27 maio 2011

Trocando a roupa de cama

Ela demorou mais tempo passando o ferro no lençol
que o amante passando ferro no lençol.

18 maio 2011

A guerra das águas

A água mineral líder de mercado na França percorre um caminho de 10 anos entre rochas vulcânicas até ficar bem pura. Mas apareceu um forte concorrente: a água dos icebergs. Os mais jovens têm cerca de 10 mil anos. Os pedaços de gelo são derretidos e engarrafados. O produto da concorrência virou moda entre as famílias ricas da Califórnia e o preço faz jus ao público: chega a custar US$10 a garrafa. – CB, Você sabia, 16/05/2011.



A notícia chegou aos ouvidos de Antonio Carlos, um empresário brasileiro prestes a lançar um revolucionário filtro d’água no mercado mundial. O que fazer contra essa concorrência inesperada?

Nem precisou fazer nada.

A guerra foi iniciada pelos franceses que alegaram que a água dos icebergs provavelmente teria restos de urina de animais polares.

Os americanos, que financiam o projeto de exploração do pessoal da Groenlândia, sentiram-se ofendidos nos brios. Reuniram uma tropa de agentes comerciais e foram ao Pentágono pedir permissão para o revide.

Os generais americanos, auto-proclamados defensores da justiça mundial, em primeiro lugar afirmaram que quando se trata de ofensa à soberania americana não é necessária permissão para a retaliação. Em seguida questionaram se a língua estranha dos franceses era árabe. Com a resposta negativa, perguntaram se o território francês ficava no Oriente Médio. Os comerciantes abriram mapas para consulta antes de afirmar categoricamente que não encontraram a França próxima ao Irã, Iraque, Paquistão, Arábia Saudita, Kuwait ou Venezuela. Os generais se entreolharam. Ainda havia uma questão fundamental em aberto. E em caso positivo, apontariam os mísseis na direção da capital do país ainda naquela noite.

- Aquela torre enorme é para a exploração de petróleo?

Se não havia petróleo na questão então a ofensa era menor.

Antonio Carlos acompanhou tudo, bem de pertinho, graças a um agente triplo infiltrado na SIA e no DGSE (Direction Générale de la Sécurité Extérieure), o Serviço Secreto Francês. Sentiu firmeza. Os yankees não jogariam bombas nos galegos, e estes sequer arremessariam suflês nos yankees.

Em vez de combater com pistola d’água. O empresário brasileiro poderia lançar uma ofensiva sem medo. Precisaria encontrar uma forma de detonar com o marketing e a grife das garrafinhas internacionais.

Nem precisou pesquisar muito. O seu filho quando soube como eram as águas dos estrangeiros esboçou cara de nojo e emitiu um sonoro: – Eca! A partir dali as idéias caíram em cascata folheando os jornais da cidade. Encontrou uma campanha pronta para condenar a água filtrada no processo de 10 anos e também a água congelada há 10 mil anos. Colocaria água na fervura dos concorrentes internacionais.

Começaria dizendo que a água vem da Cidade Maravilhosa. Lugar de alegria e carnaval. A palavra Rio tem origem no verbo rir, na felicidade de viver e traz consigo o movimento e a ginga da corrente de água. Por outro lado, diria, nada sutilmente, que quem gosta de água parada é o mosquito da dengue.



Outra pérola que brotou de matéria publicada em jornal. – Correio Braziliense – Sempre às quartas-feiras antes das 18, com tamanho predeterminado um texto, como se fosse uma coluna de jornal.

11 maio 2011

A salvação dos sapos


A súbita extinção do sapo-dourado e do sapo-arlequim da reserva ambiental Monteverde, na Costa Rica, é um dos casos mais bem documentados dos declínios populacionais misteriosos que caracterizam a crise global dos anfíbios. O subsequente desaparecimento de 40% das espécies de anuros (grupo de anfíbios que não possuem cauda) das florestas tropicais porto-riquenhas é um dos casos mais extremos de perda de biodiversidade. – CB Ciência, 10/05/2011.




Conheci o porto-riquenho, Paco Gonzales, ainda adolescente. Ele participou de um programa de intercâmbio e morou seis meses na casa do meu vizinho. Paco era engraçado e conquistador nato. Com o sotaque portunhol dizia que seu pai tinha sido um sapo que, ao ser beijado, se tranformara em príncipe. E que ele era nascido príncipe, e que de acordo com a lenda do seu país, precisava ser beijado por uma princesa para virar rei. Magras, pobres, altas, com ou sem óculos, beijava todas. Transformou-se em rei do bairro.

