28 fevereiro 2017

Credenciamento

Capítulo do Manual do escritor




2.7 Credenciamento
Significa dar créditos, valores ou poderes ao personagem para que suas ações sejam coerentes com as consequências.
Por exemplo, se ele for policial e acertar um tiro improvável, é necessário informar ao leitor que ele treina tiro sistematicamente ou que é sortudo por natureza. Outro exemplo: para o chefe explodir de raiva no departamento deve ser mostrado em cena anterior que ele se descontrola facilmente.

Credenciar é habilitar o personagem
antes do conflito em que alguma
característica seja importante.

O credenciamento pode ser sutil como a descrição de um cenário.
Se desejamos mostrar o sonho de um jovem romântico em conhecer a Áustria, podemos qualificá-lo ao penduramos um pôster amarelado retratando um castelo no topo da montanha. O amarelado indicará o desejo antigo.
Credencie com recortes da vida do personagem.
 Mostre o jovem alugando filmes que se passam na Áustria. Revele quanto deposita na caderneta de poupança. Conte como estuda o mapa austríaco ao som de valsas.
O credenciamento é diferente da caracterização.
Na caracterização se apresentam informações sobre as personagens como aparência, idade, gênero, profissão, posição social, motivações. Esses elementos permitem melhor concepção e desenvolvimento, tornando-os mais realistas e complexos.

Entre os jovens está na moda criar mangás, histórias em quadrinhos de origem japonesa. Neles, o poder elemental é um clássico absoluto. É gerado a partir dos elementos como água, fogo, terra, ar e derivados como a luz, a treva, a eletricidade, o gelo. A partir dessas forças, o herói ou o vilão – devidamente credenciado – poderá emanar rajadas de energia extremamente poderosas.
Observe um credenciamento:

O capote – Nicolau Gógol – conto
No departamento ninguém lhe prestava o menor respeito. Os guardas, além de não se levantarem quando ele passava, nem chegavam a lhe dirigir o olhar, como se fosse uma simples mosca que voava pela sala de recepção. Os superiores o tratavam com uma frieza despótica. Qualquer subchefezinho da repartição colocava-lhe a papelada sob o nariz sem sequer dar-se ao luxo de dizer: "Copie", ou “Eis um trabalhinho interessante, bom" ou algo agradável, como se faz entre funcionários bem educados. E ele ia recebendo, olhando apenas o papel, sem procurar ver quem lhe entregara e se tinha obrigação de fazê-lo. Recebia e no mesmo instante começava a escrever. Os funcionários jovens zombavam e gracejavam dele o quanto permitia o humor de chancelaria, contavam mesmo em sua presença toda sorte de histórias que envolviam a sua pessoa: a sua senhoria, uma velha de setenta anos; diziam que a velha lhe batia, perguntavam quando os dois iam casar-se, faziam-lhe chover sobre a cabeça bolinhas de papel e diziam que era neve. Mas Akaki Akakiévitch não respondia uma palavra, como se não houvesse ninguém diante dele: em meio a todas essas amolações não cometia um só erro no seu trabalho. Só mesmo quando a brincadeira passava do limite, quando alguém lhe empurrava o braço, perturbando-o no trabalho, é que ele falava: "Deixem-me em paz. Por que me magoam?"
Akaki Akakiévitch é um subordinado, submisso, alvo de zombaria, desrespeitado, pessoa de rotina e sem ambição. Tipicamente um personagem plano. Para ressaltar a qualidade imutável, empregou mesmo três vezes num único parágrafo.

Casamento em crise – Roberto Klotz – conto
Ela, Ana Maria, se diz dona-de-casa, mas os invejosos chamam de dondoca. Diariamente dorme até às nove horas para depois cuidar do corpo. Joga tênis duas vezes por semana e faz musculação na academia nos outros três dias. À tarde tem uma rotina árdua. Às segundas vai ao supermercado, às terças e quintas joga pife, às quartas tem aula de pintura e às sextas-feiras vai à massagista antes do cabeleireiro. Aos sábados, enquanto o marido joga golfe, visita lojas de moda e calçados. Desde pequena foi acostumada ao conforto pelo pai, dono da transportadora.
Contrariando a fala da protagonista, confirmou-se a maledicência mostrando o dia a dia dela.

           Também credenciamos cenários e objetos. Um vale entre as montanhas pode ser fértil e propício para a vida ou pode ser um lugar sombrio que engole exploradores. Uma corda pode enforcar ou içar baldes d’água de um poço para salvar vidas.
Personagens, cenários, objetos, tudo pode ser credenciado para melhor desempenho da função na história

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