05 abril 2016

Corrida de morte



Há pessoas que começam a praticar esporte pelos mais diversos motivos: mudar de estilo de vida, diminuir o peso, sair do sedentarismo, recomendação médica, encontrar mulheres gostosas na academia.

Para meus amigos eu digo que comecei a caminhar para emagrecer e pegar sol. Nem sob tortura revelaria que procuro caminhar no mesmo horário da minha vizinha. Nunca! Ainda mais que não é verdade. Honestamente, estou constrangido em confessar a verdade verdadeira. Mas aqui entre nós e a folha de papel não há segredos. Vou cochichar o real motivo: medo de um enfarte fulminante na hora do sexo. Precisei interromper uma secção maravilhosa porque o coração ameaçou explodir.

Ainda bem que a minha mulher não lê as minhas crônicas.

Consultei o médico e ele receitou-me uns comprimidos e exercícios físicos diários sob pena de não me atender de novo. Eu morreria em menos de um mês.

Depois deste drástico diagnóstico é lógico que comprei um tênis novo e pus-me a caminhar e praticar exercícios logo após.

Ao fim dos primeiros trinta dias perdi 3kg e continuava vivo. Terminei o segundo mês reduzindo outros 2 kg. No terceiro mês a animação foi enorme quando tinha diminuído três buraquinhos do meu cinto. Para comemorar os resultados e recompensar o esforço me dei de presente um Polar. Aquele relógio com cronômetro que também informa a pulsação cardíaca captada numa cinta na altura do peito.

Agora eu já não me sentia um sedentário. Era um quase atleta. Poderia até arriscar umas corridinhas alternadas no meu percurso de 4 km, contanto que não excedesse os batimentos cardíacos determinados pelo doutor.

Inicialmente levava 48 minutos esbaforidos para completar o circuito. A performance foi melhorando com rapidez. E cheguei a reduzir o tempo até 40 minutos antes de comprar o Polar.

Supervisionado pelo reloginho, me atrevi a caminhar e correr alternadamente e diminuir o tempo para 36 minutos. Já me sentia um atleta.

Cada dia com mais velocidade e em menos tempo. Sempre controlando os batimentos.

Foi ai que aconteceu: eu morri.

Durante o pico da corrida, o Polar que vinha a 140 batidas por minuto repentinamente foi a zero.

O ar faltou.

As nuvens enegreceram ao meu redor.

Os joelhos fraquejaram, dobraram.

Fui derretendo na calçada.

Com os olhos esbugalhados confirmei que o Polar continuava no zero.

Sem dúvida, eu morri em trezentas pratas num relógio pirata.

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