27 agosto 2015
Literatura desalojada
A comunidade literária
brasiliense está em estado de choque!
O Núcleo de Literatura da Câmara
dos Deputados coordenado pelo Prof. Marco Antunes foi desalojado. Foi colocado
na sarjeta. Foi escorraçado como um cachorro sarnento.
O Núcleo teve início nem 2003 com
oficinas literárias gratuitas. De lá até os dias de hoje, com absoluta
regularidade, foram ministradas oficinas literárias com uma grade de 15 horas
semanais de aulas todas elas preparadas e ministradas por Marco Antunes.
Graças à persistência e doação de
Marco Antunes mais de 20 alunos escreveram e publicaram livros,
transformando-se em autores. Inúmeros servidores da casa, incluindo deputados,
tiveram aulas de retórica, milhares (milhares mesmo) de pessoas aplaudiram os quase
70 saraus produzidos. Também inovou ao criar uma oficina virtual chamada
Desafio dos Escritores onde autores de todo Brasil (e ainda de Portugal e do
Japão) participaram. Todos os eventos, saraus e Desafios tiveram o apoio da Câmara
dos Deputados, gesto sempre muito elogiado.
Agora, por uma necessidade de
agradar a liderança de um partido nanico, o Núcleo foi despejado sem receber
outro lugar para dar continuidade ao trabalho.
Marco Antunes jamais cobiçou
qualquer cargo. A única ambição foi e continua sendo: “tornar a literatura uma
atividade permanente na Câmara dos Deputados, auxiliar na formação do servidor
e promover eventos que divulguem a literatura, em especial a brasileira.”
Há dois anos, por reconhecimento
e serviços prestados, o Núcleo de Literatura foi oficializado no organograma dentro
do Centro Cultural da Câmara dos Deputados.
Agora, apesar do esforço
contrário da Diretora do Centro Cultural, Isabel de Flecha de Lima, o Núcleo é
sem teto.
Roberto Klotz
Aluno das oficinas
22 de agosto de 2015
25 agosto 2015
Limonada suíça
Ontem fui a uma reunião na casa de um amigo . Gente
finíssima. Casal muito
amável e receptivo ,
daqueles que não
seguem moda , fazem moda . Apartamento nobremente decorado. Poltronas
de couro , quadros
assinados e artesanato exclusivo.
Para eles, nada é simples .
Tudo tem valor
agregado . Sem
demagogia , sem
modéstia , com
esnobismo e com
muito miserê.
Chamou-me a atenção a grande mesa
decorada com originalidade .
Abóboras , rabanetes
e alface espalhada.
Logo fiquei sabendo que a abóbora não era abóbora . Era uma abóbora
premiada. Que os rabanetes
não eram rabanetes ,
eram rabanetes melhorados geneticamente.
Fiquei imaginando que a alface não era alface , era alface crespa alisada com
chapinha.

Ele pitava um cigarro
de palha em vez de cigarro ,
cachimbo ou
charuto. E aquela palha havia sido
trazida da Síria na última
viagem que
fizeram ao Oriente.
Até o pão do sanduíche
havia sido, conforme o casal , produzido especialmente
para aquele evento : sem nenhum aditivo químico . A sobremesa foi queijo minas com goiabada cascão . A goiabada
foi fervida em tachos
de cobre pela
avó do prefeito numa vila do nordeste
mineiro.
O que mais me
impressionou foi quando , ainda antes do sanduíche , a sede
apertou. Uísque? Nem pensar . Imaginei a cerveja glacial
descendo e aplacando desejos sedentos . Não me perguntaram o que
eu queria beber .
Apenas anunciaram que
a bebida já
estava na mesa.
Fui seco à jarra
de cristal . Julguei maravilhosa
caipirinha abrindo caminho
para a cerveja.
Servi um copo
grande , imaginando batida
comunitária .
Provei.
Impossível disfarçar minha desagradável surpresa .
Além de amarga, sem
açúcar.
dona de casa logo
agregou:
______________________________________
Se Deus lhe der um limão, faça uma caipirinha.
