26 dezembro 2011

Feliz por nada



Feliz por nada
Martha Medeiros

Editora LPM
216 páginas
Preço: Um montão de reais porque comprei no lugar errado.


Na livraria do aeroporto de Brasília, meia hora antes de embarcar no vôo que me levaria ao Natal em São Paulo com a família, pensando na próxima reunião do grupo de leitura, procurei Uma criatura dócil do Dostoievski. Não encontrei.

Na verdade eu queria um livro de leitura descompromissada, linguagem leve, bom astral. Alguma leitura que pudesse ser interrompida a qualquer momento.

Xeretei pilhas de livros. Revistas de todos os segmentos. Quem sabe alguma que me ajude a planejar o ano que vai começar?

Chamou-me a atenção um livro que piscou para mim embora a figura da capa fosse um manequim sem cabeça, porém repleto de botons com smiles espalhados na camisa. Era Martha Medeiros flertando comigo.

Um livro de crônicas, constatei. Histórias curtas. 24.a edição. Uau! Sempre tive curiosidade de saber quem é essa mulher. A foto da segunda orelha convenceu-me a viajar bem acompanhado.

Já sentado na sala de embarque tive o trabalho de contar que a autora escreveu cinco livros de poesia, quatro romances e que este é o sétimo de crônicas. Caraca! Essa mulher é muito nova para tantos livros!

Gosto de refletir sobre as frases de abertura de romances. Mas este não é um romance e a frase de abertura na verdade é uma pergunta: Onde você gostaria de estar agora, nesse exato momento?

Para mim, eu já poderia fechar o livro. Comecei minha viagem ao viajar para lugares e momentos. Foram dez ou quinze segundos tentando responder a questão. A minha alegria foi a resposta original: o melhor lugar do mundo é dentro de um abraço.

Logo precisei interromper o prazer da leitura para o embarque. Por essas e outras é que escolhi short stories.

Bem no comecinho, acho que na quinta crônica, a autora conta sobre um cara chamado Alain de Button que criou a Escola da Vida. Onde se aprende a viver o cotidiano de forma mais prática e inventiva. Ou seja, a moça que mostrou muita originalidade logo de cara busca ainda mais criatividade?

Logo mais à frente sublinhei uma frase: “Independência nada mais é do que ter o poder de escolha”, conclusão de um comentário: “Te acho uma mulher fenomenal, mas eu não gostaria de ser casada contigo – tu és muito independente.”

A autora se desnuda naturalmente, sem preconceitos, ao mostrar a alma em vários momentos. E, ainda oferece lições aprendidas na própria vida amorosa quando sugere: “não antecipe o término do que ainda não acabou, espere a relação chegar até a rapa, e aí sim.”

Contrastando um artigo da revista Veja sobre a educação em massa dos chineses de Taiwan, reproduz um conceito da poeta Elisa Lucinda que não há jeito de reter conhecimento se não houver emoção.

Em muitos momentos as crônicas sugerem que o livro é um guia de autajuda.

Em Amigo de si mesma sugere que ninguém vai se chatear se você fizer o bem a si mesmo. “Negue-se a participar de coisas em que não acredita ou que simplesmente o aborrecem. Presenteie-se com boa música, bons livros e boas conversas. Não troque sua paz por encenação. Não faça nada que o desagrade só para agradar aos outros. Mas seja gentil e educado, isso reforça laços.” “Sem amizade por si próprio, nunca haverá progresso possível.”

Em Confie em Deus, mas tanque o carro a autora continua o seu delicioso guia ao referendar que “não há prêmio ou punição na vida, apenas conseqüências.”

Achei sensacional a crônica Em que esquina dobrei errado? em que a autora perdeu-se numa viagem em Paris. A partir dali analisa as conseqüências do que pode acontecer a qualquer pessoa ao dobrar a esquina errada em algum momento da vida e conclui que “a vida não é férias em Paris.”

Em Feliz por nada, Martha Medeiros externa sua opinião a partir de fatos, situações ou momentos vivenciados. Quase sempre mostra bom humor, dá lições de vida. Não é a toa que o livro está há 22 semanas entre os 10 mais vendidos da Veja na categoria Não ficção. Penso que deveria estar em Autoajuda.

Terminei de ler o livro no dia 24 de dezembro enquanto esperava o táxi para me levar à casa da minha filha para a ceia de Natal. Ganhei o meu presente natalino antes de todo mundo.

22 dezembro 2011

24 de dezembro

Como em todas as repartições, hoje é dia de trabalho. É bem verdade que as coisas estão lentas, quase paradas. O número de funcionários está reduzido à metade, ou menos. Muito menos.

Depois de dezenas de reuniões e acaloradas discussões, elaboraram o mapa de responsabilidades e presenças para o final de ano. Tudo começou em agosto, quando os que têm visão de futuro programaram suas férias somando Natal, réveillon e férias escolares. Os ajustes continuaram em todas as rodas de conversa. Na época, todas as premissas foram analisadas com muita dedicação. Quem vai viajar? Para onde? Quem vai receber visitas de parentes? Quem vai visitar parentes? Quem vai tirar recesso de Natal? Quem vai fazer o recesso do Ano Novo? Quem diz que vai trabalhar e na última hora diz que teve dentista? Quem não cumpriu o combinado do outro ano? Era hora de blefar, dizendo que fez um monte de horas extras durante o ano e que agora não queria nem saber: iai tirar uma folga compensatória, mais que justa e merecida. Quarenta dias! Assim mesmo: quarenta por extenso. De 17 de dezembro, uma segunda-feira, até o dia 26 de fevereiro, uma quinta-feira, logo após o carnaval.

Misturando a lógica, justos argumentos e chantagens emocionais, tudo foi acertado verbalmente: cada um por si e Deus por todos. Azar de quem está iniciando no serviço público e crê que todos cumprirão palavras e compromissos.

Mesmo em dias como hoje, sempre fui responsável e cônscio dos meus deveres e obrigações. Chego cedo, penduro o paletó no cabide, aponto meus lápis com meu canivete vermelho, leio o jornal do chefe e tomo cafezinho nos mesmos e rotineiros horários.

O dia está diferente. O telefone toca silêncios. Não há entra e sai de gente. No caminho da sala ouvi as pessoas se cumprimentando e, mecanicamente, desejando Feliz Natal. Alguns se queixaram por ainda terem de comprar presentes. José disse que irá, como todos os natais, cear com os pais até as dez e meia e depois deverá atravessar a cidade e cear novamente, agora com os sogros.

Abro dois envelopes com bonitas mensagens de Natal. Antigamente os fornecedores entregavam cestas de Natal, depois agendas ou garrafas de vinho. Agora, cartões. Amanhã, apenas um e-mail.

