02 fevereiro 2017
ODE AO CIGARRO
Este longo texto, para mim, tem um significado muito especial.
Sempre fumei de forma alucinada e, tal qual todos fumantes, precisava parar.
Nunca mais fumar era um compromisso muito forte. Parei numa espécie de acordo
pessoal: ficaria sem fumar durante um ano. Ao se aproximar o vencimento do
contrato fiquei paranoico. Eu estava louco de desejo para fumar, entretanto
seria irracional voltar. Numa catarse escrevi “Ode ao Cigarro”. Ao chegar a
data renovei o contrato por mais um ano. Hoje, exatos quinze anos depois, dia
02 de fevereiro de 2017, renovo meu contrato por mais um ano.
Dediquei ao Dr
Dráuzio Varella que o divulgou no site durante dois anos.
De brinde, este
texto despertou o prazer da escrita: foi meu primeiro texto no mundo das
letras.
ODE AO CIGARRO
Alguns anos atrás li um artigo da
Cláudia Raia em que ela fez uma verdadeira apologia ao cigarro. Jamais fui fã
de la Raia. Mas
aquelas palavras... – Ah... como gostaria que
tivessem sido minhas. Era exatamente o que eu gostaria de ter dito: – Pô,
deixem-me fumar, ora bolas!
Não guardei o texto, mas me lembro
de que era contra aqueles caras inoportunos que se incomodavam com nossa fumaça
nos restaurantes ou filas. Até na casa da gente vêm esses xiitas incomodar.
Acordar no meio da noite... Fumar
um cigarrinho e voltar a dormir. Só quem é profissional sabe como isso é
gostoso.
Acordar cedo e, antes mesmo do
cafezinho, dar aquela tragadinha é indispensável.
Eu só sei falar ao telefone com
um cigarro aceso. O cigarro me dá segurança. Além da segurança, ele me dá tempo
de escolher melhor as palavras entre um trago e outro. As palavras estão
difíceis? Acendo outro cigarro e, com charme, tenho a resposta pronta.
Paquerar com um cigarro é ótimo.
A mão fica ocupada e a gente esconde a timidez atrás da fumaça. Na euforia, eu
celebro fumando. Na tristeza, eu choro fumando. Sono? O cigarro me desperta.
Tesão? O cigarro me deixa ainda mais ligado. Hoje estou nervoso, preciso de um
tragada profunda. Almocei uma feijoada, ora, que delícia! (Tô falando do
cigarro, logo após, e mais um após o café). Cara, é muito bom! Jogar pôquer sem
cigarro, nem pensar. Temos de esvaziar o cinzeiro que começa a transbordar pela
segunda vez. Eu me lembro, uma vez eu fui à casa de uma menina e estava
literalmente apaixonado. Acendi meu cigarro adolescente. Ela reparou que eram
três os cigarros simultâneos. Ah, meu Deus do céu, que mancada!
Quantas recordações! Sou
profissional desde os 15 anos, e olha que já estou com quase 51.
Todos nós fumávamos. O incomodado
que se mudasse. Os tempos mudaram. Muitos amigos traíram e largaram o cigarro.
Mais de uma vez fumei em lugares proibidos, ostensivamente. Marcando
território. Igual a cachorro mijando em poste.
A cigarrilha era mais charmosa
ainda, era cara e a tragada era pesada. Não agüentei e voltei ao meu cigarro.
Estou falando de cigarro, jamais usei o tal do baseado, nada contra, mas minha
praia é outra. Sempre tive pavor de ficar viciado. Sempre gostei de tomar um
chope. Jamais me viciaria em bebidas. Cachimbo : caramba, que charme! Fumei um
período. Mas tinha muitas desvantagens. As pessoas reclamavam que produzia
muita fumaça forte, o seu trago, quando chegava aos pulmões, não era muito bem
recebido. O cachimbo tem de esfriar. Tem de ser limpo. Quanta pantomina! Quero
fumar logo!
Eu tenho a minha marca. Marca é
fundamental! Se você não tem marca, fuma o que te derem, você não é fumante. É
um chato filador.
Uma coisa eu sempre detestei:
fumar na frente do espelho, dar uma tragada profunda e ver que a cor da fumaça
que desce é diferente da cor da fumaça que volta. Sempre acreditei que o filtro
do cigarro retivesse as coisas ruins. É pra isso que serve o filtro.
Em outras épocas, acendia um
cigarro no filtro do anterior.
O
trabalho estressante. Um telefonema. Um chope. Uma transa. Uma fossa. Uma
alegria. Um funeral. Outro telefonema. Uma negociação. Um passeio de carro. Uma
conversa. Nenhuma conversa. Cigarro, companheiro de todas horas.
