30 janeiro 2011

Aspirina não resolve

Sem remover um único fio de cabelo, fizeram um rasgo diagonal no alto da minha cabeça. Quinze centímetros de comprimento. Um de largura e dois de profundidade.
Uma enorme chave de fenda foi colocada no rasgo e começaram a girar no sentido horário. Apertaram a minha cabeça um quarto de volta mais próxima do pescoço.
Ai, como dói a minha cabeça.

25 janeiro 2011

Ingleses brigam seis dias por semana


312 é a quantidade média de brigas que os casais têm por ano, segundo pesquisa britânica que ouviu 3 mil pessoas. Eles se enfrentam principalmente às quintas feiras, por volta das 20h. Os motivos incluem deixar a tampa da privada levantada e espalhar toalhas molhadas pela casa. CB – Tubo de ensaio, 22/01/2011



Sob a densa neblina é impossível enxergar os ponteiros do Big Ben, entretanto o som das sete badaladas é audível a grandes distâncias. Assim como não se enxerga dentro das casas londrinas, é possível escutar a, digamos, conversa do casal que acabara de sentar-se para desjejuar.
— Meu bem, o café está frio!
— Frio está você, atrás desse tablóide cheio de letras pretas.
— Isto não é um jornaleco qualquer. É o Daily Mirror. E aqui diz que os ingleses só brigam 312 vezes ao ano.
— E qual é o problema?
— É que você, darling, parece querer esgotar a nossa cota anual num único dia.
— Deixe de bobagem, Charlie, são apenas ajustes normais que um casal tem de fazer para viver em prazerosa concórdia.
— Que os nossos vizinhos não escutem, mas você já reclamou que não levantei a tampa do vaso, que deixei a toalha molhada sobre a cama, que não dei a descarga e... está resmungando o tempo todo.
— Você não fez por menos! Reclamou dos meus cabelos no ralo do chuveiro, da calcinha pendurada na torneira, da luz acesa no banheiro...
— E você, lady, ainda chama isso de ajuste?
— Está bem, é só uma pequena discordância multitemática.
— Uma discussão interminável para azucrinar o meu dia.
— Foi bom você lembrar. Estamos atrasados. Termine seu café e ponha o lixo para fora.
— O café além de frio, está horrível. E a lixeira está cheia além da capacidade. De novo!
— Por mim, eu ainda acerescentaria esse seu casaco velho e encardido.
— Você implica, só porque foi a minha mãe que deu ele para mim. Você esta indo para o quarto? Aproveite para trocar a sua blusa que está manchada.
Ela lançou um olhar fulminante, virou as costas e sumiu no corredor.
Nada como oponentes afastados um do outro por um tempo. Alguns minutos de silêncio, quando as pessoas se amam, podem trazer a harmonia e a paz duradoura.
Ele retorna o diálogo com palavras de carinho:
— Benzinho! Onde estão as chaves?
A resposta foi imediata.
— Pra que chave? Vendemos o carro na semana passada. Se lembra?
— Como a gente sai de casa sem abrir a porta?
O inimigo sentiu o golpe. Fez-se silêncio. Um silêncio para mudar a estratégia e preparar o contra-ataque.
Ouviu-se uma gaveta fechada com violência. Depois outra gaveta fechada com mais violência. Barulho de coisas arremesadas ao chão. Um palavrão resmungado. Depois outro palavrão.
Ann saiu do quarto e foi em direção do pobre Charles com os olhos faiscando ódio e suplicando compaixão.
Londres, Manchester, Liverpool, Birmingham e todo Reino Unido escutou o grito que veio cortante como o de um corvo no cemitério.
— Eu não tenho nada para vestir!

Ainda bem que isso só acontece na distante Inglaterra.
Meu Deus do céu! Eu nunca vou me casar com uma inglesa.


Outro texto com motivação em notícia publicada durante a semana no Correio Braziliense.

19 janeiro 2011

Número na cabeça



Na Estrutural, uma das cidades mais carentes do Distrito Federal, a inspiração dos jovens ao mudar o visual passa longe das celebridades dos campos e palcos. Agora, os pedidos mais comuns nas barbearias da região são artigos do Código Penal, números que representam a incredulidade – como o 666 –, além de listras que servem para identificá-los como integrantes de determinados grupos criminosos. CB – Comportamento – 16/01/2011