Hoje, não há escola. Muitas mães levam as crianças para o serviço. É impossível concentrar-se no trabalho com tantas crianças correndo e gritando pelos corredores. Particularmente, deixo minha porta fechada. Todos sabem que tenho muito a fazer. À minha frente, uma enorme lista de amigos e parentes. Ligo para todos, um por um, desejando boas-festas. Na maioria das vezes, respondem sem originalidade, desejando o dobro. Ao telefonar para os celulares, alcanço as pessoas no trânsito, à beira do fogão ou nas compras desesperadas. Todos muito atarefados e estressados com as últimas providências natalinas.

Enquanto isso, as odiosas crianças continuam agitando gritarias perto da minha sala. Murmuro baixinho minha prece para afastar moleques arteiros. Diabos, será que tenho de berrar ao telefone para transmitir mensagens de paz?

Lembro-me da minha infância. No Natal, reuníamos a família. Fazíamos uma oração. Trocávamos lembranças. Nada comprado. Essa regra era fundamental. Tínhamos que fazer o presente para cada pessoa. Era nossa maneira de demonstrar amor e carinho. Foi assim que eu me lambuzei com um vidro de geleia de jabuticaba, só para mim. Tia Juliana costurou o meu pijama predileto. Para o meu melhor estilingue, o Tio Alberto usou a borracha de uma câmara de pneu de bicicleta. Nós, que éramos crianças, cantávamos as canções de Natal.

Acho que o espírito natalino desapareceu. A magia foi apagada pelo egoísmo, pela propaganda e pela falta de tempo.

Agora, do corredor, ouço os gritos do Tonim. Fico arrepiado. Garoto irrequieto. Pirralho atrevido. Moleque arteiro.

Não deu outra. Minha porta é escancarada e...


— Tiooooooooooô, Feliiiiiiz Nataaaaaaaal! Hô, hô, hô!

Era o Tonim em carne e osso e gorro de Papai Noel, correndo ao meu encontro e tascando um delicioso beijo lambuzado.

Rápido como um cometa: veio, deixou a luz e saiu.

Uma lágrima rolou.

O espírito natalino ainda vive!


Extraído do livro Cara de crachá

16 dezembro 2011

Ceia de Natal


O ano sempre começa lento. Para chegar o carnaval é uma eternidade. O feriado da Páscoa também demora um pouco. Os dias passam, um por um, até chegar a independência, geralmente num fim de semana, desperdiçando nosso desejado feriado. Dali para a frente, a rapidez do ano vai ladeira abaixo, numa corrida desenfreada até chegar o Natal. Aí, é a loucura da falta de tempo.

Faltam poucos dias para a maior data do calendário cristão.

Enquanto casado, eu não tinha nenhuma preocupação nem responsabilidade. Na data marcada, sentava-me à mesa em companhia dos familiares e festejávamos.

Agora, descasado, fui questionado pela namorada sobre como seria nosso Natal.

– Como assim?

– Seus filhos? Não vai estar com seus filhos? Natal é uma data de confraternização e união familiar.

Fiz uma cara de vaquinha de presépio. Refleti. Ela está certa. E com cara de Papai Noel saindo da chaminé exclamei:

– Farei uma ceia de Natal em casa!

Na mesma hora anotei na agenda as providências:



• GUIRLANDA

• ÁRVORE-DE-NATAL

• CEIA

• BEBIDAS

• MENSAGEM



Em seguida, verifiquei no calendário alguma data disponível. Sexta-feira ou sábado antes da data religiosa. Refleti, por alguns segundos, sobre a conveniência de enviar convites formalizando o evento ou se apenas telefonaria para meus filhos. Achei melhor telefonar para minha filha e convidar meu filho mais tarde, pessoalmente. Afinal, ele mora aqui em casa.

Para mim será evento muito importante e realizador. A festa tem de acontecer antes do Natal na casa da ex. Lá meus filhos poderão externar orgulhosamente que o pai deles é capaz de organizar uma confraternização tão bem ou melhor do que a mãe.



GUIRLANDA

Na mesma noite procurei os enfeites da casa. Lembrei-me que a guirlanda que adornava nossa porta ficou com a ex.

– Serei criativo!

Desci ao térreo do edifício com uma tesoura na mão para cortar algumas folhagens e com elas fazer uma coroa. Mal cortei o primeiro ramo e o síndico sugeriu gentilmente que aquele era um bem comum e que, além disso, a poda era proibida depois das 22 horas, principalmente por pessoas que não aprovaram as contas do prédio.

Achei que o síndico tinha cara de rena de Papai Noel, e retornei ao meu apartamento.

Resolvi procurar gravura de alguma guirlanda em revistas. Encontrei uma garota escultural na página central da Playboy. Ela era o próprio presente. Acabei optando por algo mais apropriado: uma gravura da Nossa Senhora dos Natais Familiares.

Recortei e, por não encontrar cartolina, colei direto sobre a porta. Por baixo da gravura grampeei o raminho verde recém-colhido.



ÁRVORE-DE-NATAL

Quando da separação, na partilha dos bens, tivemos uma longa disputa em relação à árvore-de-natal. Pensamos em dividir a árvore em dois pedaços. Aí, a contenda passou para quem ficaria com a parte superior da árvore. O corte longitudinal já havia sido descartado, porque o tronco era muito delicado. Ela acabou ficando com a árvore, as bolas vermelhas e brancas. Fiquei com a estrela da ponta da árvore e com as bolas azuis, verdes e roxas.

Depois da rejeição do síndico, considerei descartada a hipótese de cortar algum galho de árvore para nomeá-lo pinheiro. De imediato, veio à lembrança a frase exaustivamente dita pela namorada:

– A cadeira do seu quarto parece uma árvore-de-natal!

Feliz com a solução encontrada, busquei a cadeira e a coloquei sobre a mesinha do canto. Tirei todas as roupas e a enfeitei com bolinhas azuis, verdes e roxas. No alto do espaldar prendi a estrela com uma fita crepe. Só faltam lâmpadas coloridas piscando a genial ideia.



CEIA

Agora no papel de dona-de-casa, cozinheira e chefe de cerimonial é fundamental escolher o cardápio de acordo com a solenidade. Petiscos, salada, prato principal, acompanhamento, sobremesa e bebidas.

A escolha óbvia para os petiscos são pipocas de micro-ondas enfeitadas com fios de ovos e cerejas. O branco é básico, combina com tudo.

Para facilitar a digestão não há nada como uma boa salada! Uma lata de ervilhas, uma lata de milho, algumas fatias de presunto picadas e um vidro grande de maionese. É só ferver o miojo, esperar esfriar e misturar tudo. Para enfeitar, eu coloco uma azeitona da fatia de pizza que sobrou na geladeira.

