05 dezembro 2017
Monotonia
Durante um bate-papo
com um amigo, piloto de asa-delta, em determinada hora afirmou.
— Caminhar é
monótono.
Advogando em
causa em causa própria respondi que monótono é estar a um quilômetro de altura
sem estar inserido no cenário. Vê-se tudo pequenininho. Nem com binóculos
percebe-se os detalhes que tornam a vida exuberante.
Foi com esse
pensamento que iniciei a minha caminhada dominical no Eixão – uma enorme pista
de alta velocidade que uma vez por semana ao se transformar em Eixão do Lazer recebe
caminhantes, corredores, skatistas, ciclistas e todos que se propõem a acelerar
o coração.
— Será que é
monótono observar as pessoas?
Não creio.
Tanto que, naquela manhã sem sombras, notei que muitos usavam bonés, chapéus e
viseiras. Alguns poucos com óculos escuros como se fossem estrelas hollywoodianas
fingindo se esconder.
Comecei a me
divertir ao questionar as roupas dos atletas de fim de semana. Um senhorzinho
de um metro e sessenta passou correndo por mim com camiseta e calção cor de laranja
fosforescentes como os tênis. As meias brancas iam até o joelho e nas costas saltitava
uma mochila azul celeste.
Em seguida fui
ultrapassado por uma mocinha que balançava provocante rabinho de cavalo enquanto
no sentido oposto vinha um judeu com uma bermuda tão justa que percebi ser
circuncisado.
Observei e
analisei uma revoada de pessoas. Quando me perguntava qual seria o coletivo
correto para esportistas, alcancei uma senhora de porte elegante com um
acompanhante nu em pelo. As minhas luzes de alerta piscaram vermelho. Fixei bem
o olhar e não era roupa cor da pele tampouco usava tênis para se proteger do
asfalto. Estava pelado. Total e indubitavelmente nu.
Eu não estava
alucinando por excesso de sol. Nem havia sol. Em vez dos óculos escuros sem
grau, meus óculos eram os de sempre, com grau: eu via a nudez nitidamente.
Além do
estranhamento e perplexidade da ousadia, causou-me estranheza a falta de choque
ou mesmo curiosidade e comentários dos passantes. Tudo parecia normal como se o
Eixão fosse um tradicional campo de nudismo.
Ouvi o barulho
de uma moto. Era um policial montado numa Harley-Davidson. Na mesma hora
imaginei que iria prender o maluco por atentado ao pudor. Mas não, nem
advertência nem olhar. Para novo espanto, passou reto como se nada houvera.
Pensei que Brasília,
afinal, tornara-se uma cidade cosmopolita como Londres ou Nova Iorque onde
cidadãos de cabelos lilás com corte moicano passam despercebidos na multidão.
— Como sou
tolo! Não é nada disso. Certamente é o inverso da história da “Roupa nova do
rei” de Andersen. Lá todos elogiavam a magnífica roupa real de sedas e veludos.
Apenas um meninote se atreveu a gritar “o rei está nu”. Aqui é o oposto. Todos
estamos pelados e apenas eu que enxergo roupas nas pessoas.
Olho novamente
para a dupla.
Mesmo de
costas para mim, eu enxergava o porte elegante e vestido da moça enquanto o
companheiro balançava a genitália desavergonhada entre as pernas. Um horror!
Apressei o
passo para encarar e desaprovar a figura atrevida.
Ele respondeu com um latido nada monótono.
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