10 agosto 2015

Paris


Minha tarefa diária de apontar todos os lápis é das mais importantes. Apesar do moderno apontador, faço questão de mostrar a arte, esculpindo as pontas com meu canivete vermelho. Os lápis têm a majestosa função de escrever petições, redigir ofícios, anotar depoimentos, rascunhar despachos e limpar orelhas.

Minha segunda tarefa é colocar o jornal sobre a escrivaninha do chefe.

Os jornais devem chegar donzelos. Intactos. Responsável que sou, sempre chego antes do chefe pelo menos umas duas ou três horas para dar conta dos meus árduos e rotineiros deveres. Nesta quarta-feira, li, pelo menos, a manchete do jornal. E mais um pouquinho. Estava tão cedo. Política, internacional, esportes, cultura. Lá no caderno de turismo anunciavam passagens para Paris. Mon Diê. Doze vezes, e ainda assim tá caro!

Paris é como uma virgem na flor da idade. Sonho passear por todos os seus cantos. Cheirar suas flores, atravessar suas pontes, caminhar nos seus jardins, sentir as bolhas do champanha no céu da boca. Se existe algum lugar com classe, esse lugar tem nome: Paris.  É desnecessário subir na Torre Eiffel para ficar junto das nuvens e sonhar.

Mona Lisa? Tenho hora marcada com você. Seu sorriso é minha alegria

Saímos juntos para um café na calçada coberta com as folhas douradas. Crepe Suzete, baguete, Lafayette, cotonete. Ah, o som, magnífico som: camembér, trotoá, voalá, peti puá, croassã, chantili, rende vu.

Mais um pouco de açúcar, Mona?

Na mesa vizinha, Voltaire, Sartre, um cavalo branco e Bonaparte. À direita, Jacques Cousteau, Débussy, Asterix e Brigitte Bardot. 

Bonsuá! 

Saio de braços dados. Todos me cumprimentam. Não é por mim, é por minha encantadora companhia que seduz com olhar emblemático e sorriso enigmático. 

Ela ajeita o véu, empunha a sombrinha e entramos na charrete. Sem nenhuma palavra margeamos o Sena. O chofer aumenta a música do rádio: La vie en rose. Na música seguinte ela olha para mim e canta em dueto com Piaf: Ne me quitte pas. Não me deixes. 

Nesse exato momento os sinos da catedral de Notre Dame badalam dez vezes.

O chefe entrou na sala.

Bonjour!


Que droga, von Silva! Quantas vezes preciso te dizer que odeio quando mexem ou dormem no meu jornal?!


Texto publicado no livro "Cara de crachá"

Prêmio edição da crônica “Dia e noite, Paris é um sonho” no Prêmio UFF de Literatura, promovido pela Universidade Federal Fluminense, Niterói – RJ.

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