Operação Valquíria
Era a noite do dia 19 de julho de 1944. Em Berlim, no
seu alojamento solitário, o coronel alemão Claus Schenk von Stauffenberg
repassava informações e o plano para colocar uma bomba no bunker de Adolph
Hitler no dia seguinte.
Von Stauffenberg caminhava nervosamente de um canto ao
outro do quarto e revivia a angústia da reunião de dissidentes do alto comando ocorrida há vinte dias. Naquela
tarde ficara claro para todos os oficiais que a partir da invasão da Normandia,
o Dia D, a guerra estava perdida. Seria apenas uma questão de tempo para que a
Alemanha fosse arrasada e humilhada. Os aliados, entre si, acertaram, no
tratado de Teerã, que só interessava a rendição incondicional da Alemanha
nazista. Desta forma não havia nenhuma possibilidade de acordo de paz em separado. Mas, para
evitar que a Alemanha fosse invadida e subjugada pelos bárbaros russos, seria
necessário um pacto com os americanos e ingleses. A solução seria a eliminação
do Führer e a neutralização da poderosa SS. O grupo resolveu se opor justamente
ao lema da SS – Schutzstaff –
“Minha honra é a lealdade”.
Von Staffenberg pegara sua caderneta e relera as palavras do General Ludwig
Beck "A obediência de um soldado encontra seus limites onde seu
conhecimento, sua consciência e sua responsabilidade proíbem-no de
obedecer ordens.". O coronel alemão sabia que estas palavras, se lidas por
alguém da SS, significariam a própria morte. Deu um sorriso de leve e
questionou qual seria a sua condenação após o atentado. Considerou que não
precisava se preocupar com anotações e concentrou pensamentos na ação.
A decisão está tomada. Amanhã,
bem cedo, pego o avião e pouso por volta das dez horas em Rastenburg. O
motorista estará me esperando para percorrer os seis quilômetros de poeira até
a Toca do Lobo.
A reunião do alto comando está
prevista para meio-dia. Às onze e meia faço um lanche rápido junto com meu
ajudante de ordens, tenente von Häften,
confirmo o horário da reunião, peço licença para trocar a camisa empoeirada com
a ajuda de von Häften. Todos sabem que preciso de ajuda desde que perdi meu
braço direito e ainda dois dedos da mão esquerda. Von Häften engatilhará as duas
bombas quebrando a cápsula de ácido que dissolve o fio que retém a bomba. O
petardo explodirá ente dez e vinte minutos depois. Terei apenas cinco minutos
para posicionar a valise sob a mesa e sair. Não há como desarmá-las. Estarei na
sala de reuniões e von Häften me chamará para atender um telefonema urgente.
Sairemos juntos, passaremos pelo alojamento e pegaremos o carro para ir até a
pista de Wilhelmsdorf, de onde voarei para Berlim para ir ao Ministério da
Guerra participar do levante contra o governo. Estará realizada a operação
Valquíria (3).
Não foi do dia para a noite
que mudei de opinião.
Eu me lembro bem, embora já
tenham passado dois anos, quando eu estava com Rommel no norte da África.
Eu pouco conhecia o glorioso marechal-de-campo Erwin
Rommel, a Raposa do Deserto. Ouvíamos as últimas notícias vindas da Alemanha.
“Hoje a polícia prendeu o judeu Davi Stern que convidou crianças a lamber
chocolate numa chapa de ferro congelada. As crianças foram atraídas pelo doce e
numa armadilha infernal ficaram grudadas pela língua molhada. Essas três
inocentes crianças foram mutiladas gratuitamente por um ser desprezível que
gargalhava de prazer ao ouvir os gritos do desespero infantil.”
— Schweinehund! – porco imundo – berrou Rommel
desligando o rádio. — Maldito Heydrich! É insuportável esta maldita e mentirosa
propaganda anti-semita. Este cachorro safado vive criando falsas histórias para
colocar os alemães e o mundo contra os judeus.
Fiquei nervoso e balancei a cabeça negativamente, Rommel em vez de ficar
chocado com a crueldade do judeu, xingara o número dois da SS. Rommel, um homem
frio e calculista, externara sua opinião para mim, um quase desconhecido, e,
percebendo meus olhos arregalados, resolveu argumentar para fundamentar sua
opinião.
