares de animais
indefesos . A defesa
dos carnistas foi imediata e veemente,
afinal, as milhares de plantinhas
indefesas também não
escapam do sacrifício . Sem a carne não estaríamos reunidos aqui
em torno
da churrasqueira e não
estaríamos discutindo o futuro da humanidade .
No começo da noite
cheguei em casa ,
solitário , e ainda
com aquela conversa
da comida saudável
martelando na cabeça.
Vinho é bom para
o coração . Chá
de boldo e de carqueja
aliviam os trabalhos do fígado. Chá de erva-doce é digestivo
e evita gases. Berinjela combate o colesterol . Amendoim
com casca
é afrodisíaco . Alho
afasta a gripe e vampiros .
Chá de folha
de nabo é indicado para
aliviar as hemorroidas enquanto
o nabo inteiro
as prejudica. Acredito que a aguardente é fantástica
para arrumar emprego . É muito
comum o alcoólatra
chegar em casa dizendo que
estava procurando emprego . A lista é enorme . Não estou pensando em
nada que
resolva problemas como
espinhela caída ou
unha encravada. Me u problema
é carência.
Não é o que você
está pensando! Tenho namorada e
namoramos ontem à noite, depois do cinema .
Refiro-me à carência de mãe .
Do afeto maternal. Aquela coisa
de colo , de cafuné
na cabeça e palavras
ditas bem baixinho.
Qual será a comida que combate ausência de mãe ?
Minha mãe
está muito distante ,
um telefonema
é muito pouco .
E não enche barriga
nem coração .
Pizza, miojo e lasanha resolvem problemas imediatos
de falta de cozinheira .
Nossa Senhora
dos Solitários Abandonados, além de não ser erva medicinal , não
tem o calor da nossa
mãe.
Preciso descobrir urgente qual é a comida
terapêutica para
carência maternal. Não
é só menino
que sente falta
do aconchego da mãe .
Na cozinha , abro armários e potes .
Olho caixas
e pacotes . Procuro aqui .
Procuro acolá .
Açúcar? Humm. Isso lembra infância . Doces
da mamãe , geleias e bolos.
Na geladeira vejo alface e lembro dela dizer que “tem de comer , é bom para os intestinos”.
A respeito do café ,
minha mãe
sempre dizia que
eu não
deveria tomar à noite ,
senão eu
não dormiria.
Volto para o armário
e continuo procurando. Chocolate em pó , salsichas , sardinhas ,
sabão em
pó , aspargos.
Sabão em
pó ? O que esta caixa está fazendo
aqui?
Sopa de ervilhas , macarrão , goiabada ,
pipoca de micro-ondas, arroz ,
maisena , outro
pacote de macarrão ,
batata palha ,
leite condensado, creme
de leite .
Volta lá ! Achei! É isso , maisena . Mingau
de maisena !
Mingau de maisena
é mãe servida em
prato de sopa!
Extraído de “Pepino e farofa” –
Aventuras culinárias resultantes de 50 anos de inexperiência no comando de um
fogão.
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