Fiz as contas rapidamente e cheguei à conclusão que seremos seis adultos. Felizmente, nenhuma criança para perguntar de cinco em cinco minutos se já pode abrir os presentes. Por isso mesmo, iremos abrir os presentes logo.

Eu lembro que minha mãe, minha avó e também a ex preparavam a ceia na véspera porque o forno era muito pequeno e não comportava o peru ou a leitoa. Não vou assar nenhum dos dois porque não gostaria de comparações do meu peru com outros convencionais. Meu assado será muito melhor, ao menos nos quesitos porta-bandeira, alegoria e samba-enredo. Farei algo bem natalino: lasanha de peito de peru. Não tenho como preparar simultaneamente as seis lasanhas no micro-ondas. De véspera, assarei uma por uma e depois guardarei na geladeira até o grande momento.

Para coroar o banquete, a lasanha deve ter acompanhamento à altura. Farei minha especialidade: pizza. Pizza natalina. Será uma pizza de muçarela com nozes e cerejas. Servirei cortada em forma de estrela.

Nos grandes eventos sempre há doces e frutas para sobremesa. Serei inovador. Farei prato único, unindo doce e frutas. Cada um de nós poderá servir-se da sua fruta preferida. Uva, abacaxi, manga ou limão. Vou oferecer picolés nos diversos sabores.



BEBIDAS

Essa não é minha especialidade. Tenho muita dificuldade para combinar as bebidas com os respectivos pratos. Para acompanhar os petiscos e deixar os convidados bem à vontade para o bate-papo fluir, imagino uísque para os barbados e coquetel de frutas para o departamento feminino. Dizem que uísque com guaraná é cafona. Também acho. Talvez com outro refrigerante fique melhor. De qualquer forma, o uísque já está guardado há bastante tempo: doze anos.

– Será que o prazo de validade já venceu?

O ideal é experimentar.

– Sem gelo é muito ruim. Melhor é servir outra dose e verificar com gelo. Aprovado!

Bom, agora vamos ao coquetel de frutas. Ainda bem que já comprei os picolés. Ponho três no liquidificador e três copos de vodka. Não preciso colocar açúcar nem gelo. No mesmo copo onde estava o uísque coloco três, melhor quatro, dedos do coquetel. Aprovado!

– O que fai com lasanha? Finho branco, tinto ou cerfeja?

– Efentos importantess tem fários copos e taçasss. Fou tomar só mais um.



MENSAGEM

Axo que é melhor ser brefe!

Faço cara de apresentador de jornal e leio a mensagem: Agradeço a Deus e a todos os Santos, por mais um ano de saúde e por permitir concluir o que me propus fazer. Sou grato pela presença e pelo carinho da família, desejo que todos tenham um Feliz Natal. Peço a Deus que abençoe esta família e perdoe minha terrível ceia.

Amém.


Extraído do livro Pepino e farofa

05 dezembro 2011

CARA DE CRACHÁ



CARA DE CRACHÁ


Autor: Roberto Klotz


Número de páginas: 160


Assunto: Contos


Preço: 28,00








Leitura prévia por Betty Vidigal

Roberto Klotz se destaca constantemente pelo humor dos seus textos. Não é um humor de escracho nem daquele tipo que se dedica a ridicularizar os personagens e assuntos que enfoca. A graça desses escritos é por vezes sutil, por vezes escancarada, mas sempre afetuosa com seus temas. E nunca óbvia: o Klotz surpreende quem o lê.

Este Cara de Crachá, terceiro livro do autor, escrito na primeira pessoa, tem um narrador fictício. O von Silva é descendente de alemães, como o Klotz. Logo no início do livro, constatamos que a família “von” está espalhada por todo o mundo... Mas o personagem não é um alter ego do seu criador. Enquanto Klotz se descreve como “um engenheiro que se estilhaçou em parágrafos”, von Silva é funcionário público. Em alguns momentos, tem o comportamento que se espera do estereótipo do FP: “Sou sempre o primeiro. Sou um funcionário exemplar. Agora mesmo vou embora. Como sempre, sou o primeiro e tenho muito orgulho disso”. Noutros, von Silva é mais arguto ou mais simplório do que os brasileiros imaginam os típicos funcionários públicos.

Morador de Brasília há muitos anos, Klotz tem proximidade maior com esses espécimes do que os brasileiros residentes noutras plagas. A visão que um brasiliense – mesmo que seja por adoção – tem do funcionalismo é sempre instrutiva. Se essa visão é equilibradamente crítica, melhor. Se a crítica é apresentada com humor – mais doce que ferino –, como acontece aqui, melhor ainda.

Outros personagens povoam as páginas do livro: o Zezinho, que serve o café; a Paulinha, colega de trabalho que usa decotes generosos; a madame von Silva; o chefe; o Everaldo, vendedor de laranjas e de jogos do bicho... Cada um deles tem presença convincente. Roberto Klotz não precisa se perder em descrições detalhadas: a gente percebe logo que conhece essas pessoas. Mas, quando descreve alguém, ele o faz com precisão e ternura: “era elegante e ingênua e determinada e inflexível”, diz von Silva, falando de sua tia Valtraut.

Coisas da cidade também aparecem de forma pungente, como na cena em que um garoto conduz uma carroça puxada por um cavalo: “A cada passo a perna tira uma lasca da carroça. A cada passo a carroça tira uma lasca da perna. Com o coração partido, atiro um maçã pro menino. O destino vai dividir a fruta entre os dois miseráveis”.

Pequenas maracutaias não ficam de fora: num evento no Rio, von Silva tem de freqüentar reuniões e escrever relatórios que façam com que seu chefe – que deveria participar desses encontros, mas estava com “sua acompanhante” – fique bem na fita. Nada disso é contado de forma óbvia. O diálogo entre von Silva e o chefe mostra tudo sem dizer nada diretamente.

Na repartição, além do cafezinho e dos carimbos, o jogo de paciência tem um papel muito importante. Von Silva tem saudade do tempo em que discutiam a importância do sal marinho na dieta dos esquimós, o desperdício de espaço nas caixas de fósforos, a idade em que as crianças deveriam ser ensinadas a dar nó no cadarço do tênis, a influência da escultura barroca no formato do pão francês ou o número de notas musicais do canto do uirapuru logo após o acasalamento. Agora, lamenta que “o único questionamento que faz sentido é de um colega do quarto andar que está circulando um abaixo-assinado exigindo adicional de insalubridade devido ao alto grau de adrenalina liberada pelos praticantes de paciência, ou seja, todos aqueles que têm um micro à sua disposição”. Entre indignado e angustiado, von Silva pergunta: “o que será que vai acontecer com a cultura dos servidores públicos? Aonde esse país vai chegar sem diálogo?”.

Roberto Klotz criou um universo burocrático encantador, viciando o leitor a querer mais.

