27 abril 2011

Meu convite para o casamento de William e Kate

Nada de extravagância, centenas de famosos ou muitos membros da alta sociedade britânica. O príncipe e a futura princesa Kate Middleton apostaram em uma celebração íntima, mesmo que ela tenha pompas de evento de estado. A Clarence House divulgou a lista com as presenças confirmadas para participar da celebração. O documento lista os nomes de reis, rainhas, diplomatas e membros do governo, mas também revela, sobretudo, a identidade de amigos e pessoas ligadas ao casal. CB – Mundo, 24/04/2011.



Abri a caixa de correspondências e lá estava o envelope com o convite. – Yes! Eu recebi! – Um cartão branco, duro, um pouco menor que uma folha de papel A4, com bordas chanfradas em ouro e letras douradas. Logo abaixo da insígnia da avó de William, a Rainha Elizabeth, estava o meu nome: Mr. Roberto Klotz.

Ah, como esperei por este momento. Eu tinha certeza que Kate não me decepcionaria. É bem verdade que cheguei a duvidar.

Durante os últimos dois meses verifiquei a caixa de correspondência umas quinhentas vezes. Nesta semana eu me cansei de virar a chave e espiar no escaninho: instalei uma poltrona ao lado. – O Santa Ansiedade! – Tudo porque os convites para o casamento do Príncipe William foram distribuídos em fevereiro, estávamos às vésperas do casamento, abril, e o meu não chegava.

Enviei cartas, bilhetes, torpedos, telefonemas, telegramas e tuitadas cobrando o meu convite. O chefe de cerimonial finalmente retornou uma mensagem de desculpas com a informação de que os convites impressos foram insuficientes e que a pressão de autoridades, celebridades e pessoas do mundo inteiro era enorme, mas que o Palácio mandara confeccionar especialmente apenas mais três convites. O meu estaria entre eles.

Voltei a olhar para o convite. Confirmei o meu nome mais uma vez, posso dizer que estou feliz e realizado. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não foi convidado. O Exterminador do Futuro, Arnold Schwarzenegger, não foi convidado. Lady Gaga, que dispensa apresentações, não foi convidada. O bruxo Harry Potter não foi convidado. Eu fui. – Isso não é o máximo?

Leio, um pouco abaixo, que a vestimenta sugerida é o uniforme militar, um fraque ou ainda um terno de negócios.

Isso me assusta um pouco. Jamais usei um traje militar, não tenho fraque e o meu terno é um paletó com uma mancha de gordura na manga esquerda. Talvez eu tenha que cortar as mangas.

No convite ainda há um cartãozinho informando o meu lugar na Abadia de Westminster. Será ao lado da Victoria Beckham. – Nada mau.

Reviro o envelope, procuro e não encontro a passagem de avião nem os vouchers para o hotel, conforme combinado. – Assim não dá. Acho que não querem que eu vá!

Eu já tinha escrito a dedicatória, um livro diferente, de minha autoria, para cada um dos noivos. Embrulhei em papel prateado com uma fita vermelha. Em vez de entregar pessoalmente, colocarei num envelope pardo e postarei no correio. O casal saberá como é doloroso esperar ansiosamente na frente da caixa de correspondência.



Mais um texto, o 38.o sem interrupções, inspirado em matéria publicada no Correio Braziliense da semana. Sempre às 4.as com o mesmo tamanho, o de uma coluna de jornal.

20 abril 2011

O santo das causas impossíveis

Santo Expedito é conhecido por atender às causas urgentes e impossíveis. Conta-se que, quando ele se converteu ao cristianismo, um espírito mau em forma de corvo tentou dissuadi-lo da escolha, mas Expedito não pensou duas vezes e rapidamente matou o pássaro. A agilidade dessa decisão faz os fiéis crerem na ligeireza da solução dos problemas. – CB, Cidades, 20/04/2011.



Ontem, dia de Santo Expedito, fui à igreja. Eu e meio mundo. A igreja estava lotada de pedintes. Todos pedindo solução rápida ou impossível para os problemas.

O santo é das antigas, da época em que não havia computador para organizar a própria agenda e hoje se vê atolado de causas urgentes alheias. Tive pena dele. Pena e um pedido. Queria que ele me ajudasse a escrever o meu texto semanal inspirado em notícia publicada no jornal durante a semana. Era urgente porque o meu prazo terminava às 18 horas e o editor costuma degolar autores que atrasam a matéria por mais que 30 segundos. Fiz questão que o santo soubesse da ameaça que paira sobre a minha cabeça. Apesar da imagem conhecida, Expedito foi decapitado pelos militares romanos a mando do Imperador Diocleciano.

