22 novembro 2007

Calção sem elástico

– Quer ir comigo? Perguntou a apetitosa balzaquiana dentro do elevador.
Antes da pergunta minha resposta já estava pronta: por essa vizinha faço qualquer coisa, até derrubo o presidente e a promovo rainha.
Nossos encontros no elevador não são nada casuais, eu sou apreciador das coisas boas da natureza, chamo o elevador exatamente às 7h15, justo na hora em que ela sai para malhar na academia usando roupinhas coloridas. Prefiro caminhar próximo de casa, em torno da quadra, considero um contra-senso pegar o carro para fazer exercícios. Algumas vezes trocamos olhares e bons-dias quando me atrevo a caminhar até o parque situado a três mil passos de casa. Hoje estou usando meu calção mais antigo. Sempre achei que ele fosse sensual. Agora tenho a prova definitiva. O calção faz a diferença.
Hoje ela está mais cheirosa do que nunca e me pergunta se eu quero ir com ela. Será que devo me ajoelhar e agradecer o atendimento às minhas preces ou simplesmente dizer sim? Será que devo responder que prefiro caminhar perto de casa desviando de cocôs caninos camuflando meu longo compromisso com a namorada? Respondo numa linha defensiva.
– Será um prazer acompanhá-la, se você tiver paciência com os passos lerdos de alguém da minha idade. – Com certeza dirá que não estou velho, que estou enxuto e outros elogios mais...
– Eu já reparei que seus passos são rápidos. O senhor não está tão velho assim. Eu amo esses cabelinhos brancos que o senhor tem nas têmporas...
Enquanto me derretia com as doces palavras ela continuou: – O senhor é tão meigo, tão suave, posso chamá-lo vovô?
Quase desisti de ir ao parque.
Chegamos à garagem e fomos direto à vaga onde estava o carrinho da jovem.
Até o parque não trocamos palavras.
Do lado de fora do carro tirei a camisa antes de fechar a porta. Não são apenas as plantas que fazem fotossíntese.
Na entrada do parque coloquei o celular num bolso, o molho de chaves no outro bolso e perguntei se ela vinha com regularidade ao parque para caminhar.
– Gosto de vir aqui. É sossegado, não tem bicicletas zunindo nem cachorros latindo. – Ela respondeu provocando meu assunto recorrente.
– A grande vantagem do parque é caminhar despreocupadamente, pois não há cocôs nas trilhas. Nem grandes nem pequenos. Nem recentes nem ressecados. Até o ar é mais limpo.
Não gostei da minha abordagem escatológica e resolvi mudar de assunto. Na verdade eu já estava arrependido de ter vindo. Ser chamado de vovô é até carinhoso. Beldades como aquela podem me chamar como quiserem, contanto que me chamem. O que me incomoda mesmo é o meu calção. Todos os calções estavam para lavar e assim peguei um velho, do fundo da gaveta, que sempre gostei de usar, mas nem me lembrava porque deixara de usar. Agora redescubro o elástico frouxo. E o calção em vez de se fixar na cintura prefere se acomodar nos joelhos. É lógico que o assunto não poderia ser a falta de elástico.
– Estes ipês estão muito bonitos. Qual deles você prefere? O amarelo ou o rosa?
– Prefiro o amarelo. Pena que as flores estão caindo como se fosse chuva.
Pensei que ela fosse dizer: flores caindo como se fossem calções sem elástico.
Dali para frente, a caminhada que era para ser prazerosa tornou-se um martírio. Passei a segurar as calças com as duas mãos. O peso do celular e das chaves multiplicou o poder da gravidade e para piorar, a nossa conversa entrou em queda livre. A inflação cai, o ministro cai, caem os aviões, cai a ligação, peitos e bundas caem. Qualquer que fosse o assunto, caía na vala comum das coisas que caem. A caminhada seguia em passo forte no sol quente. O suor que rolava pela testa era de preocupação em disfarçar o calção cadente.
– O senhor tem filhos?
Com a resposta positiva perguntou se aquele moço forte, loiro, de olhos azuis que estava comigo no elevador ontem era o meu filho. Em vez do calção caiu minha ficha.