— Sabe Claus, eu acreditei e lutei pela nossa Alemanha durante todo este
tempo até que descobri que Goebbels, nosso ilustre ministro da propaganda, que
vive alardeando grandes vitórias e conquistas, é um grande mentiroso. Minhas
vitórias no deserto, de acordo com a língua de Goebbels, foram estrondosas,
foram épicas! Passei a ser um herói imbatível e um orgulho para a raça ariana,
quando na verdade também tivemos perdas valorosas. Eu dispunha apenas de
equipamento melhor, e, modéstia à parte, um pouco de esperteza. Goebbels
exaltava os alemães enquanto a verdadeira função de Heydrich, no serviço
secreto, era criar boatos para desestabilizar os inimigos e fazer o mundo
acreditar que os judeus eram o demônio na face da terra.
— Mas está provado cientificamente, meu comandante, que somos uma raça
superior...
— Haha! Os cientistas foram contratados pelo Führer. Você ainda se lembra
da Noite dos Cristais?
— Como alguém pode se esquecer daquele inverno de 38?
— Aposto que você ficou chocado quando aquele moleque judeu assassinou
com requintes de crueldade nosso diplomata, não é mesmo?
— Eu e toda a Alemanha.
— O judeu nunca existiu. Foi a SS que eliminou o idiota incompetente
metido a diplomata, botou a culpa no judeu, depois colocou um monte de
militares à paisana para empurrar a população incentivada pelo rádio. O
resultado foi uma centena de judeus mortos, dúzias de sinagogas queimadas e a
depredação do comércio judeu em toda Alemanha. — Rommel exibiu um sorriso irônico
e continuou — O vidro quebrado das vitrines serviu apenas para criar um nome
poético: Noite dos Cristais. — Das war
der Anfang, mein Freund. — este foi o começo, meu amigo.
— Eu estou pasmo, meu marechal. Mas como o senhor me explica aquele
discurso do Goebbels no ano passado, lá no Palácio dos Esportes? Goebbels
perguntou para o povo se queriam a guerra total e catorze mil vozes animadas
disseram sim e depois repetiram que sim.
— Mentiras! O discurso foi uma encenação gravada para
transmissão por rádio e para os cinemas. Depois da derrota em Stalingrado, a
intenção era entusiasmar os ouvintes e principalmente recuperar o moral dos
soldados nas frentes de batalha, por isso, Goebbels referiu-se ao apoio da
platéia presente, com uma centena de vaquinhas amestradas infiltradas –
ressaltou – como sendo uma amostra da sociedade em seu todo. Todos ficaram
empolgados por conta de uma farsa, de uma mentira. Todos mentem, todos mentem.
O discurso foi gravado durante a semana e no estádio só houve encenação,
teatro. – Alle lügen – Todos mentem.
Naquele
fim de tarde meus olhos foram arregaçados para alguma coisa que eu já enxergara
e em que não ousara crer. Em pouco tempo descobri que havia outros oficiais
descontentes com a condução do governo da nossa Alemanha.
Jamais passou
pela minha cabeça o assassinato do Führer. Jamais passou pela minha cabeça que
eu seria o assassino do Führer. No mundo ninguém tem noção do que está
acontecendo, nem os alemães, nem os nossos inimigos. A solução deve vir por
aqueles que sabem. Pelos meus filhos e pelo futuro da Alemanha, estamos certos.
Farei o que deve ser feito.
Olhei par o
relógio.
Já são quase
dez horas da noite, toda a Alemanha canta junto com Marlene Dietrich a bela
canção Lili Marlene antes do
encerramento das transmissões radiofônicas.
Von
Stauffenberg abre sua caderneta e com um lápis anota:
“Fizemos o exame de consciência diante de Deus e a ação
deve se realizar, pois este homem é a encarnação do mal. Queremos uma nova
ordem, que faça todos os alemães portadores do Estado e que lhes garanta
Direito e Justiça. Se tiver sucesso, serei considerado traidor de minha pátria;
se falhar, me considerarei traidor de minha própria consciência.”
O desfecho do atentado
A reunião foi transferida na última hora do bunker para um barraco de madeira.
O bunker por ser de concreto armado teria os efeitos da bomba multiplicados.
A reunião também foi antecipada em meia hora assim, o mutilado von Stauffenberg
conseguiu ativar apenas um dos dois explosivos previstos.
A bomba colocada sob a mesa, a meio metro de Hitler, foi afastada por um
general que ficou incomodado com a presença da maleta.
A explosão matou quatro e feriu outras onze pessoas, mas não foi o suficiente
para matar o ditador.
Von Stauffenberg foi preso e executado no dia seguinte.
Hitler ordenou vingança implacável a Himmler, chefe da SS. Consequentemente
foram mortos quase 5.000 pessoas.
O herói Rommel foi convidado a se suicidar
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