12 dezembro 2012

Casamento em crise

Aurélio estava no banheiro, com o rosto coberto de espuma de barba e com uma toalha na cintura, quando a esposa, furiosa, escancarou a porta da privacidade.

– Aurélio! O que é isso no seu pijama?

Essa foi a primeira investida irada de Ana Maria enquanto quase esfregava a mancha da calça do pijama na cara do marido. Antes mesmo da resposta desferiu perguntas como uma metralhadora.

– Você agora deu para sair com vagabundas? Essa coisa molhada não é seu gozo, que eu conheço. O que é isso? Você não me respeita mais não? Sai com piranhas e depois vem deitar na minha cama, ao meu lado, com essa coisa pingando? Eu vou te capar! Não pense você que eu não sabia do seu caso com a Juliana! Ela até é bonitinha, chego a ter simpatia por ela, mas agora você passou dos limites. Você arrumou mais outra! Está se deitando com mulher ordinária, com pistoleira, com mulher da zona. Você, meu querido Aurélio, está trocando cetim por lençóis impregnados de sujeira, de piolhos, de vermes da escória. Onde você foi parar? Que decadência, Aurélio. Que decadência!

O marido segurava o aparelho de barbear com a mão direita enquanto com a esquerda tentava fechar a porta para interromper a represália que ninguém mais ousava.

– Olhe-se no espelho. Cadê aquele Aurélio cheio de orgulho? De dignidade? De poder? Você nunca foi homem de rastejar na sarjeta dos ratos. Seu lugar é na ponta da mesa, onde o coloquei. E, largue o trinco desta porta que eu ainda não disse tudo que eu tinha para dizer.

Ele, constrangido, tira a mão do trinco da porta e ajeita a toalha que ameaça a cair junto com a vergonha.

– Isso mesmo, segure esta toalha, junte com o pijama e a cueca melada para levar para a lavanderia. – fez uma pequena pausa – ou queime se preferir. Só não me espalhe essa doença suburbana na casa da sua família. – jogou o pijama nos pés do marido e virou-lhe as costas.

Eles já estavam casados há 22 anos. Com os filhos na universidade e vida estabilizada. Uma casa em condomínio fechado e outra casa na praia. Ele diretor numa empresa de transportes de carga e ela dona-de-casa.

Ana Maria é aquilo que os invejosos chamam de dondoca. Levanta depois das nove. Joga tênis duas vezes por semana e vai para a academia nos outros dias. À tarde tem uma rotina árdua. Nas segundas-feiras vai ao supermercado, nas terças e quintas joga pife, às quartas-feiras tem aula de pintura e nas sextas-feiras é dia de massagem e cabeleireiro. Aos sábados, enquanto o esposo joga golfe, ela visita lojas de moda e calçados. Desde pequena foi acostumada ao conforto pelo pai, dono da transportadora.

A esposa sempre soube do caso do marido com Juliana. Era impossível ignorar uma sombra. A amante era uns dez anos mais nova. O que tinha de bonita , tinha de insegura. Tão insegura que procurava imitar Ana Maria em tudo. Frequentava o mesmo cabeleireiro, ia às mesmas lojas, jogava tênis, estudava piano em vez da pintura. Adicionou silicone aos peitos e era paciente do mesmo ginecologista. Tudo bancado pela mesmo homem.

Ele já se encantara por mulheres mais novas outras duas vezes. Ana Maria, sempre segura e autoconfiante, soube dos casos. Eram apenas casos, duraram semanas, talvez alguns meses. Aurélio cansava e sossegava, retornando à vida caseira e familiar. Agora era diferente, sentia-se ameaçada pela ambiciosa concorrente. O caso já durava dois anos e Aurélio sequer disfarçava inventando viagens. Tanto que fora visto com a rival ocupando a mesa de canto no restaurante antes ocupado em família. Não se incomodava em ouvir comentários maldosos.

A preocupação de Ana Maria consistia em perder um casamento confortável. Uma escolha calculada na adolescência. Ele era um rapaz atraente, esforçado, inteligente, culto e refinado embora de classe mediana. Nada que um bom emprego não resolvesse. O rapaz transformou-se em senhor, depois em doutor, trabalhou muito e chegou merecidamente a diretor na firma do sogro.

Ana Maria soube que Juliana inocentemente perguntara a um lojista o preço de um vestido de noiva. Começou a respirar o ar da separação. Esse foi o limite. Mesmo transtornada não seria capaz de se vingar deitando-se com outro homem. Ficou tentada. Aurélio não suportaria ser passado para trás, jamais conseguiria tolerar a traição, seria um tiro no orgulho. Mesmo cobiçada, jamais dividiu cobertas com outro homem, não seria agora, por vingança. Mas estava decidida a vencer a noivinha inexperiente.

Numa quarta-feira, desmarcou o jogo de pife e marcou com o ginecologista.

Em vez das queixas e consulta habitual Ana perguntou pelo filho do doutor, se ele estava feliz no emprego, que ela havia arrumado para ele, e mais algumas perguntas que pareciam sem nexo até que deu a ordem ao médico:

– Quero que você contagie a Juliana com gonorreia.

Desnecessário dizer que Aurélio sentiu-se traído por Juliana, comprou um pijama novo e retornou para as cobertas de cetim.

4 comentários:

Anônimo disse...

voce andou lendo Maquiavel
rsrsrs
his

Klotz disse...

Lendo Maquiavel?

Eu nem sei ler...

Anônimo disse...

KLOTZ, um conto "terrível" e bem escrito. Abraço, Rosangela

Klotz disse...

Atualizei o texto e repostei.

 
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