01 dezembro 2011

Faça um 2012 feliz

Quando se é novo o tempo é bondoso e lento. Passa como uma lesma na frente da nossa janela. A idade avança e o tempo passa exato. Nem coelho nem tartaruga. Quando se envelhece o tempo é cruel e muito rápido. Já não sou novo, minha casca sugere mais de cinqüenta carnavais. Para mim, o tempo é um animal em extinção. E me ocorre uma frase de Chico Xavier: “Não podemos voltar para escrever um novo começo. Podemos começar agora para escrever um novo fim”.



Em dezembro, o ano se despede e é hora de olhar o passado recente para avaliar realizações e anotar sonhos visando o futuro.


Sonhe diferente.


Viaje até as nuvens e dê formatos diferentes. Faça dois enormes braços abertos. Reme até a nuvem seguinte. Enrole um canudo e na ponta forme uma rosa, deixe os espinhos e pinte de vermelho. A rosa vai exalar o perfume do amor. Depois sopre as nuvens até fazer um volumoso sorriso. Vá até a nuvem seguinte e faça um escultural coração. Dentro do coração coloque um bumbo para todos ouvirem a bondade.


Sonhe grande, sonhe alto, sonhe colorido. Tenha e viva prazeres não vividos. Externe a alegria.


Suba numa árvore e colha a manga mais lustrosa para o seu amor. Conquiste novos amigos numa pista de dança. Viaje para o interior para comer goiabada cascão. Relembre para a sua mãe a alegria de quando ela te deu o cachorrinho há vinte anos. Coma uma torta de maçã e não olhe para a balança. Tire a televisão da tomada por uma semana e diga para todos que ela está quebrada. Dê um pum dentro do elevador e faça de conta que não foi você. Divirta-se.


O mundo não pode ser levado a sério todos os dias.


Multiplique seu tempo em 2012. Faça tudo o que sempre teve vontade de fazer e nunca fez.


Aproveite o tempo e viva como nunca viveu antes.

25 novembro 2011

Terceiro filho, na terceira idade

Logo cedo tomei conhecimento que a dilatação começou.

Agora recebi um telefonema:

― Está perto. As contrações estão de 20 em 20 minutos. Deve acontecer no final da tarde.

Os meses passaram rápido. Cogitei centenas de nomes. O nome ajuda a moldar a personalidade. Precisa ser marcante, forte e único.

Aguardo ansiosamente outro telefonema para correr até a gráfica ver mais um livro nascer.


O telefonema chegou.


― Alarme falso, doutô. Achamos que só vai acontecer amanhã de manhã.
― Vocês trabalham sábado?
― As máquinas são caras, importadas, tudo digital. Última geração! Não podem ficar ociosas. Trabalham 24 horas por dia.
― E pifaram?
― Não. É que recebemos uma encomenda urgente de um Ministério e precisamos entregar os 500 mil volumes de propaganda ainda hoje.
― Então tá, né.

23 novembro 2011

A humilhação

Por Philip Roth

Escrito em linguagem acessível a qualquer mortal, trata justamente da finitude sem filosofar. A história é sobre um destacado ator sexagenário, que de um momento para o outro perde o talento e a capacidade de interpretar.


O primeiro parágrafo é intenso, provoca a curiosidade e parece ser um resumo da obra:

“Ele perdera a magia. O impulso se esgotara. Ele nunca havia fracassado no teatro, tudo o que fizera sempre fora vigoroso e bem-sucedido, e então aconteceu esta coisa terrível: ele não conseguia representar. Subir ao palco tornou-se uma agonia. Em vez da certeza de que teria um desempenho maravilhoso, sabia que ia fracassar. A coisa aconteceu três vezes seguidas, e na última vez ninguém mostrou interesse, ninguém foi. Ele não conseguia se comunicar com a platéia. Seu talento havia morrido.”

A história ganha vigor quando uma lésbica, 25 anos mais nova, resolve entrar na vida do ator para tentar reverter sua opção sexual. O ator ferve em desejos sexuais saindo do marasmo e depressão em que havia se instalado.

Roth descreve o protagonista de uma forma genial dissecando a aparência física até penetrar nas profundezas da alma. Conduz a história muitas vezes por questionamentos, como na exata metade do livro quando o ator é levado a questionar-se numa avalanche de questões existenciais. O mesmo acontece perto do final do livro, pouco antes do fechamento surpreendente.

A originalidade da história é muito bem escrita pelo escritor que ganhou o Pulitzer em 1998 e o PEN/Faulkner três vezes entre diversas outras premiações de prestígio

13 setembro 2011

O machucado

– Que machucado é esse, von Silva?

– Machucado? Você chama este acidente nuclear de machucado? Você não sentiu a dor que eu senti. Logo após a transfusão de sangue levei 37 pontos externos e ainda 18 internos.

– Nem se percebe toda essa gravidade.

– É por estas e outras que amo minha madame. Ainda pequena, com a mãe, costureira profissional, aprendeu a costurar. Aqui, no antebraço, ela cerziu com pontos invisíveis. Na falta de linha cirúrgica, utilizou-se de delicada seda japonesa e na falta de sedativo aplicou-me um longo e lascivo beijo. Não ficou perfeito?

– Então, conte-me! O que provocou esta hecatombe?

– Estávamos na rua, eu e madame, quando um pivete nos ameaçou com uma barra de ferro exigindo minha carteira e falando gracinhas para a madame. Você sabe, né, eu não levo desaforo para casa.

– O acertaram com uma barra de ferro?

– Não, eu me esquivei e quando me atraquei com o abusado, apareceram mais quatro moleques armados de facas. Pelo bafo percebi que estavam alcoolizados. Briguei e desarmei dois deles.

– Então esse corte é de faca? Como você escapou dos cinco marginais?

– Ninguém me sangrou. Naquele exato momento passava uma mocinha com um pit bull. Eu gritei para ela soltar o cachorro para pegar os assaltantes.

– Muita sorte, hem! O pit bull pegou os bandidos?

– Que nada. Eu gritei. Por isso o idiota do animal correu atrás de mim.

– É muito azar, hem?!

– Corri um bocado. Na minha adolescência fui atleta. Pulei uma cerca e subi numa árvore.

– Este estrago no seu braço, von Silva, foi mordida?

– Nada. Escapei ileso. Aquela fera era um tubarão de quatro pernas. Teria levado o meu braço inteiro. Mas, quando estava num dos galhos, vi uma pipa. Resolvi escalar a árvore até o topo e resgatar o brinquedo de menino. A linha estava endurecida com vidro moído.

– Afinal, este corte foi provocado pelo cerol?

– Nananinanão. Quando menino fui mestre empinador de papagaios. Salvei a pipa e ainda aproveitei para pegar algumas mangas maduras.

– Por que você está inventando este monte de histórias?

– Você me perguntou o que era esse meu machucado, não foi?

