14 fevereiro 2017

Operação Valquíria

Em 2007, escrevi como teria sido o dia do oficial alemão na véspera do famoso atentado em que ele colocou uma bomba aos pés do Führer no maior atentado contra o ditador.

Em 2009, nos cinemas de todo o mundo Tom Cruise interpreta Claus Schenk von Stauffenberg, oficial alemão em Operação Valquíria.



Operação Valquíria



Era a noite do dia 19 de julho de 1944. Em Berlim, no seu alojamento solitário, o coronel alemão Claus Schenk von Stauffenberg repassava informações e o plano para colocar uma bomba no bunker de Adolph Hitler no dia seguinte.
Von Stauffenberg caminhava nervosamente de um canto ao outro do quarto e revivia a angústia da reunião de dissidentes do alto comando ocorrida há vinte dias. Naquela tarde ficara claro para todos os oficiais que a partir da invasão da Normandia, o Dia D, a guerra estava perdida. Seria apenas uma questão de tempo para que a Alemanha fosse arrasada e humilhada. Os aliados, entre si, acertaram, no tratado de Teerã, que só interessava a rendição incondicional da Alemanha nazista. Desta forma não havia nenhuma possibilidade de acordo de paz em separado. Mas, para evitar que a Alemanha fosse invadida e subjugada pelos bárbaros russos, seria necessário um pacto com os americanos e ingleses. A solução seria a eliminação do Führer e a neutralização da poderosa SS. O grupo resolveu se opor justamente ao lema da SS – Schutzstaff – “Minha honra é a lealdade”.
Von Staffenberg pegara sua caderneta e relera as palavras do General Ludwig Beck "A obediência de um soldado encontra seus limites onde seu conhecimento, sua consciência e sua responsabilidade proíbem-no de obedecer ordens.". O coronel alemão sabia que estas palavras, se lidas por alguém da SS, significariam a própria morte. Deu um sorriso de leve e questionou qual seria a sua condenação após o atentado. Considerou que não precisava se preocupar com anotações e concentrou pensamentos na ação.
A decisão está tomada. Amanhã, bem cedo, pego o avião e pouso por volta das dez horas em Rastenburg. O motorista estará me esperando para percorrer os seis quilômetros de poeira até a Toca do Lobo.
A reunião do alto comando está prevista para meio-dia. Às onze e meia faço um lanche rápido junto com meu ajudante de ordens, tenente von Häften, confirmo o horário da reunião, peço licença para trocar a camisa empoeirada com a ajuda de von Häften. Todos sabem que preciso de ajuda desde que perdi meu braço direito e ainda dois dedos da mão esquerda. Von Häften engatilhará as duas bombas quebrando a cápsula de ácido que dissolve o fio que retém a bomba. O petardo explodirá ente dez e vinte minutos depois. Terei apenas cinco minutos para posicionar a valise sob a mesa e sair. Não há como desarmá-las. Estarei na sala de reuniões e von Häften me chamará para atender um telefonema urgente. Sairemos juntos, passaremos pelo alojamento e pegaremos o carro para ir até a pista de Wilhelmsdorf, de onde voarei para Berlim para ir ao Ministério da Guerra participar do levante contra o governo. Estará realizada a operação Valquíria (3).
Não foi do dia para a noite que mudei de opinião.
Eu me lembro bem, embora já tenham passado dois anos, quando eu estava com Rommel no norte da África. Eu pouco conhecia o glorioso marechal-de-campo Erwin Rommel, a Raposa do Deserto. Ouvíamos as últimas notícias vindas da Alemanha.
“Hoje a polícia prendeu o judeu Davi Stern que convidou crianças a lamber chocolate numa chapa de ferro congelada. As crianças foram atraídas pelo doce e numa armadilha infernal ficaram grudadas pela língua molhada. Essas três inocentes crianças foram mutiladas gratuitamente por um ser desprezível que gargalhava de prazer ao ouvir os gritos do desespero infantil.”
— Schweinehund! – porco imundo – berrou Rommel desligando o rádio. — Maldito Heydrich! É insuportável esta maldita e mentirosa propaganda anti-semita. Este cachorro safado vive criando falsas histórias para colocar os alemães e o mundo contra os judeus.
Fiquei nervoso e balancei a cabeça negativamente, Rommel em vez de ficar chocado com a crueldade do judeu, xingara o número dois da SS. Rommel, um homem frio e calculista, externara sua opinião para mim, um quase desconhecido, e, percebendo meus olhos arregalados, resolveu argumentar para fundamentar sua opinião.
