30 agosto 2016
Greve do cão
São inacreditáveis
algumas das notícias que lemos:
“Lambidas
de cachorro podem parecer carinho, mas na verdade são apenas uma forma que os
animais têm de identificar por onde o dono andou, diz a pesquisa
norte-americaana. Como são animais com muita sensibilidade a cheiros e sabores,
os cães fazem a festa, experimentando novas sensações quando seus donos voltam
da rua.”
Todos estavam tensos.
Nervosos. Temiam a presença de espiões entre eles. Ao entrarem no austero
prédio foram vasculhados minunciosamente e sequer uma pulga foi encontrada.
Civilizadamente caminharam
sobre o piso de granito de Assuã – o mesmo das pirâmidas egípcias – admirando
as pinturas dos mestres Boticelli e Donatello do renascimento florentino, para
se acomodarem na mesa de jacarandá doada por Rui Barbosa. Estava reunida em
Haia, na Holanda, a cúpula dos cães farejadores do planeta.
O artigo publicado nos
jornais mundo afora encimava a pauta da reunião extraordinária.
A mesa redonda distribui o
poder de forma equilibrada entre os presentes. O pastor alemão Lutero
representa os farejadores de palavrões nos livros escolares. O labrador golden retriver Strongnose é o diretor
de operaçãoe especias nos aeroportos da costa oeste dos Estados Unidos. É capaz
de identificar a cidade de origem de qualquer americano pelo cheiro do
chiclete. Batalão, é um premiado vira-latas da Rocinha: localizou um torcedor
do América em dia de Maracanã lotado. Talmud é policial reformado do exército.
Se aposentou antes de encontrar a paz no terrítório israelense. O mastiff Eticus nascido em Roma, é
especialista em fungar políticos. Em doze anos de serviço foi capaz de
localizar dois honestos.
Com o austrero cenário
descrito, alguns personagens apresentados e o microfone do tradutor simultâneo
desligado para evitar gravações, deu-se início à reunião.
Todos rosnaram
simultaneamente.
— É um absurdo o que fazem
conosco. Temos que dar um basta nesta situação abusiva.
— Exigimos o máximo de oito
horas de trabalhos diárias.
— Precisamos de descanso
semanal.
— Chega de ração. Exigimos
comida decente.
— Também temos direito à
sobremesa.
— Chega de banhos em quartos
de empregada. Precisamos de banheiras com hidromassagem.
Apenas o sindicalista
Arnoldo estava quieto no seu lugar. No momento certo latiu mais alto, silenciou
todos. O pitbull conhecido por seu
temperamento agressivo e apelido de Exterminador afirmou que precisavam de uma
proposta única. Consequentemente todas as reinvindicações foram anotadas e por
unanimidade foi votada e aprovada que iriam exigir o direito de lamber e
cheirar bifes de filé mignon.
E agora sim, Arnoldo, com
sua larga experiência apresentou a grande arma secreta, o único meio de
persuadir os homens a terem boa vontade. Uma greve.
— Todos, até o cachorro do
cafezinho latiram em coro: Unidos unidos jamais seremos vencidos; unidos unidos
jamais seremos vencidos.
Foi deflagrada a greve por
tempo indeterminado. A partir do dia seguinte todos os cães da face da terra
deixariam de abanar o rabo.
15 agosto 2016
Dinossauros exibem
multichifres
“Escavações em uma remota
região do sul do estado norte-americano de Utah descobrem uma série de
dinossauros com vários ornamentos na cabeça. Os chifres serviam não só para a
luta com outros animais, mas como forma de atração para as fêmeas.” Depois que li essa provocação no jornal meus dedos se agitaram:
Kosmoceratops Richardsoni com seus 15 chifres e
Utahceratops Gettyi com cinco cornos revezavam-se frente a um espelho do
shopping center. O espelho era muito pequeno para os dois simultaneamente.
Utah, o menorzinho, media 3 metros de orelha a
orelha. Admirava as próprias guampas. Virava-se para a direita, depois para a
esquerda. Meio de ladinho, empinava um chifre de cada vez, sentindo-se o rei do
pedaço. Pensava seriamente em pintar um de cada cor. Estava cansado do mesmo
tom de azul. Kosmo sugeria passar na chifrecure do terceiro piso.
Lá sugeriram o amarelo por transmitir calor, luz e descontração.
Kosmo e Utah, bons dinossauros que são, carimbam
protocolos na mesma repartição. Aos sábados de manhã jogam futebol e sábados à
noite se esbaldam num pagode.
Quando o sol se põe, vaidosíssimos, experimentam
meia dúzia de camisas. Calça justa de cintura baixa. Cinto com fivelão.
