26 janeiro 2016
Endereços que ninguém encontra
Nota do jornal: “Com
poucas placas de sinalização e identificação de lugares, região pertencente a
Águas Claras traz dor de cabeça aos moradores, que encontram dificuldade em
receber correspondência, contas e até visitas.”
Três batidas secas com o nó do dedo médio no
vidro do carro acordaram Antônio Rezende P. Silveira. O sol começava a se
esconder atrás de alguns barracos de madeira. O vento frio uivava no meio da
poeira.
O fiscal da receita estadual empurrou um boleto
de cobrança de IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano – janela adentro.
Com a cara amassada de um dia mal dormido Antonio
reclamou que não entendia aquela cobrança.
— O senhor está morando neste lugar há uma
semana, fixou residência, logo deve pagar o IPTU.
— Eu estou perdido.
— Não tem dinheiro para pagar?
— Vim para este maldito lugar e não encontrei o
endereço para entregar uma cesta de café da manhã. Procurei, procurei e rodei
tudo que é rua. Depois deu o desespero e tentei encontrar a saída. Aí acabou a
gasolina. Ninguém sabe que rua é essa! Estou perdido neste fim de mundo.
***
A Companhia de Eletricidade terminou de plantar
oito postes de iluminação sob o olhar atento de José de Arimatéia Rodrigues. É
a primeira rua do bairro onde as mariposas podem enlouquecer em volta da
lâmpada.
— Eu gostaria de agradecer o trabalho de vocês.
Ficou brilhante.
— Agradeça ao Deputado Chico Daluz.
— Hoje mesmo falarei com o filho dele que mora
naquela casa, na rua vizinha.
— Na outra rua? Não é aqui? Virgem Maria! Erramos
a rua!
***
Por causa de histórias como essas a comunidade,
liderada pela parteira Mari Cesária e pelo escriturário Zé Bic, convocaram a
população para uma reunião e colocaram em discussão os nomes das ruas.
A babilônia das ruas marcou presença na reunião.
— Vamos colocar nomes de países? Noruega,
Alemanha, Estados Unidos, Suíça, Inglaterra. Quem sabe essas nações adotam
nossas ruas?
— Duque de Caxias, Almirante Tamandaré, General
Mascarenhas de Morais, Marechal Deodoro foram as opções do major aposentado.
— Acho que devemos valorizar a nossa terra, nosso
povo, nossas origens. Proponho botocudo, tupinambá, nhambiquara, goytacaz,
tremembé.
— Você gosta de polissílabos? Prefiro mais
curtos!
O contador sugeriu numerar as ruas. A
bibliotecária contestou sugerindo uma codificação alfanumérica.
A mocinha apaixonada levantou a mão pedindo a
palavra e opinou Avenida do Amor, Alameda da Saudade, Rua do Aconchego, Praça
dos Sonhos, Esquina do Flerte, Travessa Abraço Feliz...
— E as minorias? Agora é lei. Temos que reservar
espaço para eles. Rua dos Deficientes Auditivos, Quadra da Melhor Idade,
Ladeira dos Cadeirantes...
— Proponho o nome do ilustre presidente, do
dinâmico governador, dos nobres senadores, de alguns devotados deputados. Do
nosso querido prefeito!
— Aí, seu baba-ovo, não se esqueça do nome da
avó!
— Acalma! Sossega! Aquieta!
— Não gostei dessas sugestões! – reclamou um
desatento.
— Não são nomes de rua, apenas estou pedindo paz
aos exaltados.
A reunião terminou em beco sem saída.
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