– Sim. E daí?

– Daí, que eu me sentiria muito ridículo se contasse a singela história de que fiz um dodói no trinco da geladeira ao guardar frutas.

01 setembro 2011

Zodíaco



Antes de casar você disse que era de gêmeos.
Pensei que se referisse ao signo, não que amasse os irmãos Mendes.

27 agosto 2011

Contrastes

Os primeiros raios de luz penetravam no restaurante através das tábuas soltas. Várias cadeiras estavam sobre as mesas. Em outras mesas havia cinzeiros cheios e copos vazios. Na frente do balcão, cacos de vidro de garrafa de aguardente refletiam cores de arco-íris numa poça de sangue.

18 agosto 2011

Não se engane


 

A água pinga,

a pinga não água


O monge habita,

hábito não empadrece

o padre coabita

e apodrece o hábito.


Pingo não é letra.

Frigideira, né panela, não.

Mariposa não é borboleta.

mamadeira não é teta.


Frase curta não é verso.

Parágrafo não é estrofe.

Esse é o dilema.

Prosa não é poema.





































14 agosto 2011

Enterro sem elogios
















Após culto pagão


O coveiro desceu o caixão.


Parentes lançaram pétalas.


Colegas sopraram pó.


O filho bastardo rolou uma lágrima.


Os peladeiros baixaram uma camisa do Flamengo.


Os parceiros jogaram cartas.


A turma do boteco acrescentou uma aguardente.


A amante pousou um poema.


A esposa despencou a aliança.


O padre contrariado atirou pesada bíblia.


O coveiro fechou a sepultura.

10 agosto 2011

Em família



Vovó era doce, papai durão e mamãe tenra.

Pensava enquanto chupava o fêmur da irmã.

03 agosto 2011

Mosaico

João morava nos degraus da matriz. Sua camisa de retalhos era tão transparente quanto as janelas da igreja.

27 julho 2011

Casa dos espíritos

Minha vida estava sem sentido. A empregada roubou meu cedê do Raul Seixas. O cachorro roeu minha máquina fotográfica. Fiquei preso no elevador durante cinco horas. Com o síndico. Embriagado! Minha namorada engordou 32 quilos e antes que eu acabasse o relacionamento me abandonou. Sumiu!

Tentei de tudo; alho, sal grosso, pé de pato mangalô três vezes, arruda e guiné para espantar o mau olhado.

A grande mudança ocorreu quando um amigo, sabendo da minha fase agourenta, presenteou-me com uma Casa dos Espíritos. Uma espécie de templo budista, utilizada pelos tailandeses, para ser colocado na entrada e que deve ser bem provida de incenssos, alimentos e objetos para trazer sorte e conforto.

Por morar em apartamento, a instalei no hall dos elevadores do meu andar. Procurando seguir as tradições e o manual de instruções, promovi uma festa de boas vindas. Recheei o telhadinho com uma foto da Juliana Paes, uma nota de dez Euros e um pedaço de frango à passarinho com muito alho. O DJ mandou ver um pagode legal. Foi uma festa para ninguém botar defeito.

No dia seguinte a filha da zelador brincou de casinha no hall. O dinheiro sumiu, a foto estava rasgada. Sobrou apenas uma barbie impregnada com o cheiro do alho.

Mesmo assim, depois de uma semana a minha namorada retornou. Estava linda. Voltou de um spa parecendo top model. Magra, cabelos de salão, roupa mostrando todas as curvas. O problema é que entrou na porta vizinha.

08 julho 2011

O cheiro da carne queimada

Ontem terminei de ler o livro do Zulmar Lopes. Letras miúdas em apenas 104 páginas. Demorei uns 15 dias. Não foi incompetência de leitura, nem má vontade. Foi puro tesão. Sabe aquela transa que, de tão boa, que você não quer ejacular e protela o gozo ao máximo para não findar os prazeres do momento?

Pois foi exatamente isso que aconteceu na leitura do livro. Lia alguns poucos contos e largava em algum ponto da casa. Depois lia mais um conto e abandonava noutro ponto da casa. Assim o livro peregrinou da cozinha ao banheiro do banheiro para o escritório. Dormiu no criado mudo e foi parar debaixo do sofá da sala. E, a cada conto gostado eu virava a orelha marcando o início do conto. Eu sempre faço isso com os livros de histórias curtas ou poemas para facilitar um eventual retorno ao livro. Quando terminei os 23 contos observei o livro com 15 orelhas além das duas que já vieram da gráfica. Um índice de aprovação fantástico. Imagine-se apreciando 18 músicas de um cedê de 23. Percebe o índice de acertos do Zulmar?

Eu já conhecia alguns contos do mestre Zulmar, inclusive deste livro porque frequentamos a comunidade orkutiana Bar do escritor e porque li algumas antologias onde estão algumas das obras premiadas em concursos literários. Tanto conhecia que estava muito curioso e enviei mensagem ao autor:

─ O conto com Dona Ernestina está no livro? ─ É que eu gostei tanto do conto que batizei Ernestina uma personagem de um dos meus contos prediletos.

─ Ernestina abre o livro. ─ Foi a resposta.

Mas e o livro? Porque é tão bom?

Se você acha o pôr de sol divino, o canto do sabiá maravilhoso e que rosas emanam desejos de amor então o livro que você procura é outro. Cheiro de carne queimada não é mimimi. É escrita politicamente incorreta. O autor narra histórias sórdidas colhidas no baú dos sete pecados.

Observe a construção deste personagem do conto A ferro e fogo

“A pergunta que Solange se fazia, Reginaldo Meia-Bunda tinha a resposta. Seu apelido politicamente incorreto resultara de uma poliomielite contraída na infância que atrofiara toda a musculatura da perna esquerda, deixando-o manco. Desprezado pelas mulheres e objeto de chacotas dos homens do bairro, Reginaldo Meia-Bunda pouco tinha de distração além do exercício da maledicência e o prazer pela intriga. Ouvidos apurados, captou notícias aqui e acolá a respeito de uma possível traição da mulher de Waldemar e, como percebera o sumiço do vascaíno Claudinei por aquelas bandas, juntou as peças do quebra-cabeça e, deleitoso por um escarcéu, decidiu encontrar o fugitivo. De fuxico em fuxico, Meia Bunda logo chegou ao paradeiro de Cladinei, morando numa cabeça de porco nas franjas do bairro de Santa Cruz.”

Isso é exemplo para livros que ensinam como montar uma personagem.

Eu gostaria de ter escrito um monte destes contos. Somente um grande autor consegue andar no fio da navalha do erótico, do policialesco, do grotesco sem cair na vulgaridade.

Parabéns, Zulmar. Seu livro é ótimo.

Recomendo a leitura com entusiasmo.

29 junho 2011

Torradinha exibida




Restaurante novo e aconchegante.