Por volta das seis horas da tarde de uma quarta-feira, a viatura encostou no meio-fio ainda com as luzes piscando e a sirene ligada. Parece que encontraram o grupo que constrange e ameaça com apologia ao crime. São facilmente identificados pelo corte de cabelo curtíssimo formando desenhos tribais. Os agentes saltaram empunhando armas e ordenando que os rapazes, que corriam na calçada, levantassem as mãos.
– Quietos aí. Não se movam! De costas! Encostem na parede! Mãos pra cima!
– É para não se mover ou levantar as mãos?
Sob a ameaça da arma de um dos policiais, os outros dois começaram a revistar os quatro elementos imobilizados.
– Documentos! – Gritou o homem com a ponto 40 destravada apontando o meliante mais próximo.
Habituado á falta de gentileza, o garoto de pele parda estava mais calmo que os agentes. – Posso botar a mão no bolso para pegar o documento?
Sem responder o policial consentiu gesticulando com arma.
O agente de polícia observa a cabeça raspada em recortes imitando as tatuagens agressivas e assustadoras.
– O que é isso na sua cabeça?
– É a nova moda.
– O que significa esse 666?
– Besta.
O policial dá um safanão na boca do delinquente. – Me respeita!
– 666 é o número do apocalipse. Da Besta.
– E tu? – Cutucando com a pistola – Pensa que me assusta com esse 148 recortado no cabeção? Tô sacando! Código Penal, Artigo 148: Sequestro e cárcere privado.
– Que é isso seu guarda, tá me estranhando? Sou da paz. Eu moro naquela casa, aí da frente. Pode olhar: número 148.
– E tu? – Cutucando o terceiro – Exibindo terror para cima da comunidade? Tô de olho! 155 de um lado e 121 do outro. Não nasci ontem. Furto e homicídio.
– Sou sangue bom! Trabalhador. Dou um duro danado para sustentar a minha lôra. Tenho que levantar às 4 da matina, preparar a matula e pegar o busão às 4 e meia. 155 é o número da linha na ida. Na volta pego o 121. Tudo lotado.
O quarto elemento nem se mexia, parecia mais assustado.
– Tira o capacete!
– Que diabos de números são esses? 4348? Se reponder cavalo e elefante, vai levar um catiripapo no pé do escutador, só para ficar esperto.
– Pega leve. Sou motobói. Entrego pizzas.
– Agora só falta me dizer que a pizzaria tem 4.348 opções. – Ou vai me dizer que 4348 é o número da pizza calabresa tamanho grande?
– Eu estava dizendo que sou entregador de telepizza e esse é o número do telefone.
– 4348? Tá gozando com a minha cara?
– São quatro 3 e quatro 8. 3333-8888.
Os homens uniformizados se entreolharam e o que parecia ser o chefe da operação ordenou:
– Três três um. Todos presos por desacato à autoridade.
Outro conto baseado em notícia publicada no Correio Braziliense desta semana.

12 janeiro 2011

Medo de fobia



Existem centenas de tipos de fobias, mas elas costumam causar sintomas parecidos, como falta de ar, sudorese fria, e batimentos cardíacos acelerados. Segundo especialistas, quando o problema traz para o paciente um prejuízo contínuo, é hora de procurar ajuda. Existem cerca de 300 espécies de fobias. Eis algumas: Ablutofobia – medo de tomar banho; Astrofobia – medo de trovões e raios; Catoptrofobia – medo de espelhos; Motefobia – medo de borboletas e mariposas; Somnifobia – medo de dormir. CB – Saber viver, 11/01/11



O doutor Zigmundo Froide instalou uma placa com letras douradas na porta da sala recém adquirida: PSICANALISTA especialidade medos e fobias. Entre sem bater.
Muitos médicos escolhem a especialidade em decorrência da própria vivência. É natural que alguém com inúmeros casos de câncer na família escolha ser oncólogo. Um moleque vivia engessado de tanto osso quebrado estudou e especializou-se ortopedista. Zig sempre era surrado pelos irmãos por isso mandou escrever na placa: entre sem bater.
A primeira paciente do psicanalista foi uma moça lindíssima que afirmou ter ojeriza a ratos e camundongos. O doutor apontou o divã e iniciou uma palestra sobre os malefícios, doenças, peste e raiva transmitidas pelos roedores. Por tudo isso, o medo era muito natural. Nos casos extremos de pavor a doença recebia o nome de surifobia. Após o discurso perguntou sobre a origem do problema. Perguntou se ela foi mordida por um rato quando criança.
A moça revelou que amava o hamster de estimação. O problema era com Mickey Mouse e colegas. Odiava Jerry tanto quanto o Tom. Considerava nojento um rato cozinheiro, como o Remy, de Ratatouille. Os amiguinhos de Cinderela, Bernardo e Bianca eram insuportáveis. Níquel Náusea era intragavelmente ácido. E que o mexicano Ligeirinho como seu "arriba, arriba" era repetitivo.
Dr. Zig, intempestivamente determinou que a paciente deveria liberar os gatos como Frajola, Manda-chuva, Garfield e Felix. Abriu a porta encerrando a sessão.
O paciente seguinte, um adolescente com uma enorme franja nos olhos, disse que tinha fobia a Justin Bieber, Luan Santana, Fiuk e Rick Martin. O psicanalista levantou a franja do meninão, olhou-o nos olhos.
— Seu problema é a inveja. Em seguida pediu para a secretária encaminhar outro paciente.
Entrou um sujeito manco, engruvinhado na timidez.
— Qual seu problema?
— Tenho pavor a sapatos pretos. Sou obrigado a usá-los. Fazem parte do meu uniforme.
— Compre sapatos dois números acima. Próximo.
— Doutor, não consigo pegar em dinheiro.
— Esse medo recebe o nome de misofobia. Medo de germes ambientais. O multimilionário Howard Huges sofria terrivelmente com a enfermidade. Tanto ele quanto Michael Jackson usavam luvas para se proteger do medo de tocar em dinheiro contaminado.
— Meu problema é outro. É que o dinheiro nunca chega às minhas mãos. Me arruma algum?
— Oras, não me amole. Vá trabalhar! Próximo.
— Doutor Froide?
— Sim. Qual o seu problema?
— Tenho medo de psicanalistas.
Apontou o revólver e atirou. Perguntou pelo próximo.


