06 outubro 2010

Gato rosa choque

“Já imaginou encontrar um gato cor-de-rosa andando pela rua? Foi o que os moradores de Swindon, Reino Unido, viram na última semana. O animal foi levado para uma veterinária, que chegou a lavá-lo para remover a tinta, mas não conseguiu. O responsável pelo abuso? A própria dona do felino, Natasha Gregory. 22anos”. CB – Você sabia... 04/10/2010

Romário Dantas Albuquerque e Silva é um gato com árvore genealógica nobérrima. Nos tempos do Império, sua trisavó miava em colo de condessa e mastigava perdiz francesa. De geração em geração os tempos mudaram. Acrescentarem Silva ao sobrenome. Em vez de doutor Romário, chamam-no simplesmente Romrom. Para piorar a situação a dona pintou-o cor-de-rosa.
Os amigos do beco riem e caçoam do rosado Romrom. As fêmeas o desprezam. O rei do pedaço virou princesa.
Mas o felino esperto, conhecedor das leis e dos seus direitos digitou um longo ofício e, com o pelo ouriçado, dirigiu-se ao Juizado Especial de Pequenas Causas.
Solicitou indenização por danos morais. Sua honra fora ofendida. Fora posto em situações vexatórias. Afirmava-se constrangido, humilhado, ultrajado, vilipendiado, aviltado, rebaixado e outros ados que não valia a pena relacionar. Além dos danos morais exigiu indenização por danos materiais. Questionou se sabem quanto cobra um coiffer de shopping center. Primeiro descolorir, depois reidratar. Pintar novamente. Ainda é preciso fazer escova progressiva. Perguntou pela reconstituição do desenho da mancha peitoral. Garantiu ser a característica que identifica a família a séculos. Jamais será o mesmo Romário. Foi descaracterizado. Acredita que nem em duzentas sessões de psicoterapia recuperará a auto-estima. Em vez de caminhar nas cumeeiras dos telhados passou a rastejar junto aos rodapés.
Quando se esgueirava pelos cantos observou sua foto estampada nas revistas expostas nas bancas de jornal. Estava em todos os exemplares. Jornais sérios e revistas fofoqueiros. Elitistas e populares. Sempre ele, com a detestável cor pink. Colocou-se de pé, apoiado apenas nas patas traseiras para enxergar melhor. Lembrou-se da entrevista que dera a um jornalista. Informou idade. Escondeu a identidade. Deixou-se fotografar somente após muita insistência. E um pratinho de leite gelado sobre uma nota de cem dólares.
Antes de ler todas as manchetes foi cercado por uma legião de adoradores e meia dúzia de repórteres caçadores.
– É verdade que já tentou o suicídio?
– Mais uma foto só para garantir?
– Você vai à reunião do seu fã clube?
– Qual a marca da sua escova de dentes?
– Para onde você vai viajar quando ganhar a indenização?
– Me dá um autógrafo?
– Qual a mensagem que o senhor gostaria de dizer sobre as sociedades mais atrasadas que fazem churrasquinho de gato?
– É verdade que a sua dona o deixava trancada no quarto?
– Quantas bonecas tem sua coleção de Barbies?
Romrom estava acuado com todo aquele assédio. Só não recuou diante de outra pergunta.
– Porque todo esse ódio à sua dona?
– Minha cor predileta sempre foi azul turquesa.







Conto não publicado em jornal. Nem Folha de São Paulo, nem Globo. Tampouco Zero Hora, Correio Braziliense ou Estado de Minas.
Nono texto semanal consecutivo inspirado em notícia publicada no Correio Braziliense. Aguardo convite para assinar contrato oficial de colunista.
Todos os textos tem tamanho pré definido, dia e hora limite para publicação no blog.

2 comentários:

Zulmar Lopes disse...

Muito criativo. Se a moda pegua. Veremos legiões de fru-frus processando seus donos.
Fiquei com pena do bichano metamorfoseado em bichona na nota que deu origem à crônica.
Ler o Klotz é sempre saboroso.

Klotz disse...

Obrigado, mestre Zulmar, sempre é uma honra receber a sua leitura.

 
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