29 janeiro 2008

Entre quatro paredes

A excitação entra no elevador.
O desejo também entra.
Desce o zíper.
Sobe a saia.
Desce a calcinha.
Sobe a volúpia.
Línguas entrelaçadas.
Isso vai ser uma loucura.
Pensa o ascensorista
enquanto aperta o 22.

19 janeiro 2008

Taturana detalhada

Eu me abaixei na calçada para amarrar o tênis e vi uma taturana.

Não era uma taturana qualquer. Era uma bichinha cheia de detalhes.

Tinha sete centímetros de comprimento e um centímetro de diâmetro. Era gordinha, bem rechonchuda. Era um roliço colar de contas alternados em verde e preto cobertos por enormes pelos negros. Na frente: duas antenas. Embaixo, dos dois lados, uma série de perninhas cabeludas escuras. O rabinho terminava em ponta enquanto a cabeça era redonda e com um par de olhos amendoados.

Vi todos esses pormenores na lagarta que começava a atravessar a rua na faixa de pedestres.

Ela estava na faixa branca quando um carro passou zunindo tirando um fininho da sua orelha.

Levantei a vista e vi outro carro se aproximando veloz. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, os pneus do carro tiraram outro fino da lagarta que prosseguia corajosamente seu rumo ao outro lado da rua.

Olhei novamente para a taturana. A rua tem nove metros de largura. A faixa tem doze listras brancas e outras tantas negras. Calculo que na velocidade em que ela segue o caminho deverá levar oito minutos até chegar do outro lado. È muito tempo. Mais de trinta carros vão passar ali antes que ela chegue do outro lado.

Agora seis carros se aproximam. Tenho que tomar alguma providência para alterar o destino da taturana.

Em Brasília os carros param na faixa de pedestres.

Tomo a única decisão possível naquela fração de segundos.

Aceno com a mão direita a minha intenção de atravessar a rua na faixa destinada aos pedestres e os carros respeitosamente param, um atrás do outro. A minha angústia é maior que a da taturana.Vou em direção à lagarta e a esmago impiedosamente.


Moral da fábula: Detalhes podem encurtar a história.

14 janeiro 2008

Navegando


Fui mordido pela rocha,

o vento cozinhou estrela,

a mangueira ficou a vê-la,

defendeu-me a galocha.


Bebo água com canivete,

o telefone se retrata,

no discurso do vira-lata,

sola do pé mais três dá sete.


Máquina de caldo-de-cana,

picolé sorriu com cautela,

sábado acende a chama.


Jacaré tropeçou na goela,

até Baco Ana profana,

tudo é possível com ela.

08 janeiro 2008

A noite em que brochei



Sabe aqueles peitos das mulheres de filmes americanos? Pois é, a Patrícia tem um par desses. O generoso decote exibe muita energia, poder e alegria. Logicamente a alegria fica por conta, apenas, daquele que tiver o privilégio de brincar naquelas montanhas russas. Ou americanas. Ou brasileiras. Sei lá, eu sempre me perco quando estou cercado no vale.
A Patrícia é da área de marketing e são raras as oportunidades que tenho de encontrá-la no trabalho. Aquela exuberância só fica disponível aos meus olhos nas reuniões semestrais. Até propus que as reuniões semestrais fossem todos os meses. Mas parece que a diretoria não quer que outras gerências se relacionem com o pessoal de propaganda e marketing.
Na última reunião além do decote ela veio de saia. Uma saia comportada. Nem chamou a minha atenção, ao menos antes da reunião começar.
As coisas começaram a se complicar quando o destino me colocou na mesa bem à frente da doutora Patrícia. Eu havia me preparado com afinco para aquela reunião de resultados. Uma boa apresentação respaldada em trabalho eficaz poderia definir uma promoção para alguém daquela sala. E eu queria ser promovido.
No momento em que percebi que a exposição de motivos do departamento de marketing estava naquele decote resolvi abaixar a cabeça e concentrar o meu olhar nos meus apontamentos. Foi aí que eu perdi minha promoção.
Patrícia jogou com toda sua capacidade. Ela estava em casa. O terreno era o dela. Ela já sabia onde seria a reunião. Seria na sala com a enorme mesa de tampo de vidro. E ela se preparou muito melhor que eu. Usou de todos os artifícios para me constranger e me desconcentrar. Ela estava sem calcinha. Fui aplicado, conferi direitinho e me certifiquei que ela realmente, deliciosamente, estava sem calcinha. Ela empurrou um bilhete para mim.
– Quer?
Limpei a baba que escorreu pela lateral da minha boca e assenti com a cabeça olhando para o decote. Era impossível olhar para os olhos da doutora Patrícia.
A fama da doutora era de cumpridora de prazos e compromissos.
Na sexta-feira nos encontramos e fomos ao motel.
Tudo perfeito, Patty estava pleonasticamente divina. Meus sonhos iriam se realizar. Era o sonho de dez entre dez funcionários da empresa.
Só nós dois no quarto. Meia luz. O beijo. A agarração. A volúpia. Mãos acariciando e apalpando. Mãos despindo corpos. Corpos nus se pegando e se esfregando. Libido nos céus. Os enormes e rígidos seios eram meus, todos meus. Meus e da minha língua.
Minha língua descreveu meio círculo no mamilo de Patty e na mesma hora Patrícia, de prazer, cravou as dez unhas nas minhas costas. O sangue correu da perfuração de dez punhais.Brochei. Perdi a promoção, o tesão e a vantagem de dizer que tinha comido a Patrícia.

