29 junho 2010

Elas batem um bolão


No gramado, debaixo do meu prédio, vi uma menina jogar bola, futebol. Isso já não me espanta mais. As mulheres já estão ocupando todos os espaços que eram de exclusividade masculina. Eu nunca dediquei meu tempo para observar a habilidade das mulheres no trato com a bola. Mas aquela garota merecia um olhar de admiração pela beleza e suavidade. Já a conhecia de alguns encontros dentro do elevador.
Sou do tempo em que futebol era jogo de homem. Jogo duro, muito corpo a corpo. Muita brutalidade. A bola de couro era mais pesada que hoje. Para cabecear bola molhada tinha que ser macho. Coisa comum eram as brigas em campo. As mocinhas somente iam ver alguma partida ou pelada quando havia algum namorado que estivesse jogando. Nenhum interesse no jogo. Esporte absolutamente masculino.
Os adolescentes estão misturados, meninos e meninas estão jogando juntos! A primeira coisa que me chamou a atenção foi que, da mesma forma como os garotos, ela usava um calção grande e deselegante. Naquela brincadeira de fazer gol por entre as árvores, observei que ela chutava com os dois pés e igualmente bem. Qualidade rara até entre garotos bons de bola.
Quando algum garoto chutava a bola longe do gol e a bola rolava indo parar debaixo do carro estacionado, nenhum dos rapazes se prontificava, num gesto cavalheiro, a buscar a bola. Mudança de tempos.
Fiquei boquiaberto quando em determinado momento ela pegou a bola e começou a fazer embaixadas. Eu não contei, foram mais de cinqüenta. Bola no pé, no joelho, de calcanhar, de cabeça, matada no peito. Essa menina leva jeito! Sabe tudo.
A brincadeira continuava e a vi dividindo a bola como homem. E para meu espanto, xingando como homem. É, essas mulheres definitivamente estão tomando nosso lugar, até no futebol. Pensei que já tivesse visto tudo, mas não, ela cuspiu – raichput – como um bom moleque cospe.
Agora só falta as mulheres aprenderem a coçar o saco como nós.

25 junho 2010

Apolo também girou



Sou robusto quando comparado aos meus colegas de trabalho. Não costumo tomar iniciativa, mas quando me dão pilha vibro com o meu ofício.
Passo os dias trancado no escuro da segunda gaveta do criado-mudo. É um lugar privilegiado para escutar o que acontece na cama ao lado. Apesar da minha origem chinesa, ouço e entendo tudo. Às vezes falo, como agora.
— O casal gay até que se entende bem para um casamento de interesses. Ele é um industriário bem sucedido e acredita que perderia o respeito se a diretoria soubesse das suas preferências sexuais. Enquanto isso, ela é descompromissada com as aparências. Tanto que, naquele dia fatídico, para atender a uma fantasia sexual da vizinha, a encontraria no banco vestindo uma ridícula roupa de faxineira. Sorte a minha fazer parte do ménage à trois. Eu estava escondido na sacola de compras.
Respiro fundo para continuar a história.
— Aquilo foi muito constrangedor. A porta giratória travou e ela teve que mostrar o que trazia na sacola. Ao contrário das outras vezes, senti a mão insegura me levantando. Ela explicou que eu era um simples massageador. Nunca fui tão humilhado! Quando estamos em momentos íntimos ela me alisa, acaricia, beija com prazer. A própria vizinha, também tão carinhosa, percebendo a falta de consideração comigo, se escondeu atrás do pilar. E o marido, aquele abobalhado, viu tudo e não me defendeu. Logo ele que me idolatra e me chama de deus grego.


Apolo era o deus da beleza, da perfeição, da harmonia do equilíbro e da razão.
Apólogo é uma narrativa em que figuram seres inanimados, dotados de palavra.

