04 abril 2017
Indigestão
Chamam-me
verme.
Tenho
orgulho em ser verme. Ofendido ficaria se me chamassem homem.
Sou
feliz. O destino colocou-me num sebo, no paraíso. Farto-me com livros antigos.
A minha dieta são livros saudáveis, produzidas com celulose importada. Evito os
atuais que têm gosto de petróleo plastificado.
Nessa
semana mudei de prateleira. Delicio-me com O
Cruzeiro, revista semanal ilustrada. Comecei roendo uma moça de batom
vermelho e cabelos encaracolados na altura dos ombros. Fiz um furinho no quepe
da enfermeira. A capa da revista era macia como a cútis da moça.
Em
seguida encontrei o cardápio que percorri na diagonal. Apenas o número da
página e o nome do prato ou matéria, como os homens dizem, eram insuficientes. Resolvi
mordiscar diversas páginas como se fosse rodízio de antepasto.
Desprezei
a página que informava que em 1942 os submarinos alemães torpedearam 24 navios
mercantes na costa brasileira e que 767 homens morreram.
Poupei
o bebê ensaboado com Eucalol.
Adiante
uma imagem de um homem me chocou. Deveria estar triste por causa da guerra.
Mas, não. A legenda dizia que era o desalento pelo estado de inércia
carnavalesca. Nos anos anteriores os pré-festejos se alastravam desde o centro
até à orla. por causa da guerra, deram lugar ao desânimo carnavalesco.
Eu
queria provocar o paladar. Não apenas uma escolha bonita. Por isso não dei bola
para o sabor fútil do desfile de modas no Copacabana Palace.
Sei
que a gente não deve falar de boca cheia. Fiz pior. Chorei com um desenho num
cenário de exposição. Uma senhora segura um vaso e comenta que fora feito há 75
anos. Ao lado, metido num summer
branco, o Amigo da Onça pergunta se foi ela que fez.
Depois
roí as cordas do violão do Tonico ou do Tinoco. Não me lembro! Recordo que a
dupla de sucesso era formada pelo fotógrafo Jean Mazon e pelo jornalista David
Nasser. Na imagem em preto e branco, um homem de bigodinho fino, camisa listrada
dentro das calças folgadas e de chapéu de palha, segurava um instrumento
próximo de uma fogueira. A legenda completava: “Nesta cena, os tamborins de
pele de gato sendo retesados. Os gatos do morro do Rio de Janeiro viviam
alarmados com a incessante busca.”
Evitei
mastigar a página venenosa com um homem empunhando uma bombinha Flit assassinando
baratas e mosquitos.
A
minha sobremesa foram as frutas do chapéu da Carmem Miranda. Eu preferiria que
as frutas estivessem com as cores vibrantes, tropicais, exuberantes. As frutas
estavam um pouco amareladas, como o sorriso da atriz por causa do contrato com
o estúdio que a forçava a aparecer em eventos com seus figurinos extravagantes.
Depois de tudo preciso de um licor, um
digestivo.
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