20 maio 2013

Aprender a rezar na Era da Técnica

Aprender a rezar na Era da Técnica


Do português Gonçalo M. Tavares

Editora Companhia das Letras

356 páginas

Paguei R$45,00

Li em 6 dias



Foi o livro mais surpreedente que li nos últimos tempos. Aborda e entrelaça com profundidade dois temas fundamentais para a humanidade: poder e morte.

Em dezenas de pequenos capítulos, que podem ser lidos quase que independentemente, há uma sequência de lições poderosas e chocanates.

O início do romance é um soco maquiavélico até para o mais liberal machista da face da terra:

“O pai agarrou nele e levou-o ao quarto de uma empregada, a mais nova e mais bonita da casa.

– Agora vais fazê-la, aqui à minha frente.

A criadita estava assustada, claro, mas o estranho é que parecia que ela estava assustada com ele, e não com o pai: era de facto de Lenz ser um adolescente que assustava a criadita e não a violência com que o pai a disponibilizava ao filho, sem qualquer pudor, sem sequer ter o cuidado de sair. O pai queria ver.”

A intenção não era a iniciação sexual do filho. Era uma aula na iniciação do poder sobre os mais fracos através do sexo.

Entre outras aulas de poder, o pai avisa que:

“– Nessa casa o medo é ilegal.”

E assim, de lição em lição, o nosso protagoniista é diplomado com louvor. Transforma-se em um homem que dispensa emoções e é destituído de sentimentos bons ou ruins, a ponto de incomodar-se com elogios ou agradecimentos. Chega a formular teorias próprias: “os homens poderosos só não matariam na rua, à frente de todos, um vagabundo, com as próprias mãos ou com uma arma, porque não queriam humilhar em público as leis do país, já que de certa maneira eram elas que, em alguns pormenores os protegiam.”

A narrativa segue num cenário que poderia ser a Alemanha no período entre-guerras. Os personagens são pouquíssimos: Lenz Buchmann – o exemplar cirurgião que troca a medicina pela vice-presidência do partido político. A fidelíssima secretária Julia Liegnitz e seu irmão surdo-mudo. Hamm Kestner – poderoso presidente do partido. Rafa, o louco e ainda Friederich Buchmann que, apesar de morto, está presente em quasse todos os atos de Lenz. Não cito a mulher e o irmão do protagonista porque este os queria apagados.

A história se desenvolve com o surgimento de uma doença e o consequente enfraquecimento do protagonista e aí surge o último personagem que é a morte.

O autor propõe reflexões sobre o comportamento humano sem preocupações de apresentar construções frasais para deleitar os estudiosos literários.

Lentamente, em pequenas lições a morte combate o poder sem pemitir negociações. Em tensão crescente o autor desenvolve o romance para várias possibilidades de fechamento e mesmo assim consegue surpreender.

De tantas reflexões, é o tipo de livro que só se fecha muito tempo depois de ser lido.

Se você tiver estômago, recomendo com entusiasmo.

 
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