Já biólogo, retornou ao Brasil, na virada do século, para um congresso. Eu o hospedei durante dez dias. O suficiente para recordar histórias de sapos, rãs e pererecas.

Um dia tive a oportunidade de visitá-lo em San Juan. Fiquei muito bem impressionado com o mar transparente na vista aérea e o moderno aeroporto. No caminho para casa ele me relatou que estava muito preocupado com a morte misteriosa dos anfíbios do arquipélago. Os estudos levavam a crer na diminuição na população de salamandras, cobras-cegas, lagartos e na extinção de sapos, rãs e pererecas. O caso mais grave era com os anuros, anfíbios sem cauda.

Na manhã seguinte visitamos o centro da cidade, declarado Patrimônio Histórico pela Unesco. E à tarde fomos ao laboratório de Paco.

Conforme suas pesquisas e comprovação de imagens observou que os sapos nasciam e se desenvolviam felizes até começarem a frequentar a escola e a sociedade nas lagoas. Ali entravam em contato com outras espécies e assumiam feições tristes. Relatou-me que a transformação era impactante, imediata. De sorridentes passavam a chorões depressivos. E da depressão à morte tudo acontecia muito rápido.

Descobriu que os sapos se envergonhavam pela ausência de uma cauda. Comprovou a tese quando começou a cortar o rabo de lagartos e cobras: todos morriam de vergonha.

Mas Paco era estudioso e perseverante. Analisou centenas de bichinhos, até encontrar uma solução para os infelizes. Agora estava orgulhoso, se aproximava a hora de mostrar ao mundo o resultado do seu trabalho. Apontou-me uma enorme caixa com uma encomenda, antes de abrir, mostrou-me um artigo científico que escrevera especialmente para a revista do Instituto Bitantã. Ele seria o salvador de todas as espécies em extinção. Bastaria colocar as próteses nos bichinhos.

Entusiasmado mostrou rabinhos de cachorro, para demonstrar alegria, rabinhos de canguru, para saltar mais longe, rabinhos de vaca para espantar moscas, rabinhos de chipanzé para subir em árvores.

Em compensação, eu morri de rir.



Todas as quartas-feiras, até as 18h, publico no blog um texto oriundo de matéria publicada no Correio Braziliense. Como numa coluna de jornal, o texto é limitado de 2959 a 2997 caracteres.

*imagem do sapo-arlequim, em extinção

10 maio 2011

Estive em Lisboa e lembrei de você

Luiz Ruffato é um nome consagrado da atual literatura brasileira. Em 14 de agosto de 2007, no auditório do CCBB – Centro Cultural do Banco do Brasil – tive o prazer de ouvi-lo numa palestra. Até hoje só havia lido e gostado de dois dos seus contos. Assumi o compromisso de um dia ler Ruffato. Infelizmente não coloquei prazo. Logo, demorei muito para cumprir com a minha dívida pessoal.

Agora, participando do Grupo de Leitura promovido pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da UnB, surgiu a oportunidade de conhecer Estive em Lisboa e lembrei de você.

O livro foi originado no projeto Amores Expressos, promovido pela Companhia de Letras e bancado por incentivos da Lei Rouanet. Vários autores foram convidados a escrever uma história de amor tendo como cenário uma cidade do Planeta onde seriam hospedados por 30 dias.

Ruffato deveria escrever um romance tendo Lisboa como fundo. E, de fato Serginho, o protagonista propõe casamento a uma prostituta brasileira, Sheila, na capital lusitana. Porém a impressão que eu tive é que o narrador jamais saiu de Cataguases, no interior de Minas, com sua prosa fluente, como se estivesse encadeando causos numa roda de vizinhos na calçada em frente de casa, sob um poste de luz amarela.

O cardápio de falares do interior mineiro ganha novos temperos quando o protagonista atravessa o Atlântico para vivenciar situações de um imigrante sobrevivendo no mundo.

Julgo (quem sou eu para julgar um ícone?) ser um romance de 85 páginas, pouco elaborado para a notória capacidade do autor. Parece que Ruffato procurou se livrar rapidamente do compromisso assumido com a editora.

04 maio 2011

Falta gente e sobra humor em Borá

Borá, no interior de São Paulo, mantém o título de menor município do país em população. Na última década, a cidade recebeu 10 pessoas a mais na lista de habitantes, totalizando os atuais 805. – CB, Censo 2010, 30/04/2011.


