30 agosto 2008

Piercings e morangos


Depois do expediente eu estava com vontade de comer alguma coisa, por isso quando entrei no barzinho, em vez das pessoas, procurei olhar para os pratos. Ainda era cedo, poucos mastigavam, até havia alguns lugares para sentar. Passei por três mesas repletas de cervejas, velas coloridas, cachacinhas de alambique e amendoins em pequenas vasilhas transparentes. Na quarta mesa havia uma pizza. Quatro taças de café e uma pizza individual recém-entregue. Uma pizza de morangos com queijo derretido escorrendo do prato. A repugnância provocou-me contrações mal disfarçadas. Olhei para o dono do prato. Era de uma mulher que combinava com pizza de morango. Uma refeição estranha para uma pessoa estranha. Não há o que descrever na estranhíssima comida, mas a moça já passou dos vinte anos, madura, isso é certo.

Cabelos negros com cachos cuidadosamente esculpidos pelo vento. Um delicado brinco sobressai na sobrancelha bem cuidada que emoldura olho de alegria faiscante. O rosto comprido e os cabelos curtos revelam dois piercings na parte superior da orelha. No lóbulo, uma pedra sinaliza verde para mim.

Sentei-me numa mesa favorável ao voyeurismo explícito à dona dos piercings e morangos

Sob a manga comprida do casaco, perto do pulso direito, traços escuros sugerem uma tatuagem. A postura ereta denota pessoa de personalidade forte - fiz tatoo, botei piercing, falo palavrão e faço careta - ela exerce um certo domínio na conversa, uma espécie de liderança. As três amigas da mesa são mais jovens que ela. É deselegante falar em idade após os vinte. Após os trinta, há, é falta, de educação.

Ela percebe que eu a observo e sorri discretamente sem interromper a fala.

Acho graça. Como posso simpatizar com alguém que come pizza de morangos? E se delicia lascivamente?

Ela é uma mulher diferente com seus atrativos metálicos. É extrovertida e expansiva apesar do olhar carente.

Ela leva as duas mãos para o botão superior do casaco. Abre e segue suavemente para o segundo botão. Ela não olha para mim e abre provocativamente. Uma blusa preta apertada surge por debaixo do casaco. Quando as mãos abrem o terceiro e último botão ela, tira o casaco sensualmente livrando os ombros e desnudando enormes tatuagens multicoloridas em ambos os braços. Recebo uma piscadinha maliciosa e em seguida os botões rapidamente voltam para suas casas e enclausuram surpresas.

O impacto foi devastador. Tão excitante quanto uma cruzada de pernas sem calcinhas.

– Uma cerveja, bem gelada e – estalei os dedos – por favor, um cardápio. – Pedi ao garçom.

Ela é uma mulher de vanguarda, lança moda e modismos. Não tenho dúvida nenhuma. É uma líder. Se ela criar uma expressão nova, o grupo vai imitar. Se ela usar um capacete de bombeiros, passará a ser o uniforme da empresa no dia seguinte. Depois que ela pediu pizza de morangos e lambeu os dedos será destronada, perderá o trono de rainha. Será apenas uma louca sem paladares que come pizza de morangos acompanhada de café. Argh!

Prefiro comer comida salgada. Procuro por pizzas no cardápio. Encontro empadas, crepes e coxinhas recheadas. Nada de pizzas. Nenhuma única pizza.

– Ó, garçom! Por favor eu quero comer uma pizza, traga-me o cardápio das pizzas.

– Não servimos pizzas aqui.

– Mas naquela mesa – apontei com o nariz – estão comendo uma.

– Aquele prato, senhor, é nosso carro-chefe, waffle com sorvete de creme e morangos. Aparências enganam.

25 agosto 2008

Fim do assédio moral

No dia 25 de dezembro o policial chegou ao vigésimo quinto andar e abriu a porta, nem precisou arrombar. A negra cortina do escritório balançava ao vento transformando meio-dia em caverna. Apesar dos telefones nas dezenas de mesas, o silêncio era ensurdecedor, ninguém na sala, só uma folha de papel jazia no chão.
Dr. Paulo, o senhor queria que eu desse meu sangue para a empresa. Conseguiu.
O brilho de um monitor de computador sugeria ter sido aquela a penúltima janela do morto no térreo.

22 agosto 2008

Todo mundo nu



Seu Adolfo gostava muito de cinema.
Mandava apagar a luz e abrir o gás.

13 agosto 2008

Cidade letrada

HCGN
SQS
SMPW
CLS
EQN

Cidade letrada.
Mentira
Cidade estuprada.
Verdade
Todos vêm aqui tirar um pedaço
de você e de mim!
Falta algema,
Cidade leva fama.
 
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