Sentei-me próximo da janela.

Toalha e guardanapo de linho.

Recebi gentileza e cardápio.

Enquanto tomava chope gelado e cremoso

virei páginas, salivei opções.

Qual será a especialidade da casa?

Senhor garçom, por favor,

─ Qual é o prato mais solicitado?

─ É o couvert, senhor.

─ Obrigado. Anote um filé com fritas.

20 junho 2011

Desmoralização



A van preta com a caveira do BOPE – Batalhão de Operações Policiais Especiais – estacionou na frente da favela da Rocinha. Desceram quatro policiais fortemente armados. Com cara de poucos amigos, olharam para os dois lados, antes de seguir em frente, quando um flanelinha perguntou se poderia vigiar.

16 junho 2011

Sarau do Caribe


Peço desculpas, hoje estou muito nervoso. Passei uns dias muito malucos e agora venho falar na frente de tanta gente sem ter preparado o meu texto. Eu não trouxe nenhum texto para ler desta vez.

Quando o Marco Antunes, organizador do sarau, me convidou para escrever um texto sobre o Panamá e Porto Rico fiquei muito orgulhoso. Seria a oportunidade de falar sobre a genial construção do famoso canal pelo engenheiro Ferdinand Lesseps o mesmo que construiu o canal de Suez. Eu poderia dizer que 13mil navios ou 4% do comércio marítimo mundial, passam anualmente por ali. E que o Pacífico é 24 centímetros mais alto que o Atlântico.

Sobre Porto Rico eu diria que é a quarta maior ilha do Caribe. Com área equivalente a dois distritos federais. E que a economia é muito dinâmica e diversificada onde se instalaram empresas multinacionais de farmacêutica, eletrônica, têxtil, petroquímica e até biotecnologia.

É o que eu diria, mas o Marco disse que não queria nenhuma aula de geografia ou economia. Ele queria uma história que se passasse na região.

Então, acabei telefonando para o meu amigo Paco Rodrigues, morador de San Juan, para me contar sobre a vida de Porto Rico e, quem sabe, a partir dali fazer uma crônica.

Muito melhor que palavras, ele me convidou para passar uns dias com ele.

Na mesma noite comprei passagem. Faria um vôo com escala em Miami na ida e na volta faria escala na cidade de Panamá. Tudo o que eu queria. Viajei no dia seguinte.

Fiquei em Miami apenas o tempo suficiente para trocar de avião e rumar para Porto Rico.

Encostei a cabeça na poltrona pensando em finalmente descansar da correria. Na revista de bordo li uma ampla reportagem sobre o Triângulo das Bermudas, onde barcos, navios e aviões desaparecem misteriosamente. Foi aí que o avião entrou numa zona de turbulência impressionante. Repentinamente todas as luzes se apagaram e caímos em queda livre no escuro.

O grito dos desesperados amainou e passei a ouvir o som de uma flauta. Fomos pousados suavemente no alto de uma pirâmide. A pirâmide do Sol. Fomos recebidos por um Deus, Quetzalcoatl, uma serpente ricamente emplumada. Disse que estávamos ali para ser sacrificados, oferenda necessária para o Sol nascer todos os dias.

Aleguei que eu não poderia ser sacrificado porque deveria falar do Caribe num sarau em Brasília, terra de muitas pirâmides. De nada adiantou. Aí eu apelei. Disse que eu era um sacerdote e que faria a lua desaparecer naquela noite se não fossemos todos libertados. O eclipse de ontem à noite aconteceu e acabamos homenageados em uma cerimônia com muito chocolate cultivado e produzido pela nação asteca e maia. Fui liberado bem a tempo de comparecer ao sarau e trazer este chocolate, oferecido pelo deus Quetzalcoatl ao organizador.

09 junho 2011

Precisamos falar sobre o Kevin


“Precisamos falar sobre o Kevin” de Lionel Shriver é um fantástico romance ficcional escrito em forma de sucessivas cartas como se fossem capítulos.

Uma mulher americana transcreve ao marido a própria transformação de executiva bem sucedida em mãe de um serial killer. As cartas são uma sucessão muito bem escritas e convincentes de angústias, sofrimentos, sentimento de culpa e inocência, acusações sofridas e punições impostas pela sociedade, lembranças boas e más. O tema, tantas vezes abordado em livros e cinema (Beautiful boy, Bang bang you’re dead, A torre da morte) agora é mostrado do ponto de vista da mãe que se coloca como inocente apesar da condenação implacável da sociedade e mostra como qualquer família pode a qualquer tempo, aparentemente, sem mais nem menos, gerar um filho assassino. Isto é, com verossimilhança e altas doses de ironia a situa e identifica o leitor como pai ou mãe do personagem assassino.

A autora, em linguagem intimista e atual, fala do tipo de crime onde um atirador dispara sobre inocentes em lugares públicos ou escolas parecia e que parecia restrito aos americanos, entretanto provocou vítimas em escolas na Europa e, mais recentemente, também no Brasil. Esperamos que este tipo de crime hediondo, agora universal, fique restrito, pelo menos, à nossa época.

A história é densa e tensa, envolvente e emocionante. Muitas ações e histórias paralelas constroem um romance para ser lido um só fôlego, sem interrupções. Não é à toa que recebeu elogios da crítica internacional e desponta entre os grandes best sellers americanos.

08 junho 2011

Alegria para os cronistas brasilienses


O Crônicas da Cidade vai acolher textos produzidos por cronistas do jornal e por cronistas-leitores. As crônicas devem ter como objeto de inspiração a capital do país, o modo de vida dos brasilienses, os invisíveis viveres cotidianos, as mudanças de humor do céu, os sufocamentos de agosto, os sabores, odores, tremores e dissabores da cidade que tantos amam e que tantos não conseguem entender e vivem de maldizê-la. – CB, Crônica da Cidade, 08/06/2011.



Antes mesmo do jornal ser entregue na minha porta, a serra elétrica da construção vizinha já atazana meu começo de dia. Como vou passar manteiga e tomar o meu o café com um barulho desses?

Todas as quartas-feiras começam assim. Apocalipses cíclicos, zumbidos infernais, tempestades zodiacais.

Há 40 quartas-feiras me proponho a escrever um texto bem-humorado motivado por uma matéria publicada no jornal durante a semana. Deve ter exato número de caracteres e ser publicado no meu blog antes das seis da tarde.