Combinam a meia com a cor da camisa. Se perfumam com âmbar francês. Reclamam
dos sapatos. Dizem que estão apertados, que a indústria de calçados é incapaz
de produzir sapatos resistentes. Passam brilhantina nos cornos. Kosmo lança
moda com o primeiro chifre tatuado da turma: um homem de paletó e gravata.
Antes de sair de casa pegam um chiclete, pois tudo acontece no interior dos
Estados Unidos.
Estão prontos para paquerar e exibir as vastas
ponteiras coloridas.
Sentam-se numa mesa perto da entrada para melhor
observar e escolher as dinas. Enquanto os enroladinhos de alface não chegam,
invariavelmente conversam e debocham dos antepassados de outras eras que se
utilizavam dos chifres para brigar com rivais na disputa das melhores fêmeas.
Que falta de civilização! Agora não, basta exibi-los para conquistar as mais
formosas e curvilíneas fêmeas. Orgulhosamente argumentam ser de espécies
evoluídas. Conhecem de cor e salteado o discurso feminino. A elas pouco importa
o tamanho da calosidade no cocuruto, o principal é a quantidade de adornos.
Quanto mais cornos, melhor. Eles, inocentes e felizes gargalham chacoalhando as
cabeças premiadas.
As fêmeas chegam aos barzinhos de saia curta
balançando os rabinhos e contando cuidadosamente o número de bicos nas cabeças
dos pretendentes. Nem querem conversa. Pouco se importam se são pontudos,
retorcidos, compridos, furados, galhados, grossos, rombudos ou coloridos. Desejam
profusão. Os machos, cegos de futilidade, ostentam, além das cores e piercings,
chifres com luzinhas nas pontas.
Ao contrário do que concluíram os cientistas, as
fêmeas não consideram excitante a grande quantidade de chifres. Elas preferem parceiros
muito chifrudos apenas porque significa que são tolerantes e certamente terão
maior liberdade sexual. Simples assim!
09 agosto 2016
DEVOLUÇÃO PERIGOSA
Foi
publicado que “A biblioteca pública de Winona (Estados Unidos) perdoou as
dívidas de todas as devoluções atrasadas de livros. O resultado: um livro
perdido há pelo menos 35 anos foi parar na caixa da biblioteca. O exemplar devolvido
é de um livro com textos de diários de figuras públicas norte-americanas quando
crianças. O livro foi publicado em 1966 e emprestado quatro vezes antes de
desaparecer. Não fosse pela semana de perdão das dívidas promovida pela
biblioteca, o proprietário do livro perdido teria de pagar mais de US$1,4 mil
(cerca de R$ 2,4mil) de multa.”
Essa
história mexeu comigo.
A manchete do jornalzinho da
pequena cidade americana anunciava que naquele sábado a biblioteca municipal
promoveria o dia do perdão. O acervo estava prejudicado. Por maior que fosse o
atraso, todos que devolvessem livros naquele dia seriam perdoados nas multas.
John Smith fecha
cuidadosamente o jornaleco sobre a mesa e olha para a estante repleta de
livros. Com os olhos percorre as prateleiras, uma a uma. Fixa-se numa capa
verde clara desbotada pelo tempo. Levanta-se e puxa o livro pela lombada. Uma
orelha dobrada indica quando Humbert inicia a longa viagem de prazer, pela
Europa, com Lolita. Volta a fechar o
livro e se recorda de mil aventuras quando era vendedor de xarope. Sua
camionete conhecia todas as estradas do Alabama, Mississipi, Tenessee,
Kentucky, Missouri e Arkansas. Em cada cidade, em cada vila, mesmo que houvesse
apenas uma única mulher, novinha que fosse, Smith dormia acompanhado.
Coisas do passado. Fui
acusado justamente e injustamente. Revoltou-se com o apelido de serial fucker. Cumpriu pena alternativa
durante um ano distribuindo basic baskets
em um orfanato.
Dizia-se redimido. Fixou
residência. Passou a frequentar uma igreja evangélica.

O sábado chegou e o evento,
dia do perdão, atraiu toda a população do vilarejo. O banjo, a gaita e o
violino faziam a festa. Um misto de fotógrafo e jornalista registrava sorrisos
de leitores que devolviam livros sem desmbolsar preciosos dólares.
Smith, retornando do culto,
retirou o livro de dentro de uma sacola e, sob os flashes, entregou-o orgulhosamente
à bibliotecária.
— Muito obrigado. O senhor é
o mister John Smith, não é?
— Sim sou eu mesmo. É um
alívio livrar-me deste pecado.
— Consta que, além de
Lolita, o senhor ainda detém Memórias de
uma Mulher de Prazer – Fanny Hill
de J. Cleland; O Amante de Lady Chatterly
de D. H. Lawrence; Trópico de Câncer
de Henry Miller; História de O, de
Pauline Reage além de Justine e Filosofia na alcova do Marquês de Sade.
O senhor continua pervertido!
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