Outro conto inspirado em uma notícia do Correio Braziliense desta semana. A publicação no blog é sempre às quartas-feiras antes das 18 horas. Como numa coluna de jornal, o tamanho é fixo entre 2957 e 2997 caracteres.

05 janeiro 2011

Consulta a Nostradama



Depois de a prestigiada Journal of Psichology publicar um artigo no qual o pesquisador Daryl Bem, da Universidade de Cornell, afirmar que, sim, é possível predizer o futuro. Ainda argumentou: o que eu sei é que os dados que obtivemos indicam que é possível prever o futuro, mas é necessário mais investigação para explicar solidamente esse fenômeno. CB – Ciência 31/12/2011
Para tudo existe a primeira vez. A primeira sopa de espinafre, o primeiro galo na testa, o primeiro logro, a primeira transa, a primeira falha, a vigésima desculpa. Naturalmente, nem tudo acontece ao mesmo tempo e nem sempre nos lembramos da estréia de todos os fatos na nossa vida. Eu, por exemplo, não me lembro de ter encontrado com o síndico sem um pedido para aumentar a taxa de condomínio. Talvez a primeira vez nem tenha existido.
Pois o meu amigo se lembra da primeira ida a uma astróloga. Disse que na porta da frente havia um cartaz anunciando que Dona Safira predizia o futuro através da leitura de búzios, tarot ou bola de cristal. R$ 100,00 adiantados.
Jotabê é um sujeito incredulamente crédulo. Ou seja, desconfiado como roceiro quando vê uma escada rolante pela primeira vez. Vê, desconfia, examina, passa a acreditar e confiar. Aí sobe e desce como se houvesse escada rolante no galinheiro.
Tocou na campainha e uma mulher enrugada estendeu a mão cheia de anéis e ofereceu uma cadeira ao meu amigo. Este, sem dizer palavra, observou detalhadamente o ambiente multicolorido de velas e cheiros. Sentou-se na frente da mulher de vestido estampado de flores lilás e entregou uma nota verde.
– Eu quero que a senhora diga quantas moedas eu tenho no bolso da minha calça.
Ela recolheu as cartas e juntou num montinho. Fixou o olhar nos olhos de Jotabê e disse:
– O número de pratas do seu bolso reflete um ato passado que quer fazer presente. No cartaz está claro que Dona Safira prevê o futuro, não adivinha o agora. Entretanto eu antevejo que você vai tirar as moedas do bolso na primeira oportunidade.
Meu amigo colocou a mão no bolso e mostrou uma moeda do tempo do Império.
– A senhora acertou. É prata, sim. Eu vim aqui para saber do meu destino na empresa em que trabalho.
– Você ainda não faz por merecer uma promoção. – Foi a resposta rápida. – São cem reais.
– Mas a senhora nem consultou as cartas, os búzios ou a bola!
– Não é preciso. É uma resposta padrão. Nada se consegue sem esforço.
– Onde estão os búzios?
– Minha filha levou. Outra pergunta. Mais cem reais.
– Mas isso é picaretagem. A senhora não é astróloga coisa nenhuma.
– Em nenhum momento eu disse isso. Você entrou, me deu cem reais e deduziu que eu era a minha filha. Eu deduzi que ia ganhar dinheiro fácil.
Jotabê disse que se levantou, falou dois palavrões, virou as costas, saiu e bateu a porta.
Odiou-se pela nota perdida, pela moeda esquecida, pela fé abalada e principalmente por ter sido logrado com tanta estupidez.
Se as pessoas pudessem prever o futuro, ele não entraria por aquela porta, nem a primeira vez.


O Ano Novo chegou. Com ele renovam-se as energias para ser publicado numa grande mídia.
Acima, mais um conto inspirado em uma notícia do Correio Braziliense desta semana. A publicação no blog é sempre às quartas-feiras antes das 18 horas. Como numa coluna de jornal, o tamanho é fixo entre 2957 e 2997 caracteres.
 
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