05 outubro 2017

Mulheres que mordem



mulheres que mordem

BEATRIZ LEAL

Ímã Editoral
120 páginas
R$ 45,00








Há diversas formas de começar um livro.
A minha, costumeiramente, é pela capa. A imagem é de sensualidade quase explícita.  Mas o título não corresponde ao desenho. Então fui impactado pela segunda vez com uma questão mentalmente não resolvida.
A dica do enigma veio na contracapa falando em quatro mulheres, quatro mordidas. Aí percebi a genial simbiose da ilustração com o título. Sou leigo em botânica. Mulheres são representadas pelas flores enquanto a mordida é símbolo da agressividade, da pessoa guerreira então nada melhor que uma planta carnívora. A percepção sexual fica para a cabeça pervertida deste leitor.
Particularmente desgosto de resgate de histórias — tão na moda — dos tempos da ditadura. Seja de um lado ou de outro.
Este tem alguns diferenciais. Foi finalista do Jabuti, é de autora jovem que não vivenciou aqueles tempos, é brasiliense, foi indicada pelo clube de leitura e me entregou o livro com uma dedicatória.
Imagino que tenha sido tarefa difícil escrever sobre a ditadura argentina que a autora não vivenciou.
Em cada capítulo conhecemos pedaços de histórias de personagens.
Em inteligente combinação, o nome dos personagens – em negrito – inicia capítulos quando não são os visivelmente reconhecíveis relatórios ou as cartas – em itálico – de Rosa.
Os personagens foram bem trabalhados de modo que cada um tivesse “voz” e personalidade diferenciada.
 A narradora apresenta Elena como obsessiva esposa de militar, que “só teria de aprender a conviver com a disciplina que já tinha contaminado os passos de Ramiro.”... “Ela se ocupava contando quantas mastigadas havia dado no frango, movimentando a arcada dentária inferior em direção à superior no ritmo da música que tocava”... “Elena só não contava mastigadas quando ouvia de longe os passos fortes de Ramiro. Cinco anos depois, ela sabia que ele precisava invariavelmente de 59 passos para chegar do quarto á cozinha, de manhã, após acordar.”.
  Laura, a arredia filha adotada, é apresentada em época diferente. Já adulta. “tomando cuidado para não tropeçar nas raízes protuberantes de árvores”... “E sente um leve prazer quando tropeça, mapeando qual foi o pensamento responsável por fazê-la parar de prestar atenção no chão.”... “Criou um tipo de intimidade com a cidade que ninguém mais tira. No entanto, há dias em que ainda sente uma peça vazia.”.
Por meio das cartas sabemos que Rosa é mãe da militante Clara. 
Conhecemos o torturador por meio do relatório de entrevista na imigração.
À pergunta “— E por que ela foi mantida viva tanto tempo?” Respondeu: “Quando ela chegou, logo descobriram que estava grávida, e de pouco tempo ainda. Então mantiveram-na, até o bebê nascer, em regime especial. Para que não abortasse espontaneamente, a gente tinha limite nas metodologias que podíamos aplicar. Tínhamos que conseguir  alguma informação, mas os limites para mulheres grávidas eram mais estabelecidos. Era como se os bebês dessem a elas um pouco de chance a mais. Não entendo por quê, se a ideia era que todo mundo morresse mesmo. “.

Os conflitos aos poucos se fecham em torno de um final não previsível, mas quase feliz, porque não há felicidade possível na opressão.

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