07 novembro 2017
Pílulas contra o mau humor
Eu estava na sala dos estagiários. Eram nove horas da manhã quando José
Geraldo entrou. Passou direto pela secretária, por seus dois colegas de
trabalho e dirigiu-se à sua mesa.
— A idiota da faxineira esqueceu a garrafa de álcool na minha mesa. Ó,
mulherzinha avoada!
Pedro, vizinho de mesa, suavizou.
— Bom dia! Ainda é bom costume cumprimentar. Em vez de ofender a dona
Antônia, deveria ligar para ela, agradecer por ela ter limpado seu espaço e
informar que guardou o produto de limpeza.
— Tá de caso com ela?
— É impressionante como você começa o dia de forma grosseira,
desrespeitosa, mal-humorada e sem educação.
José Geraldo, ignorando a observação: — Já leu o jornal?
Pedro vira a página. — Não, ainda não terminei de ler.
José Geraldo, sem nenhum constrangimento, enfia a mão no meio da leitura
de Pedro e puxa o caderno de esportes.
— Peraí! Eu ainda não li esse caderno!
— Que egoísmo, você é incapaz de ler tudo ao mesmo tempo. Cadê sua
generosidade?
— Aposto que sua namorada dormiu de calça jeans.
— Seja criativo. Pare com suas piadinhas repetitivas. Todo dia você diz
a mesma coisa!
Evitando conflito, Pedro silenciou.
Na antessala, a secretária, responsável pelo jornal, murmura palavrões
imaginando a bronca do chefe ao descobrir o jornal bagunçado.
Passados dez minutos, Pedro comenta a nota policial.
— Viu só? O ladrão entrou na casa durante a madrugada, separou a
televisão e o micro, depois se encheu de comida da geladeira, esvaziou uma
garrafa de uísque e adormeceu no sofá.
— Como é que eu veria? A notícia está na sua mão. Você não quis me dar
todo o jornal.
— Apenas comentei, tentando um diálogo.
— Diálogo? — Resmungou feito velha — Como posso dialogar com alguém que toda
hora atrapalha a leitura?
Como só acontece em novelas, o figurante com a bandeja surge na hora exata
para amenizar o clima de hostilidades.
— Bom-dia — diz, enquanto distribui os copos descartáveis. — O que vai
ser hoje? Ovos estrelados, sucrilhos ou omelete com bacon?
— Obrigado, seu Zezinho. Tem antiácido para o Jotagê?
José Geraldo, sem tirar os olhos do caderno de esportes:
— Sirva um copo de raticida para meu colega.
Seu Zezinho caminhou em direção ao ventilador.
— Eitcha ambiente carregado... Vou aumentar a velocidade para o vento
levar o mau humor.
José Geraldo olha com reprovação.
— Aumente não. Já basta o barulho insuportável das cigarras gritando nas
árvores.
Como que fugindo de uma nuvem pesada, seu Zezinho empurra o carrinho
para a saída. Fecha a porta, enquanto Pedro faz cara de quem está curtindo
violinos da orquestra sinfônica.
— Isso que você chama de barulho é o canto das cigarras. É a perpetuação
da espécie. É o anúncio das chuvas. É a mudança de estação. Já viu como os flamboyants estão floridos?
— Vai se tratar, Pedrinho! — diz, colocando o queixo sobre o ombro e
piscando rapidamente os olhos. — Isso de gostar de florzinha vermelhinha é pra
flamboiólas. Acho que você escorregou nalguma flor cor-de-rosa e caiu na
bichice.
— É, Jotagê, se você fosse mulher, eu diria que foi mal comida.
— Outra vez você vem com piadinha manjada querendo gargalhadas. Invente!
Só teletube repete a mesma bobagem
vinte mil vezes e, mesmo assim, para bebês que não conseguem mudar o canal.
Pedro, mais uma vez bombardeado por José Geraldo, procura por um aliado
na conversa, olha na minha direção, interrompe minha leitura concentrada.
— E aí von Silva, o que você me diz? Concorda que está faltando mulher
na vida do Jotagê?
— Sei lá! Não sei e não estou preocupado com os problemas dos outros.
Sei apenas que daqui a pouco o chefe vai entrar por aquela porta e perguntar o
que a gente tá fazendo.
— E o que você, von Silva, está fazendo de tão importante?
— Estou cuidando do meu humor. Lendo e apreciando as imagens de um
tratado sobre a saúde, manutenção e desenvolvimento do bom humor. São minhas
pílulas contra o mau humor.
— Tudo o que o carrancudo Jotagê precisa na vida. O que é?
Para o meu azar, levantei a Playboy,
aberta na página central, exatamente na hora em que o chefe pisou na sala.
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