Esta manhã de quarta-feira começou rápida nos ponteiros do relógio. Nada recortei durante a semana. Ainda não escolhi o tema. Preciso encontrar um mote no jornal de hoje. Política? – Não, ninguém se interessa por políticos. Internacional? – Não. Penso que os leitores preferem temas locais. Economia? – Basta de inflação! Tecnologia? Saúde? Ciência? Esportes? – Já falaram tudo sobre o jogo de despedida do Ronaldo, não há nada para acrescentar. – Ai meu deus! – Li mais um caderno e ainda não fui balançado por uma notícia. Cidades? – Gosto do caderno, sinto-me em casa. Cassação da deputada? Caixa de Pandora? Social? Celular para controle de freqüência nas escolas? – Hum, muito interessante. Atropelamentos e greve de ônibus, são notícias ruins, difícil fazer graça. Crônica da cidade? Um blog para os cronistas. – Um blog para os cronistas? Uêba! Tudo o que eu sempre quis!

A serra elétrica parou. O apocalipse montou seu cavalo negro e saiu a galope. O céu se abriu para a motivação para escrever nesta e em várias outras quartas-feiras. Agora basta ajustar o teclado à frente e digitar com entusiasmo.

A cidade ferve de cronistas ansiosos por um lugar nobre para expor escritos e uma voz grita:

– Levante o dedo quem quer escrever no Correio.

Meus dois indicadores apontam para o céu. Lá no alto encontram outras dezenas de mãos frequentadoras de saraus, blogs e oficinas literárias. Todos os escritores são ávidos por leitores.

Só que o tempo do cronista corre mais rápido que o dos outros mortais: precisa entregar o texto antes de terminar o prazo.

Quero entregar logo meu trabalho para ser dos primeiros a ter um texto publicado no blog. Tenho pressa. Baixo meus dedos e os agito sobre o teclado.

Enquanto os dedos dançam no palco das letras, a mente conta e confere o número de letras, espaços e parágrafos previamente estabelecidos pelo editor. O sorriso de realização chega junto com ponto final. A serra elétrica só voltará na outra semana. Um bem-te-vi anuncia a chegada de outro texto.

27 maio 2011

Trocando a roupa de cama

Ela demorou mais tempo passando o ferro no lençol
que o amante passando ferro no lençol.

18 maio 2011

A guerra das águas

A água mineral líder de mercado na França percorre um caminho de 10 anos entre rochas vulcânicas até ficar bem pura. Mas apareceu um forte concorrente: a água dos icebergs. Os mais jovens têm cerca de 10 mil anos. Os pedaços de gelo são derretidos e engarrafados. O produto da concorrência virou moda entre as famílias ricas da Califórnia e o preço faz jus ao público: chega a custar US$10 a garrafa. – CB, Você sabia, 16/05/2011.



A notícia chegou aos ouvidos de Antonio Carlos, um empresário brasileiro prestes a lançar um revolucionário filtro d’água no mercado mundial. O que fazer contra essa concorrência inesperada?

Nem precisou fazer nada.

A guerra foi iniciada pelos franceses que alegaram que a água dos icebergs provavelmente teria restos de urina de animais polares.

Os americanos, que financiam o projeto de exploração do pessoal da Groenlândia, sentiram-se ofendidos nos brios. Reuniram uma tropa de agentes comerciais e foram ao Pentágono pedir permissão para o revide.

Os generais americanos, auto-proclamados defensores da justiça mundial, em primeiro lugar afirmaram que quando se trata de ofensa à soberania americana não é necessária permissão para a retaliação. Em seguida questionaram se a língua estranha dos franceses era árabe. Com a resposta negativa, perguntaram se o território francês ficava no Oriente Médio. Os comerciantes abriram mapas para consulta antes de afirmar categoricamente que não encontraram a França próxima ao Irã, Iraque, Paquistão, Arábia Saudita, Kuwait ou Venezuela. Os generais se entreolharam. Ainda havia uma questão fundamental em aberto. E em caso positivo, apontariam os mísseis na direção da capital do país ainda naquela noite.

- Aquela torre enorme é para a exploração de petróleo?

Se não havia petróleo na questão então a ofensa era menor.

Antonio Carlos acompanhou tudo, bem de pertinho, graças a um agente triplo infiltrado na SIA e no DGSE (Direction Générale de la Sécurité Extérieure), o Serviço Secreto Francês. Sentiu firmeza. Os yankees não jogariam bombas nos galegos, e estes sequer arremessariam suflês nos yankees.

Em vez de combater com pistola d’água. O empresário brasileiro poderia lançar uma ofensiva sem medo. Precisaria encontrar uma forma de detonar com o marketing e a grife das garrafinhas internacionais.

Nem precisou pesquisar muito. O seu filho quando soube como eram as águas dos estrangeiros esboçou cara de nojo e emitiu um sonoro: – Eca! A partir dali as idéias caíram em cascata folheando os jornais da cidade. Encontrou uma campanha pronta para condenar a água filtrada no processo de 10 anos e também a água congelada há 10 mil anos. Colocaria água na fervura dos concorrentes internacionais.

Começaria dizendo que a água vem da Cidade Maravilhosa. Lugar de alegria e carnaval. A palavra Rio tem origem no verbo rir, na felicidade de viver e traz consigo o movimento e a ginga da corrente de água. Por outro lado, diria, nada sutilmente, que quem gosta de água parada é o mosquito da dengue.



Outra pérola que brotou de matéria publicada em jornal. – Correio Braziliense – Sempre às quartas-feiras antes das 18, com tamanho predeterminado um texto, como se fosse uma coluna de jornal.

11 maio 2011

A salvação dos sapos


A súbita extinção do sapo-dourado e do sapo-arlequim da reserva ambiental Monteverde, na Costa Rica, é um dos casos mais bem documentados dos declínios populacionais misteriosos que caracterizam a crise global dos anfíbios. O subsequente desaparecimento de 40% das espécies de anuros (grupo de anfíbios que não possuem cauda) das florestas tropicais porto-riquenhas é um dos casos mais extremos de perda de biodiversidade. – CB Ciência, 10/05/2011.




Conheci o porto-riquenho, Paco Gonzales, ainda adolescente. Ele participou de um programa de intercâmbio e morou seis meses na casa do meu vizinho. Paco era engraçado e conquistador nato. Com o sotaque portunhol dizia que seu pai tinha sido um sapo que, ao ser beijado, se tranformara em príncipe. E que ele era nascido príncipe, e que de acordo com a lenda do seu país, precisava ser beijado por uma princesa para virar rei. Magras, pobres, altas, com ou sem óculos, beijava todas. Transformou-se em rei do bairro.

Já biólogo, retornou ao Brasil, na virada do século, para um congresso. Eu o hospedei durante dez dias. O suficiente para recordar histórias de sapos, rãs e pererecas.

Um dia tive a oportunidade de visitá-lo em San Juan. Fiquei muito bem impressionado com o mar transparente na vista aérea e o moderno aeroporto. No caminho para casa ele me relatou que estava muito preocupado com a morte misteriosa dos anfíbios do arquipélago. Os estudos levavam a crer na diminuição na população de salamandras, cobras-cegas, lagartos e na extinção de sapos, rãs e pererecas. O caso mais grave era com os anuros, anfíbios sem cauda.

