31 outubro 2016

O céu de Lima
Juan Gómez Bárcena 

Alfaguara

246 páginas

R$ 40,00


Escrever uma crítica literária é desagradável quando o livro desagrada. Neste caso, com O céu de Lima foi prazeroso opinar.
Em 1904, dois sonhadores poetas peruanos que idolatram um poeta espanhol – Juan Ramón Jiménez, cujo mais recente livro não está disponível no país. Acham que se escrevessem uma carta ao autor para solicitar um exemplar não seriam atendidos, então resolvem criar uma personagem, Georgina Hübner, para seduzir o espanhol e, aí sim, encomendar o livro.  Recebem o livro, festejam e contam vantagem entre os amigos também admiradores do europeu. Em vez de se darem por satisfeitos, resolvem dar continuidade à sedução com o objetivo de conseguir um poema dedicado à personagem inventada.
Logo de cara eu amei a faísca que impulsionou o autor a escrever. Depois, confirmei que o mote que originou a história é verdadeiro e Juan Ramón Jiménez veio a ganhar o Nobel de literatura em 1956.
Juan Gómez Bárcena nos conduz por uma história riquíssima, repleta de surpresas, expectativas e realismo.
Além de desenvolver a história, revela deliciosamente a personalidade, modo de vida e entrelaçamento dos diversos personagens
Em resumo, José Gálvez Barrenechea, de família ilustre, é bastante objetivo para conseguir o almejado poema, enquanto Carlos Rodríguez, filho de empresário que venceu ao explorar índios nos seringais, redige com letra feminina as cartas desenvolvidas em conjunto e praticamente incorpora Georgina na tentativa de sedução.
O conjunto de cartas, estimulado por um escriba de cartas, se transforma também  para a redação de um romance.
                O narrador relata a sua versão ambientada cem anos atrás.  É uma história de vida, de amor, de relacionamentos e de literatura. De literatura porque insere dezenas de informações para produzir um romance.
Construção de personagem: para seduzir, o escriba de cartas sugere que “o que se mostra pela metade sempre sugere mais do que o que se mostra por completo.” E completa: “porque mostrar-se demais é tão pouco sedutor como não se mostrar em absoluto.” E hilário informa que para se fingir de mulher “basta acrescentar uns quantos ‘não sei’, ‘acho que ‘, e ‘tenho a impressão’, porque as mulheres hesitam muito. E reticências também; todas que puder. E depois a questão da caligrafia: mais complicada do que parece. Mas fora isso... sabe qual é o segredo? Imaginar-se uma mulher que você amou. E como todos os homens somos parecidos, é de esperar que o sujeito a quem escrevemos compartilhe a nossa maneira de ver as coisas...”
Algumas páginas depois põe em prática a sugestão.
“Georgina é a mesma prostituta polaca outra vez.
A prostituta polaca se ainda fosse virgem seis anos depois.
A prostituta polaca se não fosse prostituta nem polaca; se em vez de ter nascido na Galícia e ter sido vendida por vinte copeques, tivesse nascido numa mansão de Miraflores e recebido presentes de quatrocentos dólares em sua festa de debutante.”
Páginas adiante, vale conferir, mostra como seria Georgina na imaginação de José.
Ainda fornece a receita estrutural que “nas páginas centrais de todo romance deve acontecer algo extraordinário.”.
Faltando vinte páginas ensina que: “o final precisa de um efeito dramático, porque os melhores romances de amor terminam em tragédia.”.
Mas o autor faz muito melhor do que recomenda. Surpreende com um final imprevisto.
É certo que o meu olhar de escritor observa atentamente as técnicas do escritor, mas muito mais do que isso, quem se manifesta em aplausos é o meu sentimento de leitor.


11 outubro 2016

Turista

Vai escrever um conto, uma crônica? Um romance?

Nem pense que acrescentando tchê, uai ou meu rei às falas transforma os personagens em gaúchos, mineiros ou baianos. Tampouco situando-os numa roda de chimarrão, na arquibancada do Mineirão ou comendo acarajé na porta da igreja de Nosso Senhor do Bonfim realizará o milagre da transformação.
Pesquise para convencer o leitor.
Se o personagem é surfista, entre na onda.
Se é malandro, suba o morro.
Se é velho, pegue um bonde e visite-o no asilo.
Da mesma forma, estude e entre no cenário onde ocorre a história. Sinta sede no sertão árido, coloque um quipá para rezar numa sinagoga, apavore-se numa cela do terceiro distrito.
De preferência escreva sobre o que está ao seu redor, aquilo que você conhece, pensa ou vive. Sobretudo a respeito daquilo que lhe importa.
Grandes autores não foram turistas, nem precisaram viajar. Guimarães Rosa estava em casa no sertão mineiro. Franz Kafka nem precisou transformar-se para falar de assédio moral. Camus era estrangeiro na própria pele.
Neste Manual do escritor precisei pesquisar, entrevistar e ler muito para me aproximar da verdade, se é que ela existe.

Neste mês de outubro, lançarei o Manual do Escritor. Revisão feita. Está na mão do diagramador. Pense em alguém orgulhoso do trabalho.
 
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