23 junho 2010

Empáfia giratória



Faltavam cinco minutos para a agência bancária fechar as portas quando a mulher curvilínea ficou presa na porta giratória.
Estava visivelmente constrangida.
Apesar do par de brincos de pérolas, da calça elegante e do nariz empinado, vestia uma blusa puída e um par de chinelos de dedo. O ridículo pano amarrado na cabeça sugeria que estivesse no meio da faxina quando lembrou de pagar o aluguel na última hora do último dia. Vestiu a primeira calça à vista e catou a cesta para uma compra depois de resolver o pagamento.
Independentemente dos sentimentos da mulher, o guarda solicitou em voz alta que a mulher mostrasse o conteúdo da sacola. Com um olhar implorou discrição. Não foi atendida. Desejou ficar invisível. Instada a mostrar o conteúdo da sacola levantou timidamente um vibrador. O vigia, muito alienado, perguntou a serventia do objeto. Uma vizinha, testemunha do fato, um tanto constrangida, esconde-se atrás de um pilar. O guarda não conseguia entender os gestos da mulher nem ouvi-la. A mulher, ainda presa na porta giratória, com o pênis elétrico na mão, teve que gritar explicações enquanto o marido saia pela outra porta giratória fingindo desconhecimento.

21 junho 2010

Pânico giratório



Antonio Carlos era sargento do exército, especialista em desarme de artefatos, bombas e explosivos. Ganhava um dinheiro extra como vigilante armado em agência bancária. Nos últimos meses estava excepcionalmente tenso devido aos três atentados à bomba em assaltos a bancos.
Aquela terça-feira era dia de pagamento. A agência estava abarrotada de clientes. Qualquer uma daquelas pessoas podia ser um assaltante. Todos eram suspeitos. Em movimentos rápidos, os olhos controlavam todas as bolsas, mochilas e pastas executivas.
A mão direita segurava o coldre do revólver desengatilhado. Um capacete de motoqueiro abandonado ao lado da garrafa térmica era mais um motivo de preocupação.
Ouviu um clique.
Virou-se assustado para a porta de entrada e viu uma mulher mal vestida, presa na porta giratória.
O detector de metais travou a mulher. A sacola na mão era duvidosa. A grife estampada não era condizente com as roupas faxineiras. Apontou a arma para a porta, recuou dois passos para se posicionar estrategicamente. Gritou para todos se deitarem no chão. Acionou o alarme estridente. Esticou o braço horizontalmente mirando a testa da mulher apavorada. A mulher levantou os dois braços e começou a chorar e soluçar em pânico.
Com a arma gesticulava pedindo para ver o conteúdo da sacola.
Ela soluçava em desespero, mas negava.
Uma cliente curiosa reconheceu a mulher como sendo sua vizinha. Com medo, se arrastou para trás de um pilar.
O militar insistiu para que a mulher mostrasse o que trazia na sacola. Com voz firme avisou que iria atirar quando a contagem chegasse ao três.
– Um!
Uma velha deitada em frente do balcão dos caixas começou a orar.
– Dois!
A mulher, num movimento lento se agachou e enfiou a mão dentro da sacola.
O sargento voltou a esticar o braço com a arma.
A mulher, tremendo, levantou um vibrador ligado.
O tiro acertou o alto da porta.
Entre gritos e cacos de vidro surgiu o marido da mulher. Tomou-lhe o pênis elétrico da mão arremessando-o ao chão detonando outra guerra.

08 junho 2010

Em frente ao Teatro Municipal


Eu estava lá, Praça Ramos de Azevedo, uma terça-feira, perto do final da tarde. Vi quando Maca chegou. Sentou-se tranquila e despreocupada na murada do chafariz. Mergulhou a mão esquerda na água dando as costas para um garoto que se aproximava empunhando um estilete. Vi tudo, mas estava longe. Ela virou-se lentamente enquanto o moleque gesticulava agitado. Maca acalmou o menino que se acomodou ao lado dela. Ela afagou a cabeça do pivete e, fazendo pente da mão, ajeitou-lhe os cabelos depois dividiu um pedaço de pão.
Não fui para encontrar Macabéa, ela simplesmente chamou a minha atenção pela postura ereta. Parecia que a moça do casaquinho preto aconchegava Deus.
Enquanto isso, um cantor famoso e lindo, desconhecido para ela. Dedilhava um violão. Quando terminou a exibição ofereceu cem reais a quem acertasse a música até a sétima nota tocada. Uma jovem sem dentes, uma barriguda de nove meses, um pretinho chapado, um office boy de gravata. Muitas tentativas frustradas.
Quando o cantor desistiu Macabéa começou a cantar. A multidão parou. Os ônibus silenciaram. Até a fumaça se abriu para as notas da moça.
Com o dinheiro na mão, procurou o garoto. O menino sumiu. Maca chorou. Eu também.
 
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