Cigarro tem de ser aceso com
isqueiro a gás. A tragada com gosto de fósforo é muito ruim.
Eu me lembro de um isqueiro
Ronson dourado que meu pai me deu. Aquilo é que era isqueiro. Era o Rolls-Royce
dos isqueiros. Dei para o meu irmão, que sempre desejou um isqueiro igual
àquele, que, por outro lado tinha de ser recarregado de vez em quando e às vezes
falhava. Isso me irritava profundamente. Nunca vou me esquecer do meu pai
dando-me aquela maravilha. A cena foi funesta. Mas o isqueiro! Meu pai havia
sofrido um enfarte e, na condução da maca, no hospital, deu-me aquela pequena
jóia, com uma lágrima no olho. Ele ficou bom, nunca mais fumou, e também não se
importava quando as pessoas fumavam.
Você fuma? Tem uma coisa que me
incomoda no cigarro. Soltar a fumaça dos pulmões de encontro a um guardanapo de
papel colado nos lábios. Puxa, que coisa mais asquerosa! O papel fica mais sujo
que o filtro. Sempre acreditei que o filtro do cigarro retivesse as coisas
ruins. É pra isso que serve o filtro.
Eu jamais deixo as pontas se
acumularem no cinzeiro; além de ser antiestético, fede.
Escrever, ler, descansar,
prosear, cagar, pensar, concentrar, diga qualquer verbo: o cigarro sempre é
companheiro.
Com meus vinte e poucos anos,
peguei uma hepatite B e praticamente fui desenganado pelo médico. Eu odeio
médicos. Só vou em último caso. Eu já havia desmaiado duas vezes. Não precisei
de exames: hepatite. Entre outras proibições, veio a do cigarro. Médicos sempre
são contra. Fiquei de cama 75 longos e intermináveis dias. Lá pelo sexagésimo
dia, na fossa, fumei escondido, às 4 da manhã. Não desceu fácil. O segundo desceu
redondo. Companheirão.
No dia seguinte, estava em forma. Vinte
cigarros, um maço. Profissional é assim. Não, não sou compulsivo, sou
profissional.
Como se chama mesmo aquela doença
em que as pessoas não conseguem respirar? Eu ouvi falar pela primeira vez por
um chefe de trabalho. Nossa, ele fumava demais, e tinha medo dessa tal doença,
pois o pai dele havia morrido e ele presenciou o sofrimento do pai. Anos mais
tarde o grande Ney faleceu com a mesma doença. A hereditariedade é fatídica.
Sempre adorei a água, e sempre
fiz demonstrações de como meu fôlego é bom. Nos áureos tempos ficava dois
minutos sem respirar. Estou meio fora de forma, mas acho que ainda consigo
ficar um minuto nos dias de hoje. Apesar de profissional.
Sou capaz de escrever um livro: Meu
Amigo: O Cigarro. Quantos momentos!
Quando minha mulher engravidou,
teve uma grandeza enorme. Parou de fumar. Temporariamente. Na segunda gravidez,
a mesma firmeza de caráter. Temporariamente parou. E lá se vão 19 anos. Pela
primeira vez fiz algum esforço para parar.
Uma vez, meu irmão mais velho me
perguntou quantos cigarros eu fumava por dia. Quanto custava o maço. Como bom
engenheiro, fez as contas e castigou: “Com o dinheiro do cigarro, você já
poderia ter comprado um carro zero”. Vai se danar! Cadê o seu carro zero? Você
nunca fumou. Pois é, 16 anos de cigarro dão para comprar um carro novo. Já
entrei no meu terceiro carro.
Você sabe o que é paixão? É amor
desenfreado, irracional, ilógico.
Pois o que sinto pelo cigarro é
paixão.
Compulsão... Um atrás do outro e
quero mais.
Ilógico... Já fizemos as contas
da grana que vai embora.
Irracional e irresponsável...
Todo fumante sabe dos malefícios, não vou nem tentar relacionar. Odeio os
médicos.
É por isso que fumo: PAIXÃO.
Sabe, tentei parar diversas vezes,
diminuí inúmeras vezes. Mas a paixão é avassaladora, te devora e te leva para
os prazeres do cigarro.
Foram tantas as tentativas! Foram
tantas as derrotas! Meu Deus, como é gostoso fumar!