Na manhã seguinte visitamos o centro da cidade, declarado Patrimônio Histórico pela Unesco. E à tarde fomos ao laboratório de Paco.

Conforme suas pesquisas e comprovação de imagens observou que os sapos nasciam e se desenvolviam felizes até começarem a frequentar a escola e a sociedade nas lagoas. Ali entravam em contato com outras espécies e assumiam feições tristes. Relatou-me que a transformação era impactante, imediata. De sorridentes passavam a chorões depressivos. E da depressão à morte tudo acontecia muito rápido.

Descobriu que os sapos se envergonhavam pela ausência de uma cauda. Comprovou a tese quando começou a cortar o rabo de lagartos e cobras: todos morriam de vergonha.

Mas Paco era estudioso e perseverante. Analisou centenas de bichinhos, até encontrar uma solução para os infelizes. Agora estava orgulhoso, se aproximava a hora de mostrar ao mundo o resultado do seu trabalho. Apontou-me uma enorme caixa com uma encomenda, antes de abrir, mostrou-me um artigo científico que escrevera especialmente para a revista do Instituto Bitantã. Ele seria o salvador de todas as espécies em extinção. Bastaria colocar as próteses nos bichinhos.

Entusiasmado mostrou rabinhos de cachorro, para demonstrar alegria, rabinhos de canguru, para saltar mais longe, rabinhos de vaca para espantar moscas, rabinhos de chipanzé para subir em árvores.

Em compensação, eu morri de rir.



Todas as quartas-feiras, até as 18h, publico no blog um texto oriundo de matéria publicada no Correio Braziliense. Como numa coluna de jornal, o texto é limitado de 2959 a 2997 caracteres.

*imagem do sapo-arlequim, em extinção

10 maio 2011

Estive em Lisboa e lembrei de você

Luiz Ruffato é um nome consagrado da atual literatura brasileira. Em 14 de agosto de 2007, no auditório do CCBB – Centro Cultural do Banco do Brasil – tive o prazer de ouvi-lo numa palestra. Até hoje só havia lido e gostado de dois dos seus contos. Assumi o compromisso de um dia ler Ruffato. Infelizmente não coloquei prazo. Logo, demorei muito para cumprir com a minha dívida pessoal.

Agora, participando do Grupo de Leitura promovido pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da UnB, surgiu a oportunidade de conhecer Estive em Lisboa e lembrei de você.

O livro foi originado no projeto Amores Expressos, promovido pela Companhia de Letras e bancado por incentivos da Lei Rouanet. Vários autores foram convidados a escrever uma história de amor tendo como cenário uma cidade do Planeta onde seriam hospedados por 30 dias.

Ruffato deveria escrever um romance tendo Lisboa como fundo. E, de fato Serginho, o protagonista propõe casamento a uma prostituta brasileira, Sheila, na capital lusitana. Porém a impressão que eu tive é que o narrador jamais saiu de Cataguases, no interior de Minas, com sua prosa fluente, como se estivesse encadeando causos numa roda de vizinhos na calçada em frente de casa, sob um poste de luz amarela.

O cardápio de falares do interior mineiro ganha novos temperos quando o protagonista atravessa o Atlântico para vivenciar situações de um imigrante sobrevivendo no mundo.

Julgo (quem sou eu para julgar um ícone?) ser um romance de 85 páginas, pouco elaborado para a notória capacidade do autor. Parece que Ruffato procurou se livrar rapidamente do compromisso assumido com a editora.

04 maio 2011

Falta gente e sobra humor em Borá

Borá, no interior de São Paulo, mantém o título de menor município do país em população. Na última década, a cidade recebeu 10 pessoas a mais na lista de habitantes, totalizando os atuais 805. – CB, Censo 2010, 30/04/2011.


 
Hoje é quarta-feira, dia de publicar minha coluna semanal com base em notícia publicada na semana. Eu já havia separado algumas matérias sobre o casamento real britânico e sobre o fim de Osama Bin Laden. Mas o editor entrou na minha sala, com desprezo e cenho fechado, disse que isso era para os jornalistas graúdos. Que eu deveria escrever sobre o Censo 2010. Fiquei felicíssimo. Assunto brasileiro da maior importância.

– Você fará a matéria sobre Borá.

– O Censo descobriu alguma nova tribo indígena?

– Não. É o menos populoso município brasileiro.

– Maravilha. Onde estão as passagens? Viajo quando?

– Deixe de viajar! Você tem duas horas para colocar o texto sobre a minha mesa. – E bateu a porta atrás de mim.

No mesmo instante me conectei na Internet para pesquisar. Descobri que há pelo menos um cidadão bem-humorado na cidade. “Borá é uma cidade localizada a três passos de onde Judas perdeu as botas, o All Star e a virgindade.”

Descobri também que é uma cidade pacífica. Quando os dois times de futebol, o Borá FC e o Borá EC se defrontam, os torcedores gritam o mesmo nome.

O grande evento anual é a escolha da miss e do mister Borá com direito a entrevistas e transmissão ao vivo pela rádio da cidade.

As imagens mostram todas as ruas asfaltadas e uma praça repleta de bancos de concreto com nomes gravados. Dali se pode ver a igreja matriz, imaginar a música vinda do coreto desativado e espiar os casais de namorados na fonte luminosa.

O prédio da prefeitura é identificado em letras garrafais: Paço Municipal. Uma construção assobradada recente, em forma de bolo de casamento, juntando a prefeitura e a câmara municipal. Na fachada superior há uma espaçosa varanda prevendo momentos solenes ou festivos. Dizem que a edificação é um pequeno paço para o homem, um salto para a humanidade.

É curioso saber que o expediente é das 9h às 11h e das 13h às 17h. E que um mesmo prefeito dirigiu a cidade por 14 anos em quatro mandatos diferentes.

As estatísticas apontam que 90% dos habitantes são alfabetizados e que 93% da população, acima dos 13 anos, acessa o Facebook. Curiosamente ninguém nasceu na cidade nos últimos 30 anos. Será que só lêem livros e trocam e-mails? Ou é brincadeira de um gozador cidadão boraense.

O mais surpreendente é que a cidade é extremamente politizada. Todos votam. Idosos, maiores de 17 anos, mulheres, adolescentes, crianças, bebês e até os que ainda irão nascer. Pois apesar da cidade ter apenas 805 habitantes, tinha, já em 2008, 924 eleitores.

Consegui terminar o texto no prazo. O editor sempre exigiu um conto ou crônica. Desta vez, para me testar, exigiu um artigo.

Do texto pode até não gostar, mas certamente terá interesse em desvendar o mistério que atrai moradores de outros lugares a votar na pequena Borá.
 
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