09 fevereiro 2016

Telhas assassinas


Leitor compulsivo que sou, meus olhos leem paisagens buscando palavras e letras.

Outdoors poluem a cidade. Placas de trânsito infestam as ruas. Letreiros iluminam as lojas. Cartazes alugam e vendem.

Entre todos os letreiros meus olhos são particularmente atraídos pelas intervenções urbanas diferenciadas: “Brasília expande a distância entre os corpos.”; “Atenção isto pode ser um poema.”; ”Alimente os pássaros imaginários.”; ”Liberte seus cachos, amarre o preconceito.”.


















       Próximo da calçada onde caminho pelas manhãs, há um cartaz, meio sofrido, preso a uma estaca inclinada pelo tempo e pelas chuvas, com um instigante aviso: “Cuidado telhas.”

Aquilo é no mínimo estranho. Não consigo captar a mensagem. A estaca está próxima a um poste rodeado de mato alto.

— Será que existe uma pilha de telhas sob o mato?

Mas continuo a caminhada e a mente muda de assunto quando os olhos flagram o anúncio do posto de gasolina com o novo preço dos combustíveis.  Só volto a pensar brevemente nas perigosas telhas no dia seguinte. Com o quebra-cabeças não resolvido lembro-me de outra frase lida: “ Alfaiate. Paletós sob medida para almas pequenas.”

Acho sensacional a criatividade e a disposição desses poetas para ir às ruas pintar, desenhar ou colar paredes. Ao contrário dos artistas que provocam o pensar e o riso há os que agridem com rabiscos indecifráveis nos topos dos prédios e em todas as paredes públicas ou privadas desrespeitando monumentos, pontos turísticos e a urbanidade.

É lógico que prefiro a criatividade causada, por exemplo, quando estou de carro a caminho de casa. Há uma passagem estreita sob uma avenida (carinhosamente chamada Eixinho), onde de cada lado da entrada da passagem pintaram uma enorme perna feminina. Numa erótica provocação entramos de carro no túnel entre as pernas escancaradas.

Deixando as pernas de lado, volto para a minha trilha matinal ainda matutando sobre o perigo que as telhas poderiam oferecer. Questiono a necessidade de comunicação dos homens. Eletricista. Bombeiro. Faço buracos para secador. Lava-se sofá. Chaveiro 24 horas. Cristo salva. Vende-se kitchinete. Marido de aluguel. Fazemos seu churrasco. Trago seu amor de volta em 3 dias. Confecciono cartazes.

— Será que no meio do matagal há algum fosso coberto por telhas?

— Sabe de uma coisa? Hoje, no caminho de volta vou tirar isso a limpo.


E assim foi que ao me aproximar do enigmático cartaz troquei o meu passo descansado por uma corrida desenfreada ao decifrar a charada: ”Cuidado abelhas.”

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