23 janeiro 2017

Todas as terças-feiras procuro postar um texto no aqui e no Facebook. Estou adiantando meu expediente porque viajo amanhã extremamente cedo (eca) e ficarei ausente do face por vários dias.


UM DIA COMO CRONISTA CULINÁRIO

Bom dia, meus caros leitores. Hoje é a minha estreia como cronista culinário. Pediram que eu preenchesse esse vazio no jornal. Espero, sinceramente, que a minha despedida ocorra breve também.
O cara que escrevia gracinhas regularmente neste espaço queimou a ponta dos dedinhos na tampa no forno e está impossibilitada, digo impossibilitado de digitar. Por escrever artigos políticos sérios e de importância para o desenvolvimento do país, argumentei que o máximo que entendo de cozinha é reclamar do cafezinho fétido que servem aqui na redação, porém o editor me convenceu (sob ameaça de desemprego) a cobrir o coleguinha. Pensei em cobri-lo de porrada, mas isso não interessa a você, leitor. Não é mesmo?
Antes de escrever as primeiras linhas me informei que crônicas são narrativas diárias com o tamanho exato de um retângulo predeterminado. Nem um apóstrofo a mais nem uma exclamação a menos. Que a crônica é o relato de um flash, que é a manchete na alma do cronista ou que é a literatura de bermudas.
Imagine, caro leitor deste cantinho de jornal, se eu me sentiria à vontade em visitar os Ministérios, trajando sóbrio paletó azul-marinho, uma gravata listrada sobre a camisa impecavelmente passada e uma bermuda xadrez? Sem chances!
Antes mesmo de passar por esse constrangimento eu telefonaria para agendar uma entrevista com a autoridade.
— Secretaria de Assuntos Estratégicos. Gabinete do Dr. Peçanha, boa tarde.
— Por favor, eu gostaria de marcar uma hora com o Sr. Secretário.
— Pois não, qual é o assunto?
— Eu preciso trocar umas receitas de bolo de laranja. — Isso é ridículo, pensei. Ninguém merece!
Jamais escreverei uma crônica. Crônicas são futilidades, pseudoartigos, inutilidades escritas por quem pensa pequeno, sem objetivos na vida.
Às três e meia, o editor telefonou cobrando a crônica, disse que deveria ser entregue diariamente até as quatro horas. Aleguei desconhecer histórias dos bastidores da cozinha do Planalto.
O editor, sem rodeios, determinou que eu escrevesse uma receita de pizza. Em meia hora.
Senti minha batata assar. Um tremendo objetivo para escrever uma crônica. Isso me inspirou imediatamente.
Eu já havia lido que a origem da pizza é questionada. Falam em egípcios, árabes e gregos. Os gregos, que eu saiba, inventaram a democracia, um cavalo de pau e a filosofia com discussões intermináveis. Aos napolitanos cabe a fama da descoberta só porque acrescentaram tomates na cobertura. O que importa é a receita brasileira.
Pegue-se um monte de gente indignada que exija a solução de um assunto grave. Dê-lhes um banho de água fria. Misture sem fazer muita força. Enrole e desenrole até formar uma massa homogênea. Faça uma bola bem grande e amasse com um rolo até virar um disco chato como a Praça dos Três Poderes. Cubra tudo com queijo até que não se veja mais nada da base inicial. Deixe descansar por alguns dias. Ou semanas. Se a mídia cobrar resultados, adicione rodelas de cebola, azeitonas e fatias de tomate, cebolas. Morte, digo, presunto só se a pressão for muito grande. Salpique manjericão e orégano. Para assar, procure um forno com o formato e tamanho da cúpula do Senado Federal.
Sirva com cerveja gelada para comemorar.

A autêntica pizza brasileira é produzida em forno público. Trabalho em jornal, uma empresa privada, por isso nos próximos dias retornarei com saborosas receitas como a vingança servida em prato frio.

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