14 agosto 2015
COMO SUPORTAR JABS
COMO SUPORTAR JABS NO
BAÇO E ENCARAR NOCAUTES
Vlado Lima
Editora Patuá
108 páginas
R$ 35,
Se você está
no ar condicionado acomodado num sofá tomando Veuve Clicquot, se você for
politicamente correto, se a bebida mais maléfica que você já tomou na vida foi
uma coca quente sem gás e se nunca gargalhou por causa de um peido que soltou no
meio dos amigos então definitivamente este livro não é para você.
Este livro ri,
debocha ou morde. Sacaneia aquilo que está à nossa frente, mas que a sociedade
de falsos pudores ignora ou finge ignorar.
O livro, de
acordo com a ficha catalográfica, é de poesia. Esteticamente, são poemas. Na
minha ignorância eu diria que são tiradas inteligentes, mordazes, bem-humoradas
com ritmo, cadência e sonoridade. Foram escritas para ser interpretadas e
aplaudidas em voz alta.
Eu conheci as
sacadas do autor em Pop para-choque,
livro emprestado em que não pude sublinhar, riscar nem dobrar orelhas. Este,
adquiri no site da Patuá. É meu.
Posso profanar, posso sacrilejar, posso tudo. Posso até elogiar: esse cara enxerga
o mundo com originalidade. Conferi 20 orelhas dobradas. Uma orelha para cada
poema gostado.
Em vez de
continuar enchendo o autor de elogios, copei três poemas:
Conselho de mãe
o buraco do mundo é fundo!
disse minha mãe no dia em que saí d casa
costurou um beijo quente em minha testa
me deu um abraço de Kraken
7 cuecas novas
4 conselhos
e uma certeza:
não roube
não mate
respeite os mais velhos
e cuidado com puta
viado
preto
ateu
maconheiro
e comunista
(...)
essa gente não presta!
anos depois
no dia das minhas 26 luas
(com a casa cheia de amigos
cheiros
risadas
carnavais
e cores de Lautrec)
a velha me ligou pra dar os parabéns
alô, mãe! eu gritei
(entre os agudos & graves e um Led Zeppelin no talo)
lembra daquela galera que a senhora falou pra eu tomar
cuidado?
tá toda aqui em casa!
Rodrigueanas no 4 –Almas gêmeas
5o anos de casados
4 filhos
7 netos
3 bisnetos
e brigas
muitas brigas
maiúsculas
insignificantes
homéricas
ela não apagou a luz
ele mijou fora da privada
ela queimou o feijão
ele não levou o cachorro pra
cagar no quintal do vizinho
a última cizânia
foi por causa de um cemitério
queriam ser enterrados juntos
ela preferia aquele-um lá da
Vila Galvão
ele, aquele-outro do Parque
Continental
combinaram: quem morrer primeiro
escolhe
não deu outra
só para atanzanar a coitada
ele bateu a caçoleta primeiro
no velório
ela (feito uma uva melancólica)
sentada inconsolável ao lado direito do caixão
dizia aos prantos: eu queria que
o meu velho estivesse aqui
eu queria que o meu velho
estivesse aqui
só para ver o cemiteriozinho de
merda que ele escolheu.
Se eu soubesse que
você viria
Se Eu soubesse que você viria
eu teria feito um
bolo
Eu
não teria secado o meu estoque
de Red Label paraguaio
nem teria empalado carneirinhos de celulose
nas minhas madrugadas sem sono
Eu
não teria pendurado
essa bandeira negra na janela
nem teria quebrado a minha coleção
de LPs do Roberto
Eu
não teria sintonizado em UHF
meus cornos para-raios
nem teria vagado pelas noites da Rua Augusta
como um chihuahua-zumbi sem dono
Eu
não teia afogado na privada o teu ursinho lionella
nem teria deixado o desintegrador de ameba
assim
tão perto
se Eu soubesse que você viria
Eu teria feito um
bolo
10 agosto 2015
Paris
Minha tarefa diária de apontar todos os lápis é das mais importantes.
Apesar do moderno apontador, faço questão de mostrar a arte, esculpindo as
pontas com meu canivete vermelho. Os lápis têm a majestosa função de escrever
petições, redigir ofícios, anotar depoimentos, rascunhar despachos e limpar
orelhas.