— Sabe Claus, eu acreditei e lutei pela nossa Alemanha durante todo este tempo até que descobri que Goebbels, nosso ilustre ministro da propaganda, que vive alardeando grandes vitórias e conquistas, é um grande mentiroso. Minhas vitórias no deserto, de acordo com a língua de Goebbels, foram estrondosas, foram épicas! Passei a ser um herói imbatível e um orgulho para a raça ariana, quando na verdade também tivemos perdas valorosas. Eu dispunha apenas de equipamento melhor, e, modéstia à parte, um pouco de esperteza. Goebbels exaltava os alemães enquanto a verdadeira função de Heydrich, no serviço secreto, era criar boatos para desestabilizar os inimigos e fazer o mundo acreditar que os judeus eram o demônio na face da terra.
— Mas está provado cientificamente, meu comandante, que somos uma raça superior...
— Haha! Os cientistas foram contratados pelo Führer. Você ainda se lembra da Noite dos Cristais?
— Como alguém pode se esquecer daquele inverno de 38?
— Aposto que você ficou chocado quando aquele moleque judeu assassinou com requintes de crueldade nosso diplomata, não é mesmo?
— Eu e toda a Alemanha.
— O judeu nunca existiu. Foi a SS que eliminou o idiota incompetente metido a diplomata, botou a culpa no judeu, depois colocou um monte de militares à paisana para empurrar a população incentivada pelo rádio. O resultado foi uma centena de judeus mortos, dúzias de sinagogas queimadas e a depredação do comércio judeu em toda Alemanha. — Rommel exibiu um sorriso irônico e continuou — O vidro quebrado das vitrines serviu apenas para criar um nome poético: Noite dos Cristais. — Das war der Anfang, mein Freund. — este foi o começo, meu amigo.
— Eu estou pasmo, meu marechal. Mas como o senhor me explica aquele discurso do Goebbels no ano passado, lá no Palácio dos Esportes? Goebbels perguntou para o povo se queriam a guerra total e catorze mil vozes animadas disseram sim e depois repetiram que sim.
            — Mentiras! O discurso foi uma encenação gravada para transmissão por rádio e para os cinemas. Depois da derrota em Stalingrado, a intenção era entusiasmar os ouvintes e principalmente recuperar o moral dos soldados nas frentes de batalha, por isso, Goebbels referiu-se ao apoio da platéia presente, com uma centena de vaquinhas amestradas infiltradas – ressaltou – como sendo uma amostra da sociedade em seu todo. Todos ficaram empolgados por conta de uma farsa, de uma mentira. Todos mentem, todos mentem. O discurso foi gravado durante a semana e no estádio só houve encenação, teatro. – Alle lügen – Todos mentem.
            Naquele fim de tarde meus olhos foram arregaçados para alguma coisa que eu já enxergara e em que não ousara crer. Em pouco tempo descobri que havia outros oficiais descontentes com a condução do governo da nossa Alemanha.
Jamais passou pela minha cabeça o assassinato do Führer. Jamais passou pela minha cabeça que eu seria o assassino do Führer. No mundo ninguém tem noção do que está acontecendo, nem os alemães, nem os nossos inimigos. A solução deve vir por aqueles que sabem. Pelos meus filhos e pelo futuro da Alemanha, estamos certos. Farei o que deve ser feito.
Olhei par o relógio.
Já são quase dez horas da noite, toda a Alemanha canta junto com Marlene Dietrich a bela canção Lili Marlene antes do encerramento das transmissões radiofônicas.
Von Stauffenberg abre sua caderneta e com um lápis anota:
“Fizemos o exame de consciência diante de Deus e a ação deve se realizar, pois este homem é a encarnação do mal. Queremos uma nova ordem, que faça todos os alemães portadores do Estado e que lhes garanta Direito e Justiça. Se tiver sucesso, serei considerado traidor de minha pátria; se falhar, me considerarei traidor de minha própria consciência.”


As luzes do quartel são apagadas.



1 - A Schutzstaffel – escudo de proteção – ou SS, foi uma organização paramilitar ligada ao partido nazista.
2 - Toca do Lobo – Wolfschanze – o QG de Hitler em Rastenburg, na Prússia Oriental.
3 -  Valquíria, é o título da ópera de Richard Wagner – segunda parte da tetralogia “O Anel do Nibelungo”.



O desfecho do atentado

A reunião foi transferida na última hora do bunker para um barraco de madeira. O bunker por ser de concreto armado teria os efeitos da bomba multiplicados.

A reunião também foi antecipada em meia hora assim, o mutilado von Stauffenberg conseguiu ativar apenas um dos dois explosivos previstos.

A bomba colocada sob a mesa, a meio metro de Hitler, foi afastada por um general que ficou incomodado com a presença da maleta.

A explosão matou quatro e feriu outras onze pessoas, mas não foi o suficiente para matar o ditador.

Von Stauffenberg foi preso e executado no dia seguinte.

Hitler ordenou vingança implacável a Himmler, chefe da SS. Consequentemente foram mortos quase 5.000 pessoas.

O herói Rommel foi convidado a se suicidar

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