17 novembro 2007

Juro que não sou ímpio


Outro dia fiquei indignado ao me chamarem ímpio. Tenho fé, eu acredito e penso que cada um tem o direito de escolher no quê acreditar: trevo de quatro folhas, pé de coelho, figa, Papai Noel, estrela cadente, Nossa Senhora da Pá Virada, patuá, vudu espetado, quadrados mágicos ou o poder estimulante da casca de amendoim torrado.
Na minha cozinha tenho um santuário. É um cantinho no meio dos armários que forma um pequeno triângulo onde acomodo velas, folhas de arruda, três búzios e uma garrafa de Coca-Cola. É um exemplar adquirido em um antiquário. Disse-me o vendedor, conferindo legitimidade à minha imagem, que a aquele exemplar foi resgatado sob a poeira de um bar falido da Rota 66, em pleno deserto do Arizona.
Sempre termino meus dias com uma oração à minha santa, agradecendo o lado Coca-Cola da nossa vida.
Esse refrigerante faz parte da minha vida. Ainda pequeno eu consumia Coca-Cola família que rendia quatro copos ou mais. Anos depois, bebia de uma enorme garrafa com um litro. Que foi superada pelo litrão, com 1,2 litros. Que por sua vez foi substituída pela outra de um litro e meio. Nem me lembro quando substituíram o vidro pelo plástico. O que importa é que a garrafa pet, de dois litros domina o mercado embora eu prefira o vasilhame de dois litros e meio. Mas confesso que o meu sonho de consumo, é ter em casa, uma torneira com Coca-Cola gelada encanada.
Já recebi pela internet várias correntes anunciando o poder milagroso do liquido marrom. Dizem que ele faz desaparecer um osso, quando imerso por dois dias e que um dente-de-leite some em uma semana. Informam também que é um poderoso anti-séptico (ou será anticéptico) na limpeza dos motores de caminhões. Informam que o milagre mais comum acontece com os patrulheiros rodoviários americanos que têm à disposição dois galões do precioso liquido no porta-malas para apagar vestígios de sangue nas estradas após acidentes. É por essas e outras que eu acredito no poder da Coca-Cola.
A Coca-Cola é um santo remédio. Quando estamos solitários nos faz companhia e quando estamos em grupo transmite alegria.
Na minha cozinha tenho um local destinado aos vasilhames do refrigerante. Infelizmente só disponho de espaço para três dúzias de pets. A base do armário é sensível ao peso. Eu explico: quando o peso for menor que seis quilos, equivalente a três pets, uma luz vermelha se acende. E quando o peso é menor que quatro quilos, além da luz vermelha, um alarme sonoro agudo dispara indicando alerta máximo. É necessário repor o estoque imediatamente por ameaça de colapso.
Contei toda esta história para que não haja dúvidas de minha religiosidade e fé.
Ontem aconteceu uma tragédia. Eu ia receber visitas logo mais à noite e a cozinha estava brilhando limpeza. Só faltava alimentar a geladeira e os armários com as compras do supermercado empilhadas pelo chão da cozinha. Num ritual de prêmio, sempre abro um refri ao chegar em casa após a realização da cansativa tarefa das compras. Foi o início da tragédia. A Coca recém adquirida explodiu como vulcão quente molhando a minha cara, a camisa, a calça, o armário e todas as compras. Nem nos desenhos animados existe tsunami tão catastrófica.
Sempre fui temente aos deuses e agora recebi a prova definitiva: a deusa Coca-Cola é vingativa. Provoquei a ira da deusa tomando um gole de Pepsi no supermercado.
Na lava marrom escorrida no armário branco ficou a mensagem: “Não terás outros deuses além de mim.”
Apavorado, ajoelhei-me e jurei não ser ímpio: Coca-Cola, isso é que é.

13 novembro 2007

Dança do acasalamento

Somente o vento do final de tarde de verão domingueiro me resgata da preguiça. Apesar do calor que amoleceu a minha inteligência vou para a rua fazer uma caminhada e levantar as mãos aos céus agradecendo o vento forte e repentino.
O calor nos deixa fracos e cansados. O suor cai da testa, molha o peito e desenha desconforto sob as axilas. O vento sopra alívio. O vento é o ar apressado, é o ar que marca presença. Gira cata-ventos multicoloridos e revira guarda-chuvas. Festeiro é quem convida as roupas a dançar nos varais, levanta saias e, querendo algo mais, desnuda as árvores e levanta pipas.
O vento forte provoca desconforto para as aves menores enquanto as maiores aproveitam para fazer mil acrobacias aéreas.
Bem à minha frente, distante, há uma enorme ave pousada. A cor branca se destaca na folhagem verde escura da árvore. Observo que a ave dança em ritmo frenético como se estivesse provocando o vento para alguma aventura. Pelo tamanho do porte não é uma a pomba. Jamais seria uma gaivota, Brasília fica muito longe do mar. Estamos longe de rios ou lagoas, mesmo assim, acredito ser uma garça numa dança de acasalamento.
Caminho na direção da árvore e conforme me aproximo mais curioso fico tentando decifrar o ritmo do pássaro balançante.Agora, com os meus óculos, e a dez passos reconheço um plástico de supermercado, preso no último galho, sorrindo debochado.
 
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