08 dezembro 2015
Número na cabeça
Publicado no jornal:
Na Estrutural, uma das cidades mais carentes
do Distrito Federal, a inspiração dos jovens ao mudar o visual passa longe das
celebridades dos campos e palcos. Agora, os pedidos mais comuns nas barbearias
da região são artigos do Código Penal, números que representam a incredulidade
– como o 666 –, além de listras que servem para identificá-los como integrantes
de determinados grupos criminosos. CB – Comportamento – 16/01/2011
Por volta das seis horas da tarde de
uma quarta-feira, a viatura encostou no meio-fio ainda com as luzes piscando e
a sirene ligada. Parece que encontraram o grupo que constrange e ameaça com
apologia ao crime. São facilmente identificados pelo corte de cabelo curtíssimo
formando desenhos tribais. Os agentes saltaram empunhando armas e ordenando que
os rapazes, que corriam na calçada, levantassem as mãos.
– Quietos aí. Não se movam! De costas!
Encostem na parede! Mãos pra cima!
– É para não se mover ou levantar as
mãos?
Sob a ameaça da arma de um dos policiais,
os outros dois começaram a revistar os quatro elementos imobilizados.
– Documentos! – Gritou o homem com a
ponto 40 destravada apontando o meliante mais próximo.
Habituado à falta de gentileza, o
garoto de pele parda estava mais calmo que os agentes. – Posso botar a mão no
bolso para pegar o documento?
Sem responder o
policial consentiu gesticulando com arma.
O agente de
polícia observa a cabeça raspada em recortes imitando as tatuagens agressivas e
assustadoras.
– O que é isso na
sua cabeça?
– É a moda.
– O que significa
esse 666?
– Besta.
O policial dá um
safanão na boca do delinquente. – Me respeita!
– 666 é o número do
apocalipse. Da Besta.
– E tu? – Cutucando
com a pistola – Pensa que me assusta com esse 148 recortado no cabeção? Tô
sacando! Código Penal, Artigo 148: Sequestro e cárcere privado.
– Que é isso seu
guarda, tá me estranhando? Sou da paz. Eu moro naquela casa, aí da frente. Pode
olhar: número 148.
– E tu? – Cutucando
o terceiro – Exibindo terror para cima da comunidade? Tô de olho! 155 de um
lado e 121 do outro. Não nasci ontem. Furto e homicídio.
– Sou sangue bom!
Trabalhador. Dou um duro danado para sustentar a minha lôra. Tenho que levantar
às 4 da matina, preparar a matula e pegar o busão às 4 e meia. 155 é o número
da linha na ida. Na volta pego o 121. Tudo lotado.
O quarto elemento
nem se mexia, parecia mais assustado.
– Tira o capacete!
– Que diabos de
números são esses? 4348? Se reponder cavalo e elefante vai levar um catiripapo
no pé do escutador, só para ficar esperto.
– Pega leve. Sou
motobói. Entrego pizzas.
– Agora só falta me
dizer que a pizzaria tem 4.348 opções. – Ou vai me dizer que 4348 é o número da
pizza calabresa tamanho grande?
– Eu estava dizendo
que sou entregador de telepizza e esse é o número do telefone.
– 4348? Tá gozando
com a minha cara?
– São quatro 3 e
quatro 8. 3333-8888.
Os homens
uniformizados se entreolharam, aquele que parecia ser o chefe da operação
ordenou:
– Três três um.
Todos presos por desacato à autoridade.
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