É bem verdade que eu deveria estar atrás do teclado digitando meu texto em vez de imaginar milagres nos bancos da igreja. Mas eu estava lá e me caberia rezar, fazer o meu pedido e aguardar rapidez no atendimento do pedido.

Enquanto aguardava na fila observei que ele usava trajes de legionário romano com uma túnica acima dos joelhos e manta púrpura. Com o pé ele pisava um corvo batizado Ontem. Ele era muito rápido com os fiéis. Santo Expedito não podia anotar nada, em uma das mãos segurava uma palma e na outra um crucifixo batizado Hoje. Registrava mentalmente os pedidos e despachava os necessitados mais rápido que os médicos na consulta do INSS.

Pedi para uma senhora guardar o lugar para mim na fila para dar uma espiada como era o atendimento.

Fui até bem pertinho do santo.

Uma senhora juntou as mãos frente ao peito em forma de oração e implorou um emprego para o filho. O santo captou o desespero da mulher e imediatamente estendeu o caderno de classificados. Acenou com a cabeça chamando o próximo.

Aproximou-se um rapaz bem vestido, jeitão de filhinho de papai. ─ Meu Santo, fazei com que eu seja aprovado no concurso do Senado Federal. ─ Meu querido, basta que tu comeces a estudar. Próximo.

Um senhor de cabelos brancos e olheiras profundas se arrastou silenciosamente até o santo, mostrou a identidade para provar que não era tão velho quanto parecia. Queria viver mais tempo.

─ Qual é o seu problema?

─ Câncer. Ajude-me, por favor.

Na mesma hora o santo devolveu o documento com uma pequena alteração.

─ Agora o senhor é de capricórnio. Próximo.

Minha vez estava chegando. Voltei para o meu lugar na fila até ser atendido.

Expliquei o meu drama de prazos de entrega.

─ Começa a escrever mais cedo e terás tempo para pesquisar e descobrir que o patrono dos jornalistas e escritores é São Francisco de Sales. Próximo.



A matéria foi publicada na quarta. E na mesma quarta, graças a Santo Expedito, postei no meu blog.

13 abril 2011

Viajei com Gagarin

Aos 27 anos, Yuri Gagarin, um jovem russo de origem humilde é lembrado pela rara coragem. Ele foi um dos 19 pilotos que se candidataram ao vôo, em um tempo em que testes humanos num ambiente sem gravidade sequer haviam sido feitos. “Foi um vôo absolutamente heróico. Era uma missão muito difícil, e as pessoas pensavam que só um louco poderia ir para o espaço”, relata à agência Reuters o jornalista científico Vladimir Gubarev, que conheceu Gagarin na juventude. CB – Ciência, 12/04/2011.


12 de abril de 2011 – Há exatos 50 anos Yuri Gagarin foi o primeiro homem a ir para o espaço. Um feito extraordinário. Tão importante quanto Colombo chegar de caravela na América. A ficção se transformava em realidade. O homem comprovou ser capaz de voar mais alto e mais distante que os pássaros. Gagarin voou nos sonhos de todos os homens. Lá do espaço declarou que a Terra era azul. Visitar a Lua passou a ser tangível.

Deixei o jornal de lado uns minutinhos e também viajei no espaço, do tempo.

Eu era menino, não se falava noutra coisa. Gagarin era o herói dos homens. Garrincha e Pelé já driblavam e marcavam gols, mas todos os meus amigos queriam ser cosmonautas. Ninguém viu o lançamento na tevê. Não foi transmitido. Nem a cores nem em preto e branco. Aliás, poucos tinham televisão. O imaginário era muito melhor que qualquer imagem. Descrevíamos detalhadamente a trajetória do herói. Primeiro vestindo a roupa prateada, depois os canudinhos de oxigênio e por cima o capacete. Subia uma escadinha, entrava numa cabine cheia de botões, alavancas e luzes piscantes. Fechava a porta com um barulho surdo e metálico numa combinação de prisão e sarcófago. Já sentado se amarrava a um banco solitário.

Era hora de imitar o coração batendo disparado – tum,tum tum, tum. Aí, todos os amigos gritavam em coro a contagem regressiva: 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 – buuuuum. Gagarin disparava na vertical, rumo ao céu até se perder de vista.

Não se falava em outra coisa. Estava lançada a gagarinmania. Até hoje me lembro de uma charge da revista Cruzeiro onde um peixinho dourado nadava dentro do capacete de aquário.

Tempos idos. Eu morava em São Paulo, em casa não tínhamos telefone, apesar de estarmos na fila de aquisição há sete anos. Também não possuíamos tevê. Meus pais questionavam a novidade. Mas nós, crianças, íamos brincar nas outras casas da rua e nos transformamos em televizinhos e dizíamos que as recém inventadas máquinas de assar frango eram televisão de pobre.

