30 julho 2012

Romanceiro da Inconfidência – Cecília Meireles



Quem diria? Eu lendo poesia!


Lendo, apreciando, aplaudindo e recomendando.

– Assim mesmo, tudo no gerúndio.

A poesia não faz parte das minhas escolhas. Não tenho intimidade com versos e rimas. O livro Romanceiro da Inconfidência foi o escolhido do mês no nosso Clube de Leitura.

A impressão que eu tive é que Cecília Meireles turistou em Ouro Preto, visitou museus, folheou livros antigos, conversou com o povo e tomou café em uma das inúmeras casas coloniais. Lá, em algum momento foi até a cozinha servir-se de mais um pouco de doce caseiro, na volta se perdeu e entrou em uma porta que a levou para um passeio no tempo. Havia uma garrafa sobre a mesa, ela abriu, se serviu e se embriagou de passado.

Depois escreveu maravilhas.

Quando eu li Inocência , do Visconde de Taunay fui levado para outra época por alguém que viveu aquela época. Agora não. Fui levado por Cecília que embora ela não tenha vivenciado a época, conseguiu transmitir até a poeira que se respirava naqueles tempos de revolta contra altos impostos.

Na abertura da obra há um discurso em que ela relata o que a levou a escrever a obra histórica e diz que alguns dos personagens formam versos perfeitos:

Tomás Antonio Gonzaga

Joaquim José da Silva Xavier

Dona Bárbara Heliodora

Vicente Vieira da Mota

Sapateiro de Capanema

Dona Maria Primeira

É lógico que meu ouvido, pouco afeito ao ritmo, nada detectou. Os olhos, porém viram que há versos e poemas de todos os tipos e gostos. Decassílabos, sonetos, redondilhas e outras tantas às quais não fui apresentado formalmente. Entretanto me apaixonei pela declaração : “Somos cada vez mais governados pelos mortos”.

Por não frequentar o mundo da poesia deixei de usufruir todo poder da obra. Li como se fosse prosa. Uma prosa poética riquíssima onde nenhuma palavra é desperdiçada ou está fora do lugar.

Para nos aclimatar no cenário escreve:

Descem fantasmas dos morros,

vêm almas dos cemitérios:
todos pedem ouro e prata,
e estendem punhos severos,
mas vão sendo fabricadas
muitas algemas de prata.

A Chica da Silva dedicou um longo poema do qual só anotei o desfecho:
À Vênus que afaga,
soberba e risonha
as luzentes vagas
do Jequitinhonha.


(À Rainha de Sabá,
num vinhedo de diamantes
poder-se-ia comparar.)


nem Santa Efigênia,
toda em festa acesa,
brilha mais que a negra
na sua riqueza.

Contemplai, branquinhas,
Na sua varanda,
a Chica da Silva,
a Chica que manda!

(Coisa igual nunca se viu.
Dom Quinto, rei famoso,
Não teve mulher assim!)


Quem sou eu para escrever sobre a escrita da mestra? Recortei esses versos mostrando a densidade em que ela coloca o clima de tensão na cidade às vésperas da data programada para o levante:


Pelas gretas das janelas,
pelas frestas das esteiras,
agudas setas atiram
a inveja e a maledicência.
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas,
como peludas aranhas
na gosma as teias densas,
rápidas e envenenadas,
engenhosas, sorrateiras.


Sobre Joaquim Silvério dos Reis poemou:

Melhor negócio que Judas
fazes tu, Joaquim Silvério:
que ele traiu Jesus Cristo,
tu trais um simples alferes.
Recebeu trinta dinheiros...
– e tu muitas coisas pedes:
pensão para toda vida,
perdão para o quanto deves,
comenda para o pescoço,
honras, glórias, privilégios.
E andas tão bem na cobrança
que quase tudo recebes.


Vale a pena ler e descobrir o que a autora reservou a Tiradentes e como ela contou o momento do enforcamento.

Versejou também para o pessoal da cobiça. Aqueles que queriam ouro, diamantes, pedras preciosas a qualquer custo. Parece que adivinhava o futuro no litígio familiar disputando seu legado. Mas isso já é outra história.

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