O pai do meu melhor amigo também
foi fumante profissional. Ele já não conseguia respirar, por causa de um tal de
enfisema (só de me lembrar dessa maldita palavra já deu vontade de tossir). Ele
fumava escondido da esposa e dos filhos. Eu o visitei no seu último dia de
vida. O Gus é de longe meu amigo mais querido. Mas muito chato, sempre foi um
antitabagista militante. Muitas vezes fumei na casa dele. E ele sempre
reclamou.
Chato mesmo foi a transformação
da sociedade.
Repartições públicas, shopping
centers, restaurantes, aviões, alguns hotéis, banheiros (até banheiros); elevadores, tudo bem; cinema e ônibus urbano nunca
pôde. Escola pode. Criança também aprendeu a reclamar. Onde já se viu pirralho
mandando contra cigarro de adulto? Os tempos mudaram.
Minha mulher deixou de fumar. Os
filhos, incomodados, assumiram postura xiita intransigente, contra o cigarro,
naturalmente. Naturalmente era fumar. Era.
Tentei parar outra dúzia de
vezes. Uma vez eu me lembro de ter perguntado desesperadamente: o que um não
fumante faz com as mãos?
De outra vez, fui diminuindo até
o dia do embarque de nossa viagem internacional em família. Na hora do
embarque, faltou o tal do último cigarro que eu pretendia filar no aeroporto.
Maravilha! Passei oito, oito, repito oito meses sem fumar.
Numa roda de chope senti as
pessoas fumarem deliciosamente seus cigarros e fumei um. Deu trabalho. O
segundo e o terceiro desceram maravilhosamente bem.
Passei outros períodos menores
sem fumar. Uma vez 10 dias, de outra vez 20 dias.
Eu me sinto traído pela minha
família brasiliense, nós éramos seis fumantes. Só eu continuo. Meu irmão,
paulistano, também profissional, já não tem o isqueiro dourado e nunca saiu
desesperado para comprar cigarros pela noite afora. Bons profissionais:
compramos de pacote.
Minha voz estava muito rouca. Ela
vinha piorando muito. Até a poeira no meu trabalho me incomodava. Ninguém mais
me ouvia. O médico disse que teria de fazer uma cirurgia, para tirar o calo das
cordas vocais. Decretou: você tem de parar de fumar! Odeio médicos. Nos 15 dias
que antecederam a cirurgia eu não fumei. Era páscoa de 2001. Aproveitei para
fazer uma cirurgia que diminuísse o meu ronco. A cicatrização foi dolorosa e
sem cigarros. O drama foi abrir o envelope com o resultado da biópsia. Câncer?
Levei um dia para abrir o maldito envelope.
Negativo. Eu sabia, meu
companheiro não iria me trair.
Eu deveria retornar depois de
seis meses para nova laringoscopia. Sem fumar.
Jamais retornei ao médico,
somente ao cigarro.
Já tentei diversas formas.
Combinação das diversas formas. Acho que existem tantas formas quantos existem
de regimes para emagrecer.
Pouco importa. Juntei tudo,
analisei minhas fraquezas e derrotas e marquei mais uma data. Sábado. Descobri
depois que a data era cabalística ou metafísica: 02.02.2002.
Algumas coisas foram diferentes
desta vez. Eu estava decidido a mudar muitas coisas na minha vida. Um livro me
ajudou a ter auto-estima e trabalhar com metas.
Parei, fiz exercícios, não
engordei, não substituí por comida, tomei muita água, comi muita cenoura.
Sou profissional. Já faz um ano
que estou sem fumar. Mas continuo profissional. Muitas vezes já estive prestes
a comprar um maço vermelho e branco. Aspirei a fumaça de vizinhos. Não me
tornei xiita. Não senti melhora no meu fôlego, nem no meu bem-estar. O dentista
já fez uma limpeza nos meus dentes. Tá bom, eu confesso, o meu olfato melhorou.
Sempre tive medo do vício. Sou
profissional. Passei o pior ano da minha vida. Com pressões que não desejo ao
meu pior inimigo. Separação, depressão, desemprego, solidão, vontade de ir ao
Inferno, ansiedade, venda de casa própria. Mas não fumei.
Os artigos em que descrevem que
as fábricas de cigarro escondem uma química viciante na fumaça dos cigarros me
deu uma força enorme ao descobrir que não sou fraco. Minha luta é solitária
contra uma poderosa e milionária máquina.
Nesse período de ausência de
cigarro, teve um médico – odiosos médicos! – Dráuzio Varella, que me deu uma
ajuda, ao mostrar que eu era do tipo especial: profissional, e por isso a minha
luta seria inglória. Não sou profissional, o meu primeiro cigarro será o retorno
ao vício. Sou um viciado.
ODE AO
CIGARRO. Ou seria ÓDIO AO CIGARRO?
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