De repente, surgiu o Caravelle, o primeiro avião a jato. Revolucionário com as turbinas coladas na traseira em vez das hélices nas asas. O barulho era enorme, sempre saímos correndo da sala para apontar o avião no céu. Todos, em vez de fazer rápido, passamos a fazer a jato.

Uma flâmula pendurada, em cima da cabeceira da minha cama, lembrava a inauguração de Brasília, um ano antes. As novidades e o heroísmo estavam presentes no dia-a-dia.

Gagarin voltou para a Terra. Mas os tempos de infância não voltam mais.





Novamente me deliciei com uma notícia extraída do jornal e com ela, como todas as quartas-feiras, criei uma história.

11 abril 2011

Cordilheira – Daniel Galera - crítica


Li o livro em três dias, bem a tempo de escrever meus comentários visando a primeira reunião do Grupo de Leitura.

Não entendi a intenção o design da capa.

Ao contrário dos best-sellers americanos, o livro não tem uma estrutura com um roteiro pré-definido. Certamente foi conduzido a partir de uma idéia pré-elaborada, mas levado pela protagonista.

Desconheço outros escritos do autor para comparar, entretanto a linguagem utilizada é convincente ao ser colocada na voz de uma protagonista feminina. A protagonista se envolve em reflexões e revolve sentimentos como uma eterna discussão de relacionamentos, coisa tipicamente feminina.

A ambientação em Buenos Aires foi atendida. O autor descreve cores, cheiros, luzes, paladares e sons convencendo-nos do cenário da história.

Os personagens são convincentes quanto à caracterização e personalidade. Consigo me imaginar conversando com cada um deles numa mesa de bar como se os conhecesse de longa data.

Houve momentos em que me irritei ao ler descrições ou pensamentos super-hiper-mega detalhados. Eu procurava relativizar: trata-se de uma mulher. Mulheres são assim, (ó santo machismo!) e para tentar compreendê-las é necessário ouvi-las.

O título do livro certamente foi inspirado em “Le gustaba mucho mirar la cordillera”. ─ “Me veio à mente Duisa, a esposa daquele pioneiro da Terra do Fogo, trazida para viver nessa região na primeira metade do século anterior, fitando as montanhas numa estância isolada de tudo e de todos, em silêncio permanente, sob a observação secreta e carinhosa do marido que décadas depois lembraria dela exatamente por essa tendência à demorada contemplação da cordilheira. A imagem dessa mulher na minha cabeça sempre trazia uma profunda melancolia, a ponto de me dar um nó na garganta. Eu queria ser como ela”

Muitos já escreveram e desenvolveram romances a partir da questão do envolvimento da realidade do autor com a ficção das suas histórias. A grandeza do livro é que o autor explora ao extremo o drama de todo escritor: onde começa a ficção e onde termina a realidade. De modo que um grupo de escritores subverte a lógica e passa a vivenciar os personagens das suas obras. A protagonista do livro, também escritora, sequer se identificava no próprio livro e passou a questionar-se ligando ficção à realidade após o envolvimento com o grupo. Fernando Pessoa abordou a questão com o famoso verso: “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente. Que chega a fingir que é dor. A dor que deveras sente”.

Galera não se cansa de mostrar o que o motivou a escrever Cordilheira. Ainda no começo da história a protagonista fala sobre sua mãe que faleceu no parto. “Minha mãe, um ser fictício que eu não cansava de imaginar e desenvolver”. “Minha mãe foi o meu primeiro personagem.” Passada a metade do livro, Escreve: “Não há como escrever honestamente sobre qualquer coisa que não seja nós mesmos. Um escritor pode tentar maquiar esse fato com todas as suas forças, mas nunca escapará dele.”

Nas últimas páginas está a confirmação da intenção do autor que se utiliza da protagonista escritora para escrever: “Eu a inventei justamente para nunca precisar ser como ela, para exorcizar uma Anita que detestaria me tornar.”

Enfim, apesar do detalhismo nas descrições e aprofundamento das reflexões, gostei da história. O autor conseguiu me surpreender. Recomendo.

09 abril 2011

Pessoas dupla-face

Tenho observado que os meus amigos não são meus amigos. Gosto daqueles que se esforçam para serem meus amigos. Gosto das pessoas que se transformam em gentilezas e amabilidades tentando conquistar o meu sorriso. A máscara que colocam nos aproxima.

Entretanto muitos dos meus conhecidos, desnudados das aparências, se transformam em pessoas repugnantes.

No domingo estive num churrasco maravilhoso. O anfitrião me recebeu na porta. Era um cavalheiro personificado. Picanha ao ponto. Cerveja gelada. Garção para servir. Peguei uma costelinha e enquanto separava a carne do osso observava o dono da casa. A face de bondade personificada que exista era alimentada diariamente pela outra face, a de empresário corruptor. Eu só conhecia uma delas e esta, me agradava.

