09 março 2011

O carnaval de fantasias no salão

Todos sábados eram iguais aos outros, mas aquele sábado era diferente dos outros sábados: era sábado de Carnaval.
Faltavam poucos minutos para as quatro horas e no salão da empresa já circulavam muitos funcionários. Apesar dos alto-falantes tocarem animação com as antigas marchinhas carnavalescas o pessoal estava mais propenso a permanecer sentado e conversar. Ninguém sacudia o corpo em alegria.

A arrumadeira de motel, impecável em seu traje com avental de rendinha preta, tomava cafezinho com o pipoqueiro de cinema que vestia uma jardineira listrada de branco e azul. Na blusa da mocinha estava bordado sex appeal enquanto na jardineira foi bordada uma espiga de milho sob a palavra pop corn em letras vermelhas.

O frentista ajeitava o boné verde-amarelo no reflexo da porta de vidro.

Perto da grande janela a conversa ia fúnebre. Era possível identificar as profissões pelas roupas. Conversavam sobre as diferenças na linguagem em cada profissão. O coveiro diz que enterra o finado. O médico, de jaleco, informa que o doente foi a óbito. O juiz, de toga, anota que o de cujus deixou fabulosa herança. O policial, com um cassetete e um par de algemas na cintura, diz que a arma era do presunto. O padre, muito chocado dentro da batina, faz o sinal da cruz enquanto falam dos entes queridos.

– Cadê a animação, pessoal? – Perguntou o cobrador de ônibus, ajeitando o quepe bege. – Isso tá muito funesto. É dia de festa! Bora trocar de assunto! – Encarou a babá e começou a assobiar provocativo... – Vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval...

O grupo não deu a menor bola para o cobrador. Continuou a relacionar diferenças no palavreado das profissões. Apenas trocaram mortos por viventes. O juiz diz que a sociedade se compõe de cidadãos. O médico enxerga em cada pessoa um paciente. O padre reza com os fiéis. O policial vê um meliante em cada cidadão.

Afora o cobrador ninguém se animava. Impacientes, olhavam para os ponteiros do grande relógio de parede.

A música parou. Uma voz metálica solicitou que todos entrassem no ônibus e se acomodassem. Que o culpado pelo atraso já estava chegando.

Ainda tiveram que esperar cinco longos minutos.

Quando o mestre-cuca tirou o chapéu e entrou no ônibus, o pessoal explodiu em vaias. Finalmente poderiam sair. O ônibus já estava com o motor ligado. Antes do motorista fechar a porta e engatar a primeira marcha ouvi o gerente gritar da calçada com o mestre-cuca.

– Quem você pensa que é para nos fazer de palhaços? Nunca mais atrase. Você se prejudica. Prejudica a empresa e todo os seus colegas. Nossa empresa é séria. Temos 15 anos de tradição como a melhor empresa locadora de mão de obra de plantonistas de reposição.



O conto foi inspirado na matéria publicada no Correio Braziliense de 06/03/2011 – Carnaval. – “Enquanto muitos brasilienses caem no samba ou aproveitam o recesso para descansar, há aqueles que precisam trabalhar para manter o funcionamento de serviços essenciais como saúde, transporte e limpeza urbana.”



















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