04 janeiro 2008

O dia em que a banheira transbordou

Relaxar na água calma e morna da banheira é tornar ao útero. É muito melhor do que sentar no chão duro e frio com as pernas cruzadas zen pensar.
Foi nisso que pensei quando levantei da cama.
Escovei os dentes, penteei a juba e liguei toda a água quente e um tequinho da fria. Enfiei um calção, uma camiseta e meu pisante de atleta. Não tenho paciência para ficar deitado numa banheira, prefiro um rápido chuveiro. Entretanto, uma vez por outra, quando estou tenso, faço como fazem com as batatas: deito na água fervente até me desfazer.
Tranquei a porta meti a chave do apê no bolso esquerdo e desci as escadas. Cinco andares.
Faço minha caminhada em quarenta minutos e a banheira leva cinqüenta para encher. Quando agitado, tenso ou preocupado costumo ir a passos mais velozes e retorno do percurso em tempo menor.
Estava muito ansioso. Havia recebido oferta de trabalho, tentadora, fora de Brasília. Sempre é bom ser reconhecido e ser valorizado. Porém, as mudanças tiram-nos de uma situação de conforto e acomodação. São desafiadoras e misteriosas. Já tinha feito tantas mudanças. Mudei de carro, de casa, mudei de penteado e mudei de namorada. Este, na verdade era meu problema. Trocar de namorada. Nunca fico satisfeito. O mundo está cheio de mulheres maravilhosas. Só encontro as erradas. Quando são bonitas, não sabem conversar. Quando sabem conversar não sabem parar de falar. Quando param de falar não são liberadas no amor. Quando são ótimas no amor não sabem fritar um ovo.
Eu estava namorando com a Cláudia, uma mulher que podia ser capa ou a página do meio da Playboy. Deliciosamente culta que argumentava Freud, almoçava Sartre, bordava Machado de Assis, dormia Nelson Rodrigues e cozinhava Neruda. Porém, sempre há um porém, ela era altamente invasiva. Quando eu menos esperava, lá estava ela, metendo o nariz onde não foi chamada. Mas isso já é outra história.
Para mim, importava caminhar enquanto ponderava sobre o convite de trabalho e todas as suas conseqüências, boas e ruins enquanto a banheira enchia para o arremate de uma reflexão.
Pensava no salário, no aluguel de imóvel, na realização profissional e no distanciamento dos filhos quando sem mais nem menos surgiu a figura do síndico que bloqueou meus passos e pensamentos.
Falou-me da reforma da portaria, de taxas extras, do eterno problema do vizinho do 207 que toca saxofone às duas da manhã. Encheu meus ouvidos com o caso do garoto do 405 que belisca todas as empregadas. Auto-elogiou sua administração com a redução de despesas e solicitou meu voto para a reeleição próxima.
A conversa mole me incomodou e procurei uma desculpa para me desvencilhar do maçante síndico. Quando me lembrei da banheira.
Em pânico levei as duas mãos à cabeça e gritei:
– Meu Deus! Deixei a banheira enchendo! – e saí correndo.
Cheguei em cinco minutos e logo vi que a sala, ao menos, continuava seca.
O corredor também estava seco. E nem havia água sob a porta do banheiro.
Que diabos? – pensei – meu filho está viajando e eu deixei a porta aberta...
Abri a porta e espantado vi Cláudia na banheira de espuma.
– Como você entrou aqui?
– Pedi a chave ao seu filho.
Apesar do alívio por não encontrar enchente e apesar da beldade na minha banheira desisti do banho irritado com a invasão da minha privacidade.
Fui para o quarto, sentei no chão duro, assumi posição de ioga e contei até mil antes de fazer amor.
 
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