19 janeiro 2016

Recenseador perde o boné e a coragem

Recenseador perde o boné e a coragem

Nota do jornal: “Grupo de 360 pesquisadores faz censo da vida marinha em todo o planeta e revela parte da riqueza de um mundo ainda misterioso.”

José Osmar Clarindo foi o quinto colocado no concurso nacional para agente censitário do IMGE, o Instituto Marinho de Geografia e Estatística. Finalmente chegou o seu primeiro dia como recenseador das águas ensolaradas do Atlântico brasileiro.

Recebe um colete com o logotipo do IMGE estampado no peito, crachá, um computador portátil além, naturalmente, de todo o equipamento para mergulho.

O dia de Jotaô não é um mar de rosas. Começa com problemas de locomoção sem vale-transporte e a descoberta que não há linhas regulares de ônibus para a região para onde foi escalado. Teve que pedir carona a um barco pesqueiro.

Conferiu e confirmou a exata localização com um pequeno GPS. Apertou a campainha da primeira porta que encontrou pela frente. Foi atendido por uma estrela marinha com um monte de bobis no cabelo oxigenado. Esta informou que naquele domicílio morava com o maquiador e seis filhos. Três dela, um dele e outros dois, menorzinhos, em conjunto com o namorado. Informou que era atriz desde pequena e que fez a primeira ponta num comercial para pasta de dentes. Seu nome era Marynalva Souza Ferreira, mas que no formulário preferia Marylin di Mônaco.

Em seguida entrevistou a quelônia Affonsina Austragésila Clementina Teóphila Junqueira conhecida por Tatá. Negou que o apelido era uma forma carinhosa por ser uma tartaruga. O tataraneto a chamava assim. Na hora de preencher o quadradinho com a idade, duvidou quando ela disse ter 278 anos. Mulheres costumam reduzir a idade.

– E a casa?

– Olhe para mim – mostrou um anel de diamantes – e diga se tenho cara de quem tem imóvel cedido ou alugado? É apertado, mas é meu.

– Quantos quartos? Quantos banheiros? A senhora tem televisão, geladeira e aspirador de pó?

Dona Tatá achou tudo muito indiscreto. Quando perguntada se morava sozinha, fingiu atender uma chamada ao telefone, pediu licença e terminou a conversa.

A manhã avançava rápida e ainda precisava preencher seis formulários para atender a meta diária imposta pelo IMGE.

Já começava a decorar as perguntas. Nome, idade, quantos moravam naquele domicílio? A casa tem energia elétrica? O lixo é recolhido, queimado ou jogado no mar? Tem rede de abastecimento de água ou a água vem do poço ou de algum do rio?

O próximo endereço era soturno. Ouviu latidos antes de ler a placa que avisava peixe bravo. Consultava o relógio, 12h25, quando a porta se abriu e um enorme tubarão branco abriu a porta. A fera estava com um garfo na nadadeira direita, uma faca na esquerda e um guardanapo amarrado no pescoço.

Com voz de trovão cumprimentou amistosamente:

– Veio em boa hora, amigo. Vamos entrar! Vou começar meu almoço agora.

Na fuga rápida largou o laptop e o boné caiu da cabeça.


Estas águas ainda guardarão muitos mistérios. Precisou voltar para a superfície, faltou-lhe oxigênio para terminar a pesquisa.

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