 
Hoje é quarta-feira, dia de publicar minha coluna semanal com base em notícia publicada na semana. Eu já havia separado algumas matérias sobre o casamento real britânico e sobre o fim de Osama Bin Laden. Mas o editor entrou na minha sala, com desprezo e cenho fechado, disse que isso era para os jornalistas graúdos. Que eu deveria escrever sobre o Censo 2010. Fiquei felicíssimo. Assunto brasileiro da maior importância.

– Você fará a matéria sobre Borá.

– O Censo descobriu alguma nova tribo indígena?

– Não. É o menos populoso município brasileiro.

– Maravilha. Onde estão as passagens? Viajo quando?

– Deixe de viajar! Você tem duas horas para colocar o texto sobre a minha mesa. – E bateu a porta atrás de mim.

No mesmo instante me conectei na Internet para pesquisar. Descobri que há pelo menos um cidadão bem-humorado na cidade. “Borá é uma cidade localizada a três passos de onde Judas perdeu as botas, o All Star e a virgindade.”

Descobri também que é uma cidade pacífica. Quando os dois times de futebol, o Borá FC e o Borá EC se defrontam, os torcedores gritam o mesmo nome.

O grande evento anual é a escolha da miss e do mister Borá com direito a entrevistas e transmissão ao vivo pela rádio da cidade.

As imagens mostram todas as ruas asfaltadas e uma praça repleta de bancos de concreto com nomes gravados. Dali se pode ver a igreja matriz, imaginar a música vinda do coreto desativado e espiar os casais de namorados na fonte luminosa.

O prédio da prefeitura é identificado em letras garrafais: Paço Municipal. Uma construção assobradada recente, em forma de bolo de casamento, juntando a prefeitura e a câmara municipal. Na fachada superior há uma espaçosa varanda prevendo momentos solenes ou festivos. Dizem que a edificação é um pequeno paço para o homem, um salto para a humanidade.

É curioso saber que o expediente é das 9h às 11h e das 13h às 17h. E que um mesmo prefeito dirigiu a cidade por 14 anos em quatro mandatos diferentes.

As estatísticas apontam que 90% dos habitantes são alfabetizados e que 93% da população, acima dos 13 anos, acessa o Facebook. Curiosamente ninguém nasceu na cidade nos últimos 30 anos. Será que só lêem livros e trocam e-mails? Ou é brincadeira de um gozador cidadão boraense.

O mais surpreendente é que a cidade é extremamente politizada. Todos votam. Idosos, maiores de 17 anos, mulheres, adolescentes, crianças, bebês e até os que ainda irão nascer. Pois apesar da cidade ter apenas 805 habitantes, tinha, já em 2008, 924 eleitores.

Consegui terminar o texto no prazo. O editor sempre exigiu um conto ou crônica. Desta vez, para me testar, exigiu um artigo.

Do texto pode até não gostar, mas certamente terá interesse em desvendar o mistério que atrai moradores de outros lugares a votar na pequena Borá.

01 maio 2011

O único final feliz para uma história de amor é um acidente – JP Cuenca - crítica

O único final feliz para uma história de amor é um acidente de João Paulo Cuenca, Editora Companhia das Letras, é um romance com altas doses depressivas que demora a fisgar o leitor no anzol. Entretanto, uma vez fisgado, é impossível fugir.

O cenário é em Tóquio, onde um pai, voyer, espiona, invade e oprime abusivamente a vida do filho. Sempre, 24 por dia, câmaras e gravadores registram movimentos, conversas e intimidades. O pai estimula a vida sexual do filho para se aproveitar das imagens. O filho tem conhecimento, mas não consente com as atitudes paternas, como num estupro.

O pai, octogenário, oculta suas ações da sociedade atrás de uma fachada de poeta, líder de tradições literárias.

O autor imprime verossimilhança a fatos impossíveis como uma mulher robô construída especialmente para atender devaneios do velho poeta. O autor convence tão completamente que os delírios sofridos pelo protagonista transformam a opressão e mania de perseguição em imagens que confundem o leitor entre realidade e ficção.

A minha leitura foi muito rápida, merecia volta para reflexões e melhor entendimento das intenções do autor. Por sorte participo de um grupo de leitura* onde destrinchamos o pescador que nos fisgou.



* – Grupo de Leitura do Departamento de Teoria Literária da Universidade de Brasília.
 
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