12 dezembro 2017

Babaca do Eixão


Quando se vai criar uma história, o mais difícil é encontrar o tema, o mote ou a inspiração para desenvolver a escrita. Depois do mote definido, a criatividade se faz presente.
Imagine você declarar que sabe falar grego. Logo surge o pedido.
­                — Que legal! Fale uma frase!
Aí, você empaca sem saber o que dizer. Seria mais fácil se pedissem: traduza para mim.
Pois bem, eu vinha caminhando no Eixão, como todos os domingos, com o celular na mão gravando diálogos possíveis para uma oficina de escrita que, em casa, transcreveria no computador.
No meio do meu blablablá solitário fui alcançado por um sujeito barbudo que me encarou de supetão:
— Estou seguindo o senhor há mais de cinco minutos. Ouvi o senhor didático, depois tenro e doce. Subitamente alterou a voz para bravo. Gesticulando como se espantasse mosquitos. Agora que se acalmou novamente, tomei a liberdade de abordá-lo. O senhor é peripatético?
Fiquei sem saber se também o ofendia, se saía logo no tapa ou ficava na minha para saber qual era a do cara.
Caprichei um olhar enfastiado.
— Você me desconcentrou! Perdi a minha linha de raciocínio!
O cara pediu desculpas e apressou o passo.
Irritado, o pensamento mudou de rumo. Desliguei o gravador.
O sujeitinho nem me conhece e me chama de pateta da periferia! De idiota da região! De palerma do pedaço! De bobo do trecho! Falta de respeito! Ele deve ser parlamentar. Usa um pronome de tratamento respeitoso e em seguida xinga com palavras de dicionário sem saber o significado.
Consigo imaginá-lo na tribuna da Câmara dos Deputados, apontando o indicador para um colega.
— Vossa Excelência é um bordalenga apandilhado.
Fiquei indignado. Possesso! Perdi o prazer da caminhada. Precisei de um calmante e um dicionário.
Em casa, enquanto engolia o Lexotan, consultava o Aurélio:
“Peripatético: discípulos de Aristóteles. Em razão do hábito do filósofo de ensinar ao ar livre, caminhando enquanto lia e dava preleções.”
De imediato, a tentativa de diálogo e a imagem do barbudo intrometido modificaram-se na minha mente.
— O senhor é peripatético?
— Peripatético é sua mãe.

— Não. Peripatético é o mote que o senhor precisava para escrever sua crônica.

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