31 janeiro 2017

Panapaná




Curioso? Também fiquei. Eu tinha um dicionário à mão. Talvez você não tenha. Se tiver, não precisa buscar, até o final do texto desvendaremos esta charada.
Panapaná não tem prefixo nem sufixo. E nem crucifixo para quem não souber o significado.
Existe um jogo com centenas de palavras, cada uma associada a cinco possibilidades, apenas uma verdadeira. Os jogadores devem tentar descobrir o significado se não souberem a resposta certa. Este não é um jogo, apenas um breve exercício mental.
Panapaná não tem origem grega nem latina. Não provém do francês, nem do inglês. É produto nacional, do bom. Ascendência tupi. Desta língua aprendemos e guardamos pouco. Ita é pedra. Pira é peixe. Boi é cobra e açu é grande conhece quem se aventura por palavras cruzadas.
Com estas dicas podemos deduzir que panapaná não é nome de palavra para invento do homem nem de coisa relacionada a modernidades. É coisa da natureza ou de sentimento.
Panapaná apesar de coletivo não se encontra nas cidades. Não é coletivo de transportar pessoas, é coletivo de transportar sonhos.
Panapaná não é uma borboleta, é um conjunto delas refletindo a alegria do sol em devaneios coloridos.


23 janeiro 2017

Todas as terças-feiras procuro postar um texto no aqui e no Facebook. Estou adiantando meu expediente porque viajo amanhã extremamente cedo (eca) e ficarei ausente do face por vários dias.


UM DIA COMO CRONISTA CULINÁRIO

Bom dia, meus caros leitores. Hoje é a minha estreia como cronista culinário. Pediram que eu preenchesse esse vazio no jornal. Espero, sinceramente, que a minha despedida ocorra breve também.
O cara que escrevia gracinhas regularmente neste espaço queimou a ponta dos dedinhos na tampa no forno e está impossibilitada, digo impossibilitado de digitar. Por escrever artigos políticos sérios e de importância para o desenvolvimento do país, argumentei que o máximo que entendo de cozinha é reclamar do cafezinho fétido que servem aqui na redação, porém o editor me convenceu (sob ameaça de desemprego) a cobrir o coleguinha. Pensei em cobri-lo de porrada, mas isso não interessa a você, leitor. Não é mesmo?
Antes de escrever as primeiras linhas me informei que crônicas são narrativas diárias com o tamanho exato de um retângulo predeterminado. Nem um apóstrofo a mais nem uma exclamação a menos. Que a crônica é o relato de um flash, que é a manchete na alma do cronista ou que é a literatura de bermudas.
Imagine, caro leitor deste cantinho de jornal, se eu me sentiria à vontade em visitar os Ministérios, trajando sóbrio paletó azul-marinho, uma gravata listrada sobre a camisa impecavelmente passada e uma bermuda xadrez? Sem chances!
Antes mesmo de passar por esse constrangimento eu telefonaria para agendar uma entrevista com a autoridade.
— Secretaria de Assuntos Estratégicos. Gabinete do Dr. Peçanha, boa tarde.
— Por favor, eu gostaria de marcar uma hora com o Sr. Secretário.
— Pois não, qual é o assunto?
— Eu preciso trocar umas receitas de bolo de laranja. — Isso é ridículo, pensei. Ninguém merece!
Jamais escreverei uma crônica. Crônicas são futilidades, pseudoartigos, inutilidades escritas por quem pensa pequeno, sem objetivos na vida.
Às três e meia, o editor telefonou cobrando a crônica, disse que deveria ser entregue diariamente até as quatro horas. Aleguei desconhecer histórias dos bastidores da cozinha do Planalto.
O editor, sem rodeios, determinou que eu escrevesse uma receita de pizza. Em meia hora.
Senti minha batata assar. Um tremendo objetivo para escrever uma crônica. Isso me inspirou imediatamente.
Eu já havia lido que a origem da pizza é questionada. Falam em egípcios, árabes e gregos. Os gregos, que eu saiba, inventaram a democracia, um cavalo de pau e a filosofia com discussões intermináveis. Aos napolitanos cabe a fama da descoberta só porque acrescentaram tomates na cobertura. O que importa é a receita brasileira.
Pegue-se um monte de gente indignada que exija a solução de um assunto grave. Dê-lhes um banho de água fria. Misture sem fazer muita força. Enrole e desenrole até formar uma massa homogênea. Faça uma bola bem grande e amasse com um rolo até virar um disco chato como a Praça dos Três Poderes. Cubra tudo com queijo até que não se veja mais nada da base inicial. Deixe descansar por alguns dias. Ou semanas. Se a mídia cobrar resultados, adicione rodelas de cebola, azeitonas e fatias de tomate, cebolas. Morte, digo, presunto só se a pressão for muito grande. Salpique manjericão e orégano. Para assar, procure um forno com o formato e tamanho da cúpula do Senado Federal.
Sirva com cerveja gelada para comemorar.

