02 fevereiro 2016
Clichê
Em março ou abril
lançarei o
Manual do escritor
Só faltam o copidesque e
a revisão.
Segue um aperitivo
Clichê
É
repetição. É o oposto de criatividade.
Pessoas comentam
orgulhosos de sabedoria: “filho de peixe, peixinho é” ou “quem brinca com fogo
acaba se queimando” ou “em briga
de marido e mulher, ninguém mete a colher” e depois olham com cara de
superiores e narizes empinados como se tivessem dito a coisa mais sábia do
universo.
Sábio foi o primeiro que disse a frase antes de virar ditado. Os outros
são meros repetidores. E, para a literatura, nada pior que a previsibilidade.
Além dos ditos populares há vários outros lugares comuns que devem ser
evitados. É o caso do agente de viagens que afugenta clientes ao informar que a
cidade é hospitaleira, tem praias paradisíacas de areia branca e água
cristalina.
Os chavões refletem ausência de
pensamento:
Aluno exemplar; amargo destino; campos verdejantes; céu infinito;
coração estúpido; cortina de ferro; em última análise; dever indeclinável;
dramática situação; fim amargo; forte como touro; influência avassaladora;
ironia do destino; manto negro da noite; morrer como um passarinho; por
incrível que pareça; primeiro e único; rua da amargura; sem sombra de dúvida;
sério candidato; silêncio sepulcral, vil metal.
Inclua ponto
final na lista.
Ao revisar
fique atento às duplinhas. Se tiver dúvidas se o termo é ou não clichê
verifique o número de ocorrências assinaladas no Google.
Ironia do destino apresentou aproximadamente 560.000 resultados.
Coração estúpido apresentou aproximadamente 678.000 resultados.
Sério candidato apresentou aproximadamente 3.160.000 resultados.
Mesmo que
sejam “apenas” 10 mil ocorrências é um baita clichê.
Baita clichê apresentou aproximadamente 271.000 resultados.
O clichê de ideia é como o parente previsível
que no Natal nos presenteia com canetas, gravatas ou um par de meias. É o cidadão
que reclama dos políticos corruptos, é o filho que declara o amor incondicional
à mãe, é o leitor que fala mal da literatura de Paulo Coelho sem ter lido um
único livro, é o sujeito que sempre cumprimenta o Humberto perguntando se é
irmão do Doisberto.
Sabemos
que roubar um tênis é um mal. Isso é sabido desde sempre, sem que ninguém nos diga.
Deixemos que o juiz o julgue. Cabe ao autor simplesmente mostrar que tipo de
gente rouba tênis.
O gesto clichê é tão indesejável na literatura quanto ganhar
um porta-retratos. Clichês físicos e gestos chavões
inundam a escrita medíocre.
Sabe, ele me ganhou com aquele olhar de soslaio.
— É mesmo?
— Convidei-o para vir na minha casa. Meus batimentos estavam a
mil por hora e minhas mãos também estavam úmidas.
— E vocês chegaram às vias de fato?
— Nem te conto, amiga, do hálito quente sussurrado no ouvido até
a mão grande com pegada forte, ele é tudo de bom.
— E depois?
— Ele é um amor. No café da manhã, pegou o pote de margarina e
desenhou um coração.
— Vocês se acharam, se completam. Formaram o par perfeito: Clichê e Chavão.
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