Meu carro estava na oficina, e na volta para casa, aceitei a carona de uma mulher de metro e meio. Magrinha e frágil. Super meiga. Educada na França. Gentilíssima. Ao contrário do que supus, o carro dela era uma enorme station wagon onde seguramente caberia um batalhão de soldados. Ela não havia consumido uma única gota de álcool, porém quando se sentou ao volante parece que sacou de uma máscara do porta-luvas e dirigiu com a agressividade de um fuzileiro naval no campo de batalha e no sinal vermelho, xingou como um sargento irritado. Francamente, me assustei com a mulher debaixo da outra mulher.

Ainda bem que não demoramos muito a chegar.

O síndico, todo solícito, estava na frente do edifício podando algumas plantas e demonstrando o zelo com o bem comum. Na guarita, o porteiro me entregou uma convocação para uma Assembléia. O primeiro item da pauta era sobre a reeleição do síndico. Um fingidor, um crápula mal educado, egocêntrico que aumentou as taxas do condomínio para reformar o próprio apê enquanto reformava o prédio. Duvido que tenha um vaso em casa.

Já no elevador, pensei: ah, meu amigo leitor, ponha a máscara, elogie esta crônica, chame-a de artigo se quiser, mas elogie. Entretanto se você for sincero e contundente nas críticas, tirarei a minha máscara de bondade e, desejarei que você queime no inferno.

06 abril 2011

Protesto de mulheres brasilienses

Ao começar a reunião com o secretariado, o governador observou mais uma aglomeração na frente do Palácio do Buriti. Apesar do pouco tempo sentado na cabeceira da mesa, já estava vacinado contra greves, protestos e manifestações.

De dentro para fora, o vidro e a vida são azuis. De fora para dentro o vidro e a vida são negros.

A mesa é pequena para acomodar tantos secretários e o governador. A reunião começa e segue a pauta. O governador não consegue se concentrar, nota que os jardins estão apinhados de gente. Bem mais, muito mais, que do que as manifestações cotidianas.

─ Alguém tem idéia de quantos são?

Um dos secretários que estava de costas para a janela respondeu prontamente:

─ Trinta e quatro.

─ Trinta e quatro mil? Acho que são mais.

─ Não, não. Somos apenas 34 secretários.

Incomodado com a resposta alienada, foi até a janela observar melhor o tumulto.

Uma larga avenida separa os manifestantes do palácio. Além do isolamento acústico, o barulho dos ônibus e carros impedem que se ouça, de dentro do gabinete, as palavras de ordem gritadas nos jardins. O megafone também não produz o efeito desejado.

Enquanto mais gente chega de todas as direções, mulheres carregam cartazes com o número 52,19%.

Observa que todas as protestantes são mulheres. Bem vestidas e mal vestidas. De cabelo oxigenado, branco, anelado ou bem cortado. Executivas, universitárias, donas de casa, garis, aposentadas, meninas. Mais mulheres do que caberiam no Maracanã lotado.

Ainda assustado com a quantidade, voltou a questionar:

─ Estou impressionado. Quantas serão?

O mesmo alienado, sem pestanejar, respondeu que são apenas quatro secretárias: Mulher, Comunicação, Educação e Transferência de Renda.

O governador contou até dez para conter a impaciência.

─ Alguém sabe o que significam 52,19%? ─ Olhou para o secretário que respondeu 34 anteriormente, evitando outra bobagem, afirmou. ─ Sei que não é o reajuste que vocês pleiteiam. Não é a inflação, nem o reajuste dos combustíveis. Não é a taxa de desemprego, tampouco a taxa de ocupação nos presídios. Não é a taxa de aprovação dos alunos nas escolas.

O estagiário de jornalismo entrou esbaforido na sala com uma folha de papel: “Agora são 112.267 mulheres, gritando igualdade, reunidas na frente do palácio do Buriti”.

─ Meu filho, você está maluco! Você as contou uma por uma? Nunca vai ser jornalista de verdade. Toda nota deve responder as perguntas básicas: onde? o que? quem? quando? onde? como? e por que?. Eu quero saber por que protestam!

─ Elas imploram por igualdade. Sentem-se desamparadas. Querem mais homens.

─ Não entendi. Há décadas brigam por espaço. Elas sempre reclamam que os homens são maioria em todos os lugares.

─ É que de acordo com o Censo 2010, são 1.337.726 mulheres, o que corresponde a 52,18% dos residentes no DF. De onde calculei que há 112.267 mais mulheres que homens.



Este conto é resultado de um devaneio inspirado na matéria publicada no Correio Braziliense, em 03/04/2011 – “A capital da mulherada”.
 
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