A autêntica pizza brasileira é produzida em forno público. Trabalho em jornal, uma empresa privada, por isso nos próximos dias retornarei com saborosas receitas como a vingança servida em prato frio.

09 janeiro 2017

DOIS IRMÃOS

Milton Hatoum

Companhia de Bolso

200 páginas

R$25,00

Hoje é estreia da minissérie homônima na TV Globo. Li o livro em maio de 2016 e acho que postei a minha crítica. Entretanto, tendo em vista o momento, republico.


O primeiro capítulo do livro é curtinho, porém muito impactante. O autor recortou um trecho de altíssimo grau de emoção da história e abriu o livro com ele.

Eis os dois últimos parágrafos deste capítulo:

“Eu não a vi morrer, eu não quis vê-la morrer. Mas alguns dias antes de sua morte, ela deitada na cama de uma clínica, soube que ergueu a cabeça e perguntou em árabe para que só a filha e a amiga quase centenária entendessem (e para que ela mesma não se traísse): “Meus filhos já fizeram as pazes?”. Repetiu a pergunta com a força que lhe restava, com a coragem que mãe aflita encontra na hora da morte”.

“Ninguém respondeu. Então o rosto quase sem rugas de Zana desvaneceu; ela ainda virou a cabeça para o lado, à procura da única janelinha da parede cinzenta, onde se apagava num pedaço do céu crepuscular”.
           
O capítulo lança uma questão “Meus filhos já fizeram as pazes?“ que mostra um enorme conflito e com a pergunta atiça a curiosidade do leitor. Antes de responder sim ou não, somos provocados à bisbilhotice, queremos saber que motivo é forte o suficiente para colocar em lados opostos dois irmãos? Ansiamos por saber por que estão brigados.
           
A história se passa em Manaus de 1910 a 1968. No período, o autor mostra a evolução da cidade enquanto inunda as páginas com as águas do rio Negro e enreda a história de imigrantes libaneses com ramos das seringueiras e sons dos pios de jaçanãs e jacu-ciganas.

Aos poucos somos apresentados aos irmãos gêmeos Omar e Yaqub.

Em relação a Yaqub: “O que lhe faltava no manejo do idioma sobrava-lhe no poder de abstrair, calcular, operar com números”.

“E para isso”, dizia o pai orgulhoso, “não é preciso língua, só cabeça. Yaqub tem de sobra o que falta no outro”.

O outro, o Caçula – referindo-se a Omar – exagerava as audácias juvenis: gazeava lições de latim, subornava porteiros sisudos do colégio dos padres e saía para a noite, fardado, transgressor dos pés ao gogó, rondando os salões da Maloca dos Barés, do Acapulco, do Cheik Clube, do Shangri-Lá. De madrugada, na hora do último sereno, voltava para casa.

“Colhe a orquídea mais rara, mas também arranca a aninga da lama”.

Apesar de narrado na primeira pessoa, durante muito tempo ficamos sem saber quem é o narrador. “E a mim, sem me olhar, sem se importar com a minha presença Na verdade, para Zana, a mãe dos gêmeos, eu só existia como rastro dos filhos dela”.  

No transcorrer da história descobrimos que o narrador é filho de um dos gêmeos com a empregada índia que mora nos fundos da casa. O narrador, desprezado pela família, quer saber quem é o pai.

Quem são os pais dos gêmeos?

Halim, marido de Zana e pai dos gêmeos era comerciante. “Vendia coisas de qualquer um. Vendia sem prosperar muito, mas atento à ameaça da decadência, que um dia ele me garantiu ser um abismo. Não caiu nesse abismo, nem exigiu de si grandes feitos. O abismo mais temível estava em casa, e este Halim não pode evitar”.

“A intimidade com os filhos, isso o Halim nunca teve. Uma parte de sua história, a valentia de uma vida, nada disso ele contou aos gêmeos”.

“Mas acreditava, bêbado de idealismo, no amor excessivo, extático, com suas metáforas lunares. Um romântico tardio, um tanto deslocado ou anacrônico, alheio às aparências poderosas que o ouro e o roubo propiciam. Talvez pudesse ter sido poeta, um flâneur da província; não passou de um modesto negociante possuído de fervor passional”.

E quem era a esposa Zana?

“Era possuída por uma teimosia silenciosa, matutada, uma insistência em fogo brando; depois, armada por uma convicção poderosa, golpeava ferinamente e decidia tudo, deixando o outro estatelado.”

E a pergunta lançada o primeiro capítulo?

“O duelo entre os irmãos era uma centelha que prometia explodir”.

“Duelo? Melhor chamar de rivalidade, alguma coisa que não deu certo ente os gêmeos ou entre nós e eles, revelou-me Halim, mirando a seringueira centenária no quintal.”

Antes que eu, nas transcrições, revele mais do que deveria, adianto que se trata de uma história triste, uma história sem advertências ou opiniões de moral. É história de seduções consanguíneas. É história de incestos, paixões e ódios.


Em vez de responder a pergunta, elaboro outra: porque levei tanto tempo para conhecer a escrita de Milton Hatoum?

06 janeiro 2017

ALEGRIA

— Quer saber de alguém feliz?

— Eu.

— Por que?

— Há quase dois meses lancei o Manual do escritor e ele já viajou pra tudo que é lugar do Brasil. Está nas cinco regiões. Em 12 estados e 27 municípios brasileiros. Mas também já tem exemplar na Argentina e nas longínquas ilhas Cabo Verde na costa africana. 

Os Correios – impresso simples sem registro – entregam para as capitais em até três dias. Demora uma semana para as outras cidades. É bem verdade que por causa do volume das entregas do Papai Noel algumas demoraram mais do que o previsto. Mas chegaram. 

— Como é que sei disso? 


— É porque detenho o monopólio das vendas e controlo tudinho, tudinho. 


— Realizado?


— Tem mais alegria. Já recuperei o investimento da gráfica, revisor, diagramador...
Agora é tomar chope e brindar. TCHIM TCHIM.





02 janeiro 2017

Titivillus

PARTE DO CAPÍTULO 6.7 – Titivillus – do “Manual do escritor”

Titivillus é o nome de um demônio surgido na época dos escribas medievais. Provocava equívocos nas cópias de manuscritos e códices.
Segundo anotações dos clérigos nos pergaminhos, Titivillus sempre aproveitava os vacilos e as distrações dos monges copistas para comer letras, engolir sílabas ou devorar linhas inteiras. Com o desenvolvimento da espécie, passou a se divertir às custas dos copistas. Trocava letras e palavras doces por outras menos saborosas.
No Renascimento, aposentaram os copistas, mas o diabinho voou alegremente para as tipografias, onde, entre prensas e caixas de tipos, sentia-se animado para continuar as diabruras. Apesar dos avanços da tecnologia ainda não terem criado vacina ou antídoto eficaz contra a praga. Hoje, com a internet, com os corretores ortográficos dos celulares e processadores de texto, está feliz e disposto a cometer confusões ainda maiores e com maior rapidez.
O Titivillus moderno ataca quando preenchemos os enormes formulários virtuais e, ao invés de clicarmos no botão enviar, eles embaralham nossos dedinhos gordos e clicamos delete.
Ele está mais vivo do que nunca.
Preste atenção na cara do Titivillus. Não é à toa que no jargão dos revisores a revisão final é chamada cata piolho.



Pois, vou contar o que aconteceu comigo:

Tive um mês exaustivo para entregar a tempo os escritos relidos e revisados à gráfica para atender ao cronograma exigido pela editora. Era o resultado de seis longos anos de pesquisas sobre lendas e mitologias grega, romana, celta, nórdica e germânica. Finalmente estava pronto. Saiu do virtual e foi para o papel.
Apesar de ter outros livros publicados, passei a semana sem dormir aguardando ansioso o nascimento do mais recente.
Fui até a gráfica na hora combinada e o diretor solicitou ao estagiário trazer da oficina um dos 3.000 exemplares impressos.
Segurei-o nas mãos e fiquei vermelho como a capa do livro.
A capa cinza e preta foi alterada sem minha autorização. Abri o livro e num relance encontrei meia dúzia de erros de português.
O estômago revirou-se recordando-me do capítulo sobre um demônio medieval, o legendário Titivillus. O capetinha havia chegado ao extremo. Trocou as cores da capa, alterou título, mudou até o nome do autor.
Antes que eu vomitasse revoltado, o diretor ordenou ao estagiário:
— Meu filho, o livro não é esse. Traga aquele com a capa cinza e preta.


Vários autores, por descuido na revisão,
em vez de orgulho
passaram a ter vergonha
dos próprios livros após a publicação.



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