Os jornais devem chegar donzelos. Intactos. Responsável que sou, sempre
chego antes do chefe pelo menos umas duas ou três horas para dar conta dos meus
árduos e rotineiros deveres. Nesta quarta-feira, li, pelo menos, a manchete do
jornal. E mais um pouquinho. Estava tão cedo. Política, internacional,
esportes, cultura. Lá no caderno de turismo anunciavam passagens para Paris.
Mon Diê. Doze vezes, e ainda assim tá caro!

Saímos juntos
para um café na calçada
coberta com
as folhas douradas. Crepe
Suzete, baguete , Lafayette, cotonete . Ah, o som, magnífico som: camembér, trotoá,
voalá, peti puá, croassã, chantili , rende
vu.
Na mesa
vizinha, Voltaire, Sartre, um cavalo branco e
Bonaparte. À direita, Jacques Cousteau, Débussy, Asterix e Brigitte Bardot.
Bonsuá!
Saio de braços dados . Todos me cumprimentam. Não
é por mim ,
é por minha
encantadora companhia que seduz com olhar emblemático
e sorriso enigmático.
Nesse exato momento os sinos
da catedral de Notre Dame badalam dez
vezes.
O chefe entrou na sala.
— Bonjour!
— Que
droga, von Silva! Quantas vezes preciso te dizer que odeio quando mexem ou
dormem no meu jornal?!
Texto publicado no livro "Cara de crachá"
Prêmio edição da crônica “Dia e noite, Paris é um sonho” no
Prêmio UFF de Literatura, promovido pela Universidade Federal Fluminense, Niterói
– RJ.
04 agosto 2015
O amuleto de prata
Nevara na
noite anterior. Apesar do sol mostrando os dentes, fazia frio. Muito frio.
Andar na calçada congelada era dançar equilibrismo. Só muita necessidade ou
ignorância faria alguém andar no comércio da Heimatstrasse naquela manhã. Maurício
com joelhos e fundilhos molhados só não engatinhava para não perder a dignidade
de vez.
Levantando-se
mais uma vez, percebeu que era observado através do vidro da vitrine. Abanou sem
graça para as mulheres que formavam uma plateia do lado de dentro da janelona. Arrastou-se
mais três minutos até chegar ao trinco da porta da loja. Sentiu-se um náufrago
alcançando uma boia flutuante.
Ao pisar no
capacho recompôs a postura, ajeitou a mochila e abriu a porta. Interrompendo
uma aula de tricô entrou na loja de armarinhos deixando um rastro de pegadas no
carpete.
Uma senhora
que parecia ser a dona da loja tomou a frente:
– Fühlen sie
sich wohl? – O senhor está se sentindo bem?
Maurício
ergueu os ombros, inclinou a cabeça para o lado e abriu as mãos espalmadas numa
interrogação mímica. Ele não falava alemão. Nem francês nem inglês.
A mulher
apontou para uma porta.
– Möchten sie einen Handtuch? – O senhor quer
uma toalha?
Ele repetiu o
gesto. Estava constrangido. Era turista. Escolheu a época errada para viajar. Não
falava a língua. De calças tão molhadas, parecia mijado. Sentia frio. Estava sem
dinheiro num ambiente requintado e repleto de senhoras. O que fazia ali?
Maurício era
de Araçatuba, interior de São Paulo. Desde que ganhara a moeda de prata
sentia-se o maior felizardo do mundo. Faturou uma grana na loteria. Mais do que
comprar um carro, catou a namorada e saiu para viajar o mundo. Inglaterra,
França, Espanha, Itália, Alemanha. Até que foi assaltado. Sobrou apenas a mochila.
Na manhã
seguinte, antes do café, foi expulso do hotel e a namorada o trocou por um indiano.
Precisa registrar a queixa e tentava caminhar até o consulado brasileiro quando
recobrou o equilíbrio na loja de armarinhos fazendo o papel de um animal exótico
num jardim zoológico.
Uma mulher
curvilínea foi até ele com uma enorme toalha aberta num abraço.
Aconchegando-se
na toalha e braços murmurou obrigado.
A mulher
respondeu “bitte schön” – de nada – numa voz masculina.
Maurício teve
certeza. A sorte o abandonara.
Com a mão no
bolso procurou o amuleto. Em pagamento, ofereceu a moeda de prata.
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