14 outubro 2015
Hibisco roxo
Chimamanda
Ngozi Adichie
Companhia
das Letras
R$
37,00
324
páginas
10
dias de leitura
Impossível ler Hibisco roxo e permanecer indiferente.
Inúmeros sentimentos nos tocam durante a leitura: estranheza, pena, raiva, dor,
curiosidade, ignorância, incompreensão, identificação.
É a história da adolescente
Kambili cujo pai, Eugene, empresário bem sucedido, impõe o catolicismo e a cultura
inglesa à família e a quem os cerca. Por renegar as fortes tradições regionais
o pai provoca inúmeros conflitos.
Eu queria penetrar de cabeça na
história, por isso, no início da leitura anotei os nomes dos principais
personagens imaginando que teria dificuldades para guardar os nomes africanos,
tão longes da nossa familiaridade: Kambili e o irmão Jaja; o pai Eugene e a mãe
Beatrice; a tia Ifeoma e os três filhos: Amaka, Obiora e Chima; padre Amadi, a
empregada Sisi e o editor Ade Coker. Nem precisava, pois rapidamente assimilei
todos. Mas eu ainda não estava à vontade.
A estranheza é óbvia por
desconhecermos a língua, os costumes, a política, a geografia e o que acontece
na Nigéria. Depois de algumas páginas a curiosidade me cutucou e consultei a Internet
para conhecer um pouco mais sobre o país.
A Nigéria está situada ao norte do Equador,
abaixo do Saara, no Golfo da Guiné. É o
país mais populoso da África com 250 etnias e mais de 500 línguas. A língua
oficial é herança da colonização inglesa até 1960.
Conforme a pesquisa, 50% da
população pratica o islamismo e habita o norte do país enquanto 40% segue o
cristianismo e habita a região sul. Regiões do norte são frequentemente
atacados por guerrilheiros cruéis do grupo fundamentalista religioso Boko
Haram.
A capital, Abuja, não está entre
as dez maiores cidades. A história se desenvolve nas cidades medianas Enugu e
Nsukka localizadas a 600k a oeste de Lagos, maior cidade nigeriana.
A protagonista, Kambili fala
igbo, língua e um dos principais grupos étnicos do país.
E é deste idioma que inúmeras
palavras habitam as páginas do livro, nos inserindo no habitat africano. A
narração em primeira pessoa engrandece e dramatiza ainda mais a história. Mas o
pai determina que em casa se fale inglês. Preferencialmente se pense e sonhe em
inglês também. Exige que os filhos sejam os primeiros nas suas respectivas
salas de aula. Mas o rigorismo é mais acentuado ainda quando o assunto é
religião.
A pressão sobre os filhos é
enorme. Para eles há uma escala de horários para estudar, rezar, refeições, leitura
e família. O diálogo nas refeições é permitido somente aos adultos.
A opressão sobre as crianças é
absurda. Tanto que não é difícil a comparação das crianças com um cachorro
criado numa casa de paredes altas e quintal cimentado. Esse cachorro ao sair do portão pela primeira
vez estranhará pisar na grama, não saberá como reagir ao ver um passarinho, um
gato ou outra pessoa que não as da casa. Repentinamente irá descobrir que há variedades
de cheiros e outras possibilidades além do prato de ração.
A vida dos irmãos sofre uma
mudança quando a tia Ifeoma entra na história.
“Sua risada flutuou até a sala
do segundo andar”. “Tia Ifeoma era tão alta quanto Papa, com um corpo bem-proporcionado.
Andava rápido, como alguém que sabia exatamente aonde ia e o que ia fazer lá. E
falava da mesma maneira que andava, como se quisesse dizer o máximo de palavras
no menor espaço de tempo possível.”
A presença da tia foi como se o
portão da casa fosse aberto ao cachorro. A liberdade estava presa a uma longa
corrente chamada “costume adquirido” durante a vida.
Como no momento em que o avô
pagão estava doente e a filha de Ifeora, Amaka cuidava dele. “Eu quis me
aproximar de Papa-Nnukwu, tocar os tufos de cabelos brancos em que Amaka
passava óleo, alisar a pele enrugada de seu peito. Mas não ousei.”
A mesma prima, Amaka, apresenta
a música nigeriana a Kimbila. Fela, Osadebe e Onyeka tocam ritmos pagãos
proibidos dentro de casa. Eu, como sou curioso, baixei algumas músicas e
continuei a leitura embalado pelo magnético som africano:
Com os portões abertos, conhecemos
junto com a protagonista um pouco da realidade do país e passamos ao sentimento
de identificação: pobreza, corrupção, censura, autoritarismo. Kambili e o irmão descobrem um novo mundo, já
não são mais os mesmos, mas não se atrevem a comentar o que veem. Apenas veem. A
história evolui com a crescente opressão paterna, entretanto nem a mãe nem os
filhos ousam criticar os atos entre si.
Só depois de um longo tempo e
longe de casa, o irmão Jaja descobre que não só pode perguntar como é
encorajado a questionar a vida.
A história é de uma força tão
incrível que não temos vontade de parar a leitura. Apesar do final pouco
decepcionante